sábado, 16 de agosto de 2025

Cristianismo contra o voto feminino

Uma postagem nas redes sociais do secretário de Defesa dos Estados Unidos, Pete Hegseth, provocou forte reação dentro e fora do país. Na última quinta-feira (7), Hegseth compartilhou um vídeo no qual pastores cristãos defendem que mulheres não deveriam ter direito ao voto e que a liderança política e familiar cabe exclusivamente aos homens. O material reproduz uma reportagem da CNN americana, tendo como principal entrevistado o teólogo conservador Doug Wilson, figura já conhecida por declarações controversas, entre elas a defesa de formas de escravidão e a recriminalização da homossexualidade.

No vídeo, o pastor Toby Sumpter afirma que o “ideal” é que o voto seja exercido apenas pelo homem provedor, após consultar a família. Uma fiel, também ouvida pela reportagem, diz apoiar a submissão ao marido como chefe e responsável pelo voto do lar. Wilson, cofundador da Comunhão das Igrejas Evangélicas Reformadas (CREC), reitera que não aceita mulheres em cargos de liderança nem dentro da igreja, nem nas Forças Armadas, justificando sua posição com interpretações literais da Bíblia.

A postagem foi acompanhada da frase “Tudo de Cristo para toda a vida”. Em nota, um porta-voz do Pentágono afirmou que o secretário “aprecia muito” os escritos e ensinamentos de Wilson e destacou que Hegseth é “membro orgulhoso” de uma igreja ligada ao CREC. O vínculo não é novo: o secretário e sua família participaram da inauguração de uma das igrejas de Wilson em Washington.

É bom lembrar que em 2024, Doug Wilson teve sua participação cancelada no Encontro para Consciência Cristã (um dos maiores eventos fundamentalistas do Brasil, que acontece em Campina Grande, na Paraíba) após cobranças públicas por conta de declarações do pastor defendendo a escravidão e a acusação de encobrir escândalos sexuais de sua igreja. Vale ressaltar que o cancelamento se deu porque os organizadores temiam pela “segurança” de Doug Wilson e não por conta de suas ideias.

Especialistas apontam que a divulgação do vídeo se insere em um contexto mais amplo: o avanço do nacionalismo cristão nos Estados Unidos. Sob influência direta do ex-presidente Donald Trump, com quem Hegseth mantém proximidade, o governo republicano tem implementado medidas para reforçar valores religiosos conservadores na esfera pública. Entre elas está o “gabinete da fé”, criado por Trump para investigar suposto “preconceito anticristão” em órgãos governamentais.

Do voto negado à conquista democrática

No Brasil, a polêmica encontra terreno fértil para reflexão. Em 2024, completaram-se 92 anos desde que o Código Eleitoral, assinado por Getúlio Vargas, garantiu o direito de voto às mulheres. Antes disso, a participação política feminina era rechaçada com argumentos que ecoam, de forma preocupante, nas falas recentes dos pastores americanos.

Na Constituinte de 1891, parlamentares alegavam que a inserção feminina na política ameaçaria a “estabilidade social” e destruiria a família. Outros argumentavam que mulheres eram “incapazes” por natureza, devendo manter-se restritas ao lar. Mesmo sem proibição expressa na Constituição, o costume e o Código Civil de 1916 — que exigia autorização do marido para que a mulher trabalhasse ou recebesse herança — consolidaram a exclusão.

Foi apenas em 1932 que o voto feminino tornou-se realidade, ainda de forma restrita e opcional. A igualdade plena só veio em 1965, com a obrigatoriedade do alistamento eleitoral para ambos os sexos. Hoje, as mulheres representam 52% do eleitorado brasileiro, mas ocupam apenas 15% dos cargos eletivos.

O compartilhamento do vídeo por um alto membro do governo dos EUA não é apenas uma manifestação de opinião pessoal, mas um gesto político com potencial de influenciar políticas públicas. “O que está em jogo é a tentativa de impor uma visão teocrática à sociedade, restringindo direitos historicamente conquistados”, avalia Andrew Whitehead, professor da Universidade de Indiana e estudioso do nacionalismo cristão.

Fonte: https://revistaforum.com.br/global/2025/8/12/secretario-de-trump-posta-video-de-pastor-pelo-fim-do-voto-feminino-185223.html

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