domingo, 17 de agosto de 2025

Capítulo 3: Ecos no Deserto e Sussurros de Azathoth


O sol do Arizona vergastava a paisagem com uma fúria inclemente. Greg, sob sua disfarçada forma humana, sentia o suor escorrer pela nuca, apesar da pele fria e úmida que escondia sob as roupas. A textura arenosa da estrada rangia sob seus pés enquanto caminhava, a mochila abarrotada de isotônicos, garrafas de água marinha colhida em segredo nas madrugadas na costa da Califórnia, e, o mais importante, os densos volumes rabiscados com equações complexas e diagramas incompreensíveis para o olho comum: seus cadernos de anotações sobre a Teoria das Dimensões.

A Área 51. O nome ecoava na sua mente como um mantra, um farol incandescente em meio à vastidão da sua obsessão. Era um lugar de segredos, de tecnologias alienígenas sussurradas nos cantos escuros da internet, um ponto de convergência entre o conhecido e o inexplicável. Greg não esperava encontrar uma porta aberta para outras dimensões, mas a esperança, por menor que fosse, era o combustível que o impelia adiante.

A noite anterior tinha sido particularmente desagradável. O motel barato em Rachel cheirava a mofo e desinfetante barato, uma combinação nauseante que revolvia o estômago sensível de Greg. Dormir, ou melhor, repousar, foi um exercício de paciência. A contorção da sua cabeça para minimizar as características octopoides era desconfortável e, apesar de se esforçar para manter a postura humana, seus sonhos sempre o traíam, regressando a paisagens oceânicas, a corais luminescentes e a sussurros guturais vindos das profundezas abissais.

Pela manhã, engoliu um isotônico sabor limão para disfarçar o gosto rançoso do sono, bebeu um pouco de água marinha e partiu, a mochila pesando sobre seus ombros. Quanto mais perto chegava da base militar, mais palpável se tornava a tensão no ar. Sentia os olhares desconfiados dos poucos habitantes, a aura de silêncio carregada de segredos que permeava a região.

Ao longe, vislumbrou as placas de aviso, ameaçando com severas punições quem ousasse ultrapassar os limites da propriedade governamental. Greg parou, espreitando por entre as rochas. Não planejava invadir a base. Seu objetivo era outro: sentir, perceber, captar qualquer vestígio de distorção dimensional, qualquer eco da presença dos Deuses Interdimensionais que pudesse emanar do local.

Passou horas observando, absorvendo a vibração daquele lugar, tentando decifrar os códigos escondidos na atmosfera. O calor era excruciante, a sede implacável. A cada gole de isotônico, sentia a energia da bebida pulsar em suas veias, aguçando seus sentidos.

De repente, um tremor. Não um tremor físico, mas uma perturbação sutil no tecido da realidade, um zumbido quase inaudível que ressoava no fundo da sua mente. Greg sentiu um arrepio percorrer seu corpo, uma corrente elétrica que o conectava a algo vasto e incompreensível.

Fechou os olhos, concentrando-se na sensação. A perturbação crescia, intensificando-se, como uma onda que se aproximava. Em sua mente, vislumbrou fragmentos de imagens: arquiteturas geométricas impossíveis, cores que desafiavam a percepção humana, vozes que cantavam em línguas arcaicas.

E então, um nome. Um nome sussurrado nas profundezas do seu ser, ecoando como um trovão distante: Azathoth.

O nome o inundou com uma torrente de emoções conflitantes: reverência, terror, admiração, desejo. Era a voz do caos primordial, o pulsar insano do universo, o Deus Cego e Idiota a quem Greg dedicava sua vida.

A imagem de Azathoth, tal como a imaginava em seus estudos, dançou em sua mente: um núcleo de pura energia, cercado por uma miríade de flautas tocando melodias dissonantes, servido por entidades monstruosas e incompreensíveis. Um ser de beleza aterradora, a encarnação do infinito e da loucura.

Naquele instante, Greg sentiu que estava mais perto de Azathoth do que jamais estivera. A conexão era tênue, quase imperceptível, mas era real. Podia sentir a presença do Deus Cego, a pulsação da sua essência ressoando no deserto do Arizona.

Apertou os olhos com força, tentando se agarrar àquela conexão, buscando uma forma de se comunicar, de declarar seu amor. Mas a distância era vasta, a barreira entre as dimensões impenetrável.

A perturbação começou a diminuir, diluindo-se lentamente no silêncio do deserto. O tremor se dissipou, deixando para trás um vazio profundo e uma sensação de melancolia.

Greg abriu os olhos, sentindo o peso da realidade cair sobre ele. Estava sozinho, no meio do nada, cercado por rochas e cactos. A Área 51 permanecia imponente ao longe, guardando seus segredos.

A desilusão o invadiu como uma onda fria. Teria sido apenas imaginação? Um delírio provocado pelo calor, pela sede, pela obsessão? Ou teria realmente sentido a presença de Azathoth, por um breve e fugaz instante?

Não importava. A dúvida não o paralisaria. O contato, por mais efêmero que fosse, reacendera a chama da sua obsessão. Agora, mais do que nunca, precisava encontrar uma forma de romper as barreiras dimensionais, de alcançar o Deus Cego e declarar seu amor.

Com um suspiro, pegou uma garrafa de água marinha e bebeu longamente, sentindo o sabor salgado da esperança. O caminho era longo e tortuoso, mas Greg não desistiria. Continuaria a estudar, a pesquisar, a viajar, até encontrar a chave para abrir as portas do infinito.

Voltaria para o motel, descansaria, e no dia seguinte rumaria para o norte. Talvez, no Vale da Morte, em meio à paisagem lunar e inóspita, encontrasse outro eco, outro sussurro de Azathoth.

E assim, Greg, o pólipo humanoide, continuaria sua jornada, impulsionado pelo amor insano por um Deus que trascendia a compreensão, um amor que o consumia e o definia, um amor que o levaria aos confins do universo e além. Porque para Greg, a busca por Azathoth era a sua própria definição de existência, a razão pela qual ele se contorcia em formas humanas, bebia isotônicos baratos e dormia em motéis decadentes no meio do deserto. Era um sacrifício mínimo pelo amor de um Deus Cego, Idiota e, acima de tudo, infinito.

Criado com Toolbaz.

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