quarta-feira, 29 de julho de 2015

Os Mistérios Antigos e o Deus Negro

E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas. [Gênesis 1:2]

Os antigos textos religiosos da Índia, Egito e Suméria registram a história de Deus como negro. De acordo com estes textos, Deus era originalmente uma essência luminosa sem forma escondida em uma substância escura  primordial chamada de água.

As negras águas primordiais estavam associadas a uma Deusa Primordial, Ela é o Ventre e a Tumba, Ela é a Consorte do Deus Criador. O cosmo pôde ser criado pela união [Hiero Gamos] entre este Deus e Deusa primordiais.

As tentativas iniciais de Deus na criação foram infrutíferas, pois sua forma luminosa castigava a criação material. A solução de Deus foi cobrir sua luminosidade com um corpo feito da mesma substância primordial escura de onde Ele emergiu. Este divino corpo negro refratava a luz divina enquanto esta passava pelos poros. Os antigos simbolizavam o efeito visual com a safira ou o lápis lazuli, pedras semipreciosas de um azul escuro com brilhos dourados. O corpo de Deus neste estágio era descrito como azul marinho e era dito ser feito de safira ou lápis lazuli. Considerada a melhor substancia divina, a safira e o lápis lazuli possuem um grande significado mitológico. Em seu estado natural o lápis lazuli é azulo escuro com brilhos dourados lembrando o firmamento coberto de estrelas, assim a morada dos Deuses costuma ser representada com a safira ou o lápis lazuli. Velado neste corpo azul escuro, Deus produziu o cosmo material com sucesso. O Deus Criador dos mitos antigos era então frequentemente pintado com azul escuro.

A cor azul escuro, azul marinho, bem como a cor púrpura, são símbolos da Deusa Primordial e ainda estão presentes nas cores usadas pela nobreza e pela realeza.

Na antiguidade, muitos aspectos dos Deuses eram representados zoomórficamente. Diferentes animais eram usados para simbolizar distintos características ou atributos dos deuses. O maior atributo animal do Deus Criador negro era o touro, o touro representa a potência, a fecundidade e a matéria primordial, todas características essenciais do Deus Criador. O touro negro era associado com as negras águas primordiais de onde o Deus Criador emergiu, simbolizando então a matéria escura do corpo que o Deus Criador formará para Ele mesmo, o couro negro do touro simbolizando a pele negra do Deus.

Animais eram usados pelos antigos para representar ou simbolizar as varias características ou atributos dos Deuses. O atributo animal desse corpo escuro do Deus Criador era um touro negro. O touro simbolizava a força e a fecundidade do Deus Criador. Também associava o Deus com as águas primordiais, que se acreditava que o touro personificava. Como o corpo escuro de Deus era feito desta escuridão primordial, a capa negra do touro representava a pele negra do Deus Criador. Este corpo escuro de Deus simbolizado pelo touro estava no centro dos mistérios de Deus nos antigos sistemas das escolas de mistério.

O atributo animal vinculado com as águas primordias era uma serpente ou um dragão. A serpente simbolizava o mundo material, a vida, a morte e o renascimento.

Os principais Deuses do Egito, Índia, Ásia, Oriente Médio e Grécia eram de fato negros. A negritude destes Deuses não necessariamente indicavam que eram ctônicas, malignas ou que pertenciam a alguma etnia. Em verdade, nas várias tradições antigas era o Rei dos Deuses, o próprio Deus Criador, quem era negro. A negritude do Deus Criador, como foi originado o corpo negro do Deus, do que este corpo era composto, estava no centro do mistério de Deus no Egito, Índia e Suméria.

As principais Deusas antigas eram identificadas com a Deusa Primordial em seu aspecto como a Grande Mãe, Donzela e Anciã, assim como com seus aspectos com a Morte e a Guerra. Por isso essa Deusa Primordial era representada como branca.

Antes de criar o cosmos, o Deus Negro criou a si mesmo, ou melhor, criou um corpo para Ele. De acordo com as antigas tradições, no princípio existia apenas a escuridão, escuridão material descrita como água. Oculto dentro destas águas primordiais estava o Deus em um estado luminosos sem forma. Todas as dualidades potenciais que são prerrogativas para o processo gerador repousavam indistintas e homogêneas. Em um determinado momento a luminosidade de Deus concentrou-se em um único ponto dentro das águas primordiais, produzindo a primeira partícula distinta de matéria luminosa.

Quando o Deus Criador emergiu, Ele ainda não tinha o corpo negro. Em verdade, Ele era a luz que se separara e surgira da escuridão. Este primeiro corpo luminoso mostrou-se letal para sua criação futura, então o Deus Criador velou sua luminosidade com um corpo formado com as águas primordiais de onde Ele emergiu, esta matéria primordial, negra e úmida, tornou-se  a substância do segundo corpo, que Ele vestiu como um manto, velando seu brilho. O ato de velar a luminosidade divina em um corpo negro era considerado um sacrifício divino, um ato que resultou no ser humano e permitiu a criação de um mundo material mais denso.

Um outro grande mistério envolve o momento em que este Deus começou a se formar dentro destas águas primordiais. Antes de se manifestar como luz e como corpo, o Deus uniu-se com a Deusa no Hiero Gamos. O Deus Primordial sacrificou-se, morreu, virou semente para que pudesse germinar dentro deste ventre e pelo sacrificio haverá de retornar para a Deusa quando o Deus sacrificar seu corpo material, tornando-se o Psicopompo.

Assim os mistérios antigos viam o Deus e a Deusa como imanentes e transcendentes. Esta partícula, esta faísca divina, está presente em tudo, então tudo é sagrado, tudo é divino.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Espiritualidade Contrassexual

O Paganismo Moderno é dinâmico, diversificado e múltiplo em suas vertentes, propostas, cultos, ritos e teologias. No Patheos, no canal do Paganismo, temos diversos textos demonstrando o quanto nós somos inclusivos, ainda que às vezes algumas celebridades tropecem. Existem pagãos modernos que apresentam o que é chamado de Teologia Queer. 

Queer: 

Queer ou Genderqueer é um termo genérico proveniente do inglês usado para designar pessoas que não seguem o padrão da heterossexualidade ou do binarismo de gênero. É comumente relacionado com pessoas que não se identificam com as formas usuais de identidade e orientação sexual, mas também é usado para representar gays, lésbicas, bissexuais ou transgêneros, de forma análoga à sigla LGBT. 

Seu significado inicial pode ser compreendido através da história da criação do termo, inicialmente uma gíria inglesa. Literalmente significa "estranho", "esquisito", "ridículo" ou "extraordinário". 

Por muito tempo a palavra queer foi considerada ofensiva aos homossexuais. No entanto, atualmente a palavra tem sido adotada pela comunidade LGBT com a intenção de ressignificá-la, dando um sentido positivo a ela. De um termo pejorativo, que colocava constantemente à margem os apontados por ela, a palavra queer passou a denominar um grupo de pessoas dispostas a romper com a ordem heterossexual compulsória estabelecida na sociedade contemporânea, e mesmo com a ordem homossexual estereotipada, que exclui as formas mais populares, caricaturais e até artísticas de condutas sexuais. Assim, travestis, drag-queens, transsexuais, pansexuais e outras pessoas consideradas estranhas, não aceitas socialmente, ao se denominarem queer ganham espaço social e individualidade, se distanciando cada vez mais de conceitos tais como desviantes ou aberrações. Ser queer é seguir uma prática de vida que se coloca contra as normas socialmente aceitas. 

Entretanto, é preciso salientar que, de acordo com a teoria queer, ser queer não é sinônimo de ser gay, lésbica ou bissexual. Enquanto os gays lutam para ser aceitos dentro da norma, os queers adotam a etiqueta da perversidade para destacar a ‘norma’ daquilo que é ‘normal’, seja heterossexual ou homossexual. O queer não quer sair da condição de "marginal", mas quer desfrutar dela. [Wikipédia] 

Teoria Queer: 

A teoria queer é uma teoria sobre o género que afirma que a orientação sexual e a identidade sexual ou de género dos indivíduos são o resultado de um constructo social e que, portanto, não existem papéis sexuais essencial ou biologicamente inscritos na natureza humana, mas sim formas socialmente variáveis de desempenhar um ou vários papéis sexuais. 

A teoria queer recusa a classificação dos indivíduos em categorias universais como "homossexual", "heterossexual", "homem" ou "mulher", sustentando que estas escondem um número enorme de variações culturais, nenhuma das quais seria mais "fundamental" ou "natural" que as outras. Contra o conceito clássico de gênero, a teoria queer afirma que todas as identidades sociais são igualmente anômalas. 

A teoria queer critica também as classificações sociais da psicologia, da filosofia, da antropologia e da sociologia tradicionais, baseadas habitualmente na utilização de um único padrão de segmentação — seja a classe social, o sexo, a raça ou qualquer outro — e defende que as identidades sociais se elaboram de forma mais complexa, pela intersecção de múltiplos grupos, correntes e critérios. [Wikipédia] 

Teologia Queer: 

A Teologia Queer é uma teologia baseada na teoria queer. [Wikipédia] 

Mitologia Queer: 

O estatuto da mitologia varia de acordo com a cultura. Geralmente os mitos atuais são e os antigos eram literalmente acreditados como verdadeiros no seio da sociedade que os criou e considerados errados ou fictícios em outros lugares. Algumas culturas podem considerar os mitos como transmissores de verdades psicológicas ou arquetípicas. Os mitos têm sido usados para explicar e validar as instituições sociais de uma determinada cultura, bem como educar os membros dessa cultura. Esse papel social tem sido postulado em estórias que incluem amor entre pessoas do mesmo sexo, cujos objetivos eram educar os indivíduos quanto à atitude correta a adotar para a atividade sexual de pessoas do mesmo sexo e construções de gênero. 

Desde o início da história escrita, centenas de culturas, mitos, folclores e textos sagrados têm incorporado temas homoeróticos e de identidade de gênero. Assim, desde esses tempos mais remotos, muitos mitos narravam estórias envolvendo homossexualidade, bissexualidade ou transgênero como símbolo de experiências míticas e/ou sagradas. Hoje em dia, o homoerotismo e a variância de gênero nesses mitos antigos têm sido analisados e estudados através das concepções LGBT modernas acerca de identidades e comportamentos, e muitas vezes criam-se termos novos para classificá-los. Por exemplo, divindades que se disfarçam do sexo oposto, ou adotam comportamentos tradicionais, ou certas figuras do sexo oposto podem ser chamadas de transexuais em outras culturas. Seres mitológicas sem órgãos reprodutivos ou com ambos os órgãos masculinos e femininos em suas estruturas, são chamados de andróginos ou intersexuais. Alguns mitos individuais têm sido denominados queer numa tentativa dos críticos rejeitarem a "heteronormatividade" ou o gênero binário em seus estudos. As interpretações queer podem ser baseadas apenas em evidências indiretas, tais como amizades do mesmo sexo invulgarmente estreitas ou a dedicação à castidade. Estas têm sido criticadas por ignorar o contexto cultural ou pela aplicação equivocada de preconceitos modernos ou ocidentais, assumindo, por exemplo, que o celibato significa apenas evitar a penetração ou o sexo reprodutivo (permitindo assim o sexo homoerótico), enquanto ignora a opinião generalizada acerca da potência espiritual contida no sêmen que abrange uma vacância de todos os sexos. 

Os acadêmicos reconhecem a presença de temas LGBT nas mitologias ocidentais e elas são objetos de intensos estudos. Geralmente as narrativas mitológicas consideram a homossexualidade, a bissexualidade e o transgênero como um símbolo de experiências sagradas ou míticas. Também é comum, principalmente nas mitologias pagãs e politeístas, encontrarmos seres que mudam de gênero, ou que possuem aspectos de ambos os sexos ao mesmo tempo. Não deixa de ser comum também, em tais panteões, a atividade sexual com ambos os sexos, e hoje em dia eles são comparados à bissexualidade ou pansexualidade. Os mitos da criação, ou gênese, de muitas tradições, envolvem motivo sexual, bissexual ou andrógino, com o mundo a ser criado por seres assexuados ou hermafroditas, ou através da relação sexual entre seres do sexo oposto ou do mesmo sexo. [Wikipédia] 

O Paganismo Moderno possui toda uma vertente direcionada ao público GLBT, uma tendência que pode ser encontrada em outras religiões [Budismo, Hinduísmo, Islamismo, Judaísmo e Cristianismo], como parte da Espiritualidade Queer. 

A questão da inclusão de grupos sociais, na sociedade em geral, na política e na religião, surgiu juntamente com a luta pelos Direitos Civis, a Contracultura e a Revolução Sexual. O Paganismo Moderno adquiriu maior evidência e expansão nessa época ao adotar essa visão mais inclusiva. Muitos indivíduos procuraram e acharam nas religiões alternativas uma proposta diferente das religiões main-stream, cuja doutrina oficial possui muito preconceito, discriminação e intolerância, especialmente no tocante às identidades de gênero e opções sexuais. 

O Paganismo é um conjunto de religiões, com princípios e doutrinas, religiões autônomas entre si. Pode-se dizer que é o único conjunto de religiões que aceita a diversidade sexual. Em outras formas de Paganismo e Bruxaria modernos, existem cerimônias homossexuais cuja intenção é o de alcançar o caráter extático e produzir vínculos, mas mesmo nesses casos há um contexto sagrado. 

O pagão moderno, hetero ou homo, deve compreender os mitos como revelações de realidades eternas; deve celebrar os cultos e rituais dentro de seu contexto sagrado e místico; deve servir aos Deuses, honrar seus ancestrais e celebrar a vida. Quando o pagão moderno estuda sobre os povos antigos, seus mitos, seus ritos e sua visão do divino, ele deve perceber qual era a função, a razão e o propósito dos Deuses andróginos, bem como de Seus ritos e cultos.

domingo, 26 de julho de 2015

Somos todos intersexuais II

Cada vez mais países outorgam leis que reconhecem a união homossexual. A ICAR proclamou que esta era “uma derrota da humanidade”. Cada vez mais empresas incluem o relacionamento homossexual em suas propagandas. Pastores fundamentalistas cristãos proclamam um boicote a estas empresas.
Organizações religiosas tem tal posição por que seu poder e influência dependem de impor uma biopolítica, caracterizada por um discurso em torno de uma ideologia de gênero baseado em doutrinas e dogmas, como eu escrevi no texto “A Guerra Pela Ideologia de Gênero”. Apenas recentemente o Cristianismo tem demonstrado outra tendência, mais inclusiva, com menos estresse com a interpretação literal do texto sagrado. Eu tenho certas reservas com esse Cristianismo Progressista, pois existe um limite até onde se pode dobrar uma religião.
Causou grande comoção quando os Anglicanos [um tipo de Cristianismo] afirmaram que Deus é Mãe. Católicos, por seu lado, afirmaram que Deus é Pai, tendo por base trechos do texto sagrado. Cristãos Progressistas afirmam que Deus é Transgênero, uma vez que é transcendente, não pertencendo a algum gênero carnal. Ainda que tente parecer menos sexista, o cristão progressista percebe a questão de gênero como algo carnal, impuro, pecaminoso, profano.
Para o Paganismo Moderno, o mundo material, o corpo, o desejo, o prazer, são igualmente manifestações do divino. No Patheos, em contraste com o artigo católico, diversos textos pagãos entraram no mérito. Pagãos, evidentemente, lembraram que este é um caso de interpretação do texto sagrado e existem outros trechos nos quais é possível afirmar que Deus é Mãe. Diga-se de passagem que Deus, assim como Cristo e Buda, é um  título que não se referem a um gênero, mas por que existe tal estresse quando ao gênero do divino até entre pagãos? Se “Deus” é um título, não existiria “Deusa”. Quando um pagão afirma que Deus é um título desvinculado de gênero, aparentemente concorda com o discurso do cristão onde o divino é transcendente. Para o Paganismo Moderno o divino é transcendente e imanente.
Nossa visão do divino é muito mais ampla, diversa e complexa e nossa base vem dos mitos antigos. Existem diversos mitos e lendas contando a ideia do shapeshifting onde, diversos Deuses, heróis e pessoas, transformaram-se ou foram transformados em outras criaturas. Existem diversos mitos e lendas com Deuses e heróis que se travestiram, quando não trocaram de gênero completamente. Eu também devo lembrar que existem diversos mitos e lendas que falam do hermafrodita, do andrógino, do primeiro ser humano ou até mesmo do divino primordial. Em outro texto eu me referi ao conceito do Monismo e da Fonte, que é praticamente o Indistinto dando origem ao Deus e à Deusa.
A questão do gênero do divino é crucial ao Paganismo Moderno, afinal, sem o Hiero Gamos o cosmo não existiria. A relação do hermafrodita, do andrógino, nos mitos antigos, foi analisada no texto “Interpretando os mitos andróginos”. A questão do gênero, da identidade/preferência sexual está presente no Paganismo Moderno e nós ainda temos muitos desafios a superar, haja vista a polêmica de Z Budapest no Pantheacon. Para alguns pagãos, agendas e interesses políticos devem estar presentes na religião, questões pessoais acabam tornando-se mais importantes do que a crença, gerando o discurso de vítima e falácias do espantalho contra os críticos dessa espiritualidade individualista/egoísta. Em nome de uma suposta tolerância e inclusão, muitos pagãos se recusam a dialogar, propiciando uma forma de censura e, em alguns casos, impondo outra forma de preconceito e intolerância.
No Paganismo Moderno, o mundano é visto como reflexo do divino. Relações homossexuais ocorrem na natureza, portando o divino é homossexual. Existem espécies que se reproduzem assexuadamente, outras são hermafroditas e outras tantas mudam de gênero, portanto o divino é polissexual.
Falando em humanidade, todos nós somos filhos e filhas, tanto de Deus quanto da Deusa, tanto do Pai quanto da Mãe, todos nós carregamos em nós ambos os genes, o que nos tornaria todos bissexuais. Em termos genéticos, carregamos o gene X ou Y, mas isto define nossos órgãos sexuais, não nosso gênero, nem nossa identidade/preferência sexual. Em termos clínicos, não existe um padrão de masculinidade, nem um padrão de feminilidade, Beatriz Preciado registrou casos que demonstram que nós somos todos intersexuais.
Faz parte do discurso da biopolítica essa dicotomia estrita, bem como a imposição da heteronormatividade, do sexismo, da misoginia, do machismo e do patriarcado. Quanto mais o ser humano se conhece, mais essas falsas noções vão caindo, mais se percebe que o gênero é resultado de uma construção cultural e social. Estruturas obsoletas e arcaicas reagem com fúria, por que sabem que irão perder todo seu poder e influência, daí as críticas de Católicos e Evangélicos contra a homossexualidade.
A humanidade está evoluindo e em breve irá abandonar essas organizações religiosas que propagam estes discursos de preconceito, intolerância e homofobia. As religiões de massas vão se adaptando para não perder clientela e vão se fragmentar em pequenos grupos, como eram em sua origem. De qualquer forma, acabará a excessiva centralização que tipifica as religiões de massa, bem como sua influência e poder social. Acrescente-se as espiritualidades, crenças e religiões alternativas e o resultado será eventualmente em uma Sociedade Contrassexual ou uma Onigamia. Em qualquer dos casos, o Paganismo Moderno tem um futuro brilhante.

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Considerações sobre a religião na Grécia Antiga

O sagrado permeava a vida cotidiana dos gregos tanto nos espaços e assuntos públicos quanto nos privados. Tanto Deuses quanto homens nasceram no mundo e dele fazem parte, havendo algo de divino no mundo e algo de mundano nas divindades. Os domínios do natural e sobrenatural não são dicotômicos, mas intrinsecamente conectados, não havendo separações claras entre o que é religioso, social, doméstico ou cívico. A experiência helênica do sagrado pode ter como gênese a sensação da presença do sobrenatural em alguns locais, tais como cavernas e florestas e que com o decorrer dos anos essa experiência tomou duas direções: territorial, que irá gerar os santuários e outra que se une à natureza e à rodem da vida social. Em ambas as acepções a experiência do sagrado é a de um poder ou sistema de poderes que interferem nos processos da natureza e da vida de forma benéfica ou perturbadora. Os helenos buscavam em suas atitudes para com o domínio do sobrenatural propiciar a face benévola, especialmente através das oferendas votivas.
A religião e os mitos gregos permaneceram na consciência cultural ocidental por uma tripla tradição: sua presença na literatura antiga, a polemica com os pais da Igreja e sua proximidade com a filosofia Neoplatônica. Apesar das relações dos deuses apresentadas na poesia épica, a religião cívica era fundamento da ordem moral da pólis.
A religião grega era uma religião da tradição> segui-la faz parte do “ser grego”, eis porque é chamada de religião cívica. As narrativas mitológicas, aprendidas ainda na infância, contribuem para a forma como os helenos concebiam o divino. Em seu entendimento, na religião grega não se participava dos cultos por motivos puramente pessoais, mas se exercia nesses o papel que lhe fora atribuído pela polis, consagrando a ordem coletiva e os segmentos que a construíam. Ao contrario das religiões reveladas, não se estabelecia com as divindades helênicas uma relação pessoal, pois, como potencias, seu culto se dá por estarem num estatuto superior ao dos humanos. Como potencias, representam a plenitude dos valores que eram importantes para a sociedade grega.
Por ser religião cívica, sacerdotes e magistrados continham em si tanto aspectos sagrados  quanto de autoridade pública. O poder religioso era exercido por aqueles que detinham o direito secular: os chefes de família e os magistrados. Cabiam às Assembleias e Conselhos das póleis definir o calendário religioso, os sacrifícios a serem feitos a cada Deus, a organização das festas e a administração dos santuários.
As cidades são construções humanas e devido às suas características e especificidades os Deuses entram em conflito para que sejam por elas honrados acima de tudo e todos os outros. Os Deuses precisam oferecer aos habitantes delas algo em troca, que os façam merecer o culto políade. Acreditar na existência dos Deuses era reconhecer a presença dos mesmos na pólis, sua relevância para a existência humana em comunidade politica. E isso englobava o conjunto das obrigações que eram devidas às divindades. Crer nos Deuses também significava estabelecer relações amigáveis com eles, ter uma prática “política”, ou seja, incluir-se na comunidade. Ser cidadão implica tanto na participação nos festivais e nos templos quanto nos Tribunais e Assembleias. Se acreditar nos Deuses faz parte da cidadania helênica, o seu contrário significa excluir-se da comunidade. A impiedade é vista como um delito público, não honrar os Deuses políade é prejudicial à própria pessoa. Não prestar culto a um Deus seria equivalente a rejeitar uma área da experiência humana.
Contudo, essa dimensão social não negaria uma dimensão pessoal da experiência religiosa. As relações entre o individuo e os Deuses têm paralelo com os laços que o primeiro tece dentro da comunidade a qual pertence, a esfera emocional é parte integrante desse processo. A frequência em um santuário não ocorria apenas para cumprir com uma obrigação perante a cidade, mas sim porque a relação com seres supremos pode trazer conforto e satisfação ao indivíduo.
Homero e Hesíodo tiveram papel crucial na elaboração e difusão de noções comuns sobre a religiosidade e a cultura grega, mas a individualidade de cada pólis não nos permite ter a noção de uma versão religiosa preponderante e sim de um conjunto de variantes locais em pé de igualdade umas com as outras e também com as versões contidas na poesia oral.
A religião não era completamente absorvida pela pólis, sendo algo maior que ela, a transcende. O modelo seria de pouco auxilio para a compreensão das intenções, motivações e as dinâmicas das consultas oraculares feitas por particulares. O calendário religioso estaria vinculado não às instituições da pólis, mas ao ciclo agrícola.
A religião grega era uma rede de sistemas interagindo uns com os outros e com a dimensão religiosa pan-helênica. Esta está articulada na e através da poesia pan-helênica e dos santuários pan-helênicos; foi criada de uma maneira dispersa e variada, de elementos selecionados de certos sistemas locais e na fronteira entre os sistemas religiosos das póleis, que ela também ajudou a modelar.
A pólis era a estrutura fundamental na qual a religião grega operava. Toda cidade helênica era um sistema religioso em si mesmo, interagindo com os sistemas religiosos de outras póleis e com uma dimensão pan-helênica. Como uma pessoa nascia em uma pólis, só poderia pertencer à estrutura religiosa dela, de forma que estrangeiros necessitavam da mediação de um cidadão para participar de certos rituais.
A pólis era mediadora e legitimadora de todas as práticas religiosas. Os cultos eram controlados pela cidade-estado que, no Período Clássico, figurava como a máxima autoridade em assuntos religiosos. Mesmo o culto doméstico era influenciado pela pólis, uma vez que era essa que estabelecia quais Deuses deviam figurar na religião domiciliar.
Unidade entre corpo religioso e o corpo cívico: temos aqui a noção de religião incorporada, ou seja, a prática religiosa era parte crucial na rede de relacionamentos do interior da pólis. O culto em comum era a maneira estabelecida de expressar a comunalidade no mundo grego, de dar aos grupos sociais coesão e identidade. Seria, portanto, percebido com inevitável que realidades particulares de póleis particulares estivessem refletidas na articulação de seus cultos. Não se tratava de um Estado manipulando a religião: a unidade que era tanto corpo religioso, carregando a autoridade religiosa, quanto o corpo social, atuando através de suas instituições políticas, empregou o culto a fim de se articular no que era visto como a forma natural.
A cidade articulava a religião e o discurso religioso, por sua vez, se tornava sua ideologia central. Ela era o elemento que estruturava e conferia sentido a todos os elementos que compunham a identidade políade. Cabe destacar uma das funções dos rituais religiosos gregos: estabelecer a solidariedade entre os membros de um segmento social, marcando a identidade perante os demais grupos. As relações e laços sociais e políticos eram definidos pelo culto.
Desconhecimento do divino: os helenos tinham a percepção que o conhecimento humano sobre o divino e seus assuntos era limitado. A compreensão da falibilidade humana seria o motor do agenciamento religioso. Os gregos sabiam que sua religião era uma construção humana, aberta a mudanças diante das mais variadas situações. No afã de atingir uma relação melhor com o divino, rituais e mitos poderiam ser resignificados e outros Deuses adorados. Os tempos de crise se mostram particularmente reveladores dessa característica, gerando pressões para a inovação, inserindo novos cultos na realidade políade, que viveria tensões entre conservantismo e inovação.
O indivíduo como unidade de culto principal: o centro de articulação da religião grega era seus rituais, não uma experiência espiritual. Apesar das atividades cultuais ocorrerem em conjunto, a família não pode ser a unidade ideológica básica da religião grega. O indivíduo era o elemento operando na conjuntura geral da veneração pública e privada dos Deuses.
As pessoas participavam como indivíduos em cultos centrais para a cidade e eram organizadas em uma variedade de forma que sinalizavam uma gama de elementos identitários, os quais não dependiam uns dos outros em sua totalidade.
No que tange os cultos de Mistérios, esses abririam espaço para a escolha pessoal, pois sua adesão, ao contrário da religião políade, não era compulsória. O iniciado recebia um segredo divino, que promovia a sua aproximação ao outro mundo e revelava a continuidade entre a vida e a morte. Após as celebrações, eles retornavam às suas casas e vidas comuns, ainda comungando dos demais cultos de sua pólis. Seria após a morte que eles gozariam de uma existência diferenciada daqueles que não passaram pelos ritos dos Mistérios. O grande apelo dos Mistérios junto aos gregos e às demais sociedades pagãs é o oferecimento de uma intimidade com o divino que não era enfatizada pelos cultos oficiais.
Autora: Maria Figueiredo Virgulino.
Fonte: Fertilidade e Prosperidade na Ásty de Corinto, pg. 23 – 32.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

A Deusa Tríplice na Wicca

John Halstead divulgou no Patheos, na coluna de Paganismo, em sua página “The Allergic Pagan” [O Pagão Alérgico], vários textos abordando um tema que é bastante comum entre pagãos e bruxos modernos, que é o conceito da Deusa Tríplice.
John explica a origem do conceito da Deusa Tríplice, vinda de Robert Graves. Eu tive a felicidade de ler “A Deusa Branca” de Robert Graves e quando falamos em mitopoética e mitos antigos, as Deusas possuem aspectos tríplices, quíntuplos e nônuplos.
A confusão aumenta mais ao incluirmos os conceitos diânicos, com uma Deusa, que está mais para o Monismo que para uma inversão do Monoteísmo Abraãmico; Deusa que frequentemente é descrita como a Deusa de Mil Nomes, um reflexo da Teosofia de Dion Fortune. Curiosamente a base desse conceito é uma leitura superficial e tendenciosa da obra “O Asno de Ouro” de Apuleio, que por sinal endereça tal elogio para Isis e não para Diana.
Quando Gardner estruturou a religião Wicca, seu foco era uma Deusa cujo atributo está vinculado ao Amor, Morte e Renascimento, não com o conceito de Dama, Mãe e Anciã, como pagãos e bruxos modernos costumam falar da Deusa. Este é exatamente o conceito que tem origem em Robert Graves, muito embora sua obra “A Deusa Branca” não trate disto.
Na Era Contemporânea, o Paganismo Moderno tem demonstrado uma supremacia das Religiões da Deusa, do Sagrado Feminino e do Dianismo. Quando o Paganismo Moderno tornou-se conhecido do público, cresceu e apareceu junto com a Contracultura e se transformou em um fenômeno de consumo de massa pela influência da cultura americana. As vertentes do Dianismo e das Religiões da Deusa e do Sagrado Feminino surgiram nesse momento e tem crescido pelo seu apelo popular. Muitos vigaristas, farsantes e impostores fizeram fama e público ao divulgar conceitos e ideias debaixo do rótulo de Wicca, o consumismo tratou de corroborar estes absurdos. Os caros diletos e eventuais leitores sabem o quanto eu penei para tentar acabar com essa farsa.
Nenhum tipo de espiritualidade, crença ou religião deve servir para atender nossas vaidades. O que não faltam são opções no mercado sendo vendidas como se fossem produtos e o público consome com voracidade. O Paganismo Moderno sofre por permitir isso e pela completa falta de estudo por parte do curioso, simpatizante ou praticante. O Paganismo Moderno deve começar a estimular seu povo por mais seriedade. O pagão moderno deve estudar história, antropologia, etnografia, psicologia, mitologia e teologia.
Mesmo quando Robert Graves fala da Deusa Branca ou da Deusa Tríplice, quando lemos os mitos originais e os interpretamos dentro de um contexto, sempre há a presença de um Deus Consorte. Quando Robert Graves fala da Deusa Branca ele não se refere a uma etnia, mas à identidade da Deusa com a Morte. Que escândalo será quando eu falo que o Consorte da Deusa Branca é o Deus Negro, o Deus Touro. Sendo que eu também não me refiro a uma etnia, mas à identidade do Deus com o Campo.
Sem a presença do Deus, a Deusa não pode verter amor sobre o mundo. Sem a Deusa, o Deus não pode renascer. Sem a celebração do Hiero Gamos, cessa a existência, não existe o universo, não existe o mundo, não existe a humanidade. 

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Sabazius, Deus da Cevada e da Cerveja

Perséfone ou Koré era uma linda criança que gostava de brincar nos campos floridos. Quando ela cresceu tornou-se uma bela jovem muito cobiçada pelos deuses. Por onde passava Persefone atraia todos os olhares, porém sua mãe Deméter impedia que todos se aproximassem dela.
Certo dia ao passear pelos campos floridos Persefone desapareceu. Depois de muitos anos de busca, Deméter descobriu que Hades - o senhor das trevas - havia raptado sua filha. E assim foi feito um acordo: Perséfone passaria seis meses junto com seu marido nas Trevas e seis meses junto com sua mãe na Terra. Daí surgiu a divisão da estações do ano.
 
Sua beleza era admirada por todos os deuses, inclusive por Zeus - o deus todo poderoso do Olimpo. Isso despertou a ira de Afrodite, que sempre desejava ser a mais bela e admirada. Devido a essa rivalidade Afrodite plantou o amor no coração de Zeus, que se transformou numa serpente para seduzir Persefone quando ela viesse visitar sua mãe. Do encontro entre Perséfone e Zeus nasceu Sabazius, que foi viver com Zeus no Olimpo.
Zeus era casado com Hera, mas mantinha seus casos extraconjugais. Entre suas amantes estava Sêmele, a quem Zeus prometeu jamais negar-lhe algo. Para vingar-se da traição, a esposa de Zeus despertou em Sêmele a curiosidade de vê-lo em todo o seu esplendor. Ao satisfazê-la, Sêmele não suportou a visão de Zeus - deus dos raios e trovões - e foi fulminada pelo grande clarão do raio que a atingiu.
Sêmele estava grávida e, na tentativa de salvar a criança, Sabazius costurou o feto na coxa de Zeus. Ao final da gestação nasceu Dioniso, vivo e perfeito. Contudo Hera continuou a perseguir a estranha criança de chifres e ordenou aos Titãs que a matassem. Mais uma vez Sabazius ajudou Zeus a resgatar o coração da criança, que foi cozido junto com sementes de romã transformando numa poção mágica. Eles deram a poção a Perséfone, que engravidou e novamente Dioniso nasceu, sendo chamado "o que nasceu duas vezes".

Graças a Sabazius o pequeno Dioniso sobreviveu. Convocado por Zeus para viver na terra junto aos homens, Dioniso compartilhava com os mortais as alegrias e as tristezas. Atingido pela loucura, Dioniso perambulava pelo mundo junto aos sátiros selvagens, loucos e animais. Deu à humanidade o vinho e suas bençãos, concedendo o êxtase da embriaguez e a redenção espiritual a todos que decidissem abandonar suas riquezas e renunciar ao poder material. 
Sabazius também possuía seus atributos e era célebre por sua velocidade e poder de transformação. Considerado como uma divindade agrícola, tal como Dionísio ele também tinha chifres na testa.  Alguns chamavam Sabazius de deus-cabrito. Venerado durante a Sabátidas, consagravam-lhe o trigo e a cevada, de onde se fermentava uma bebida inebriante que era servida e apreciada pelos presentes. Essa bebida era a cerveja.
As Sabátidas eram festivais consagrados a Sabazius e também a Pã - deus dos bosques e a Príapo - deus da fertilidade, todos representados pela figura de faunos ou bodes. Durante a festa os convivas banqueteavam sentados no chão sobre peles de animais caprinos, com as quais também se cobriam encarnando seu comportamento e imitando seus berros.
Nesse culto agrário, uma virgem nua simbolizava a fertilidade. Em alusão à Demeter - a Mãe Terra, a virgem deitava-se sobre a mesa ritualística e recebia sobre o ventre as oferendas, geralmente o trigo e a cerveja. Ela própria após o banquete era oferecida à divindade caprina dona da festa, sempre encarnada por um sacerdote com máscara de chifres, vestido com pele de cabra, assim como os demais presentes.
Enlevados pela bebida, durante a festa eles misturavam-se e, não importando o sexo, fecundavam-se mutuamente. Ao final da festa, semelhantemente às Bacanais, invocava-se o raio numa alusão ao mito dionisíaco. Essa era uma forma de relembrar o raio de Zeus que fulminou Sêmele.

A desvirginada do altar arrancava com sua boca a cabeça de um sapo e a cuspia ao chão, em alusão às Mênades possessas que dilaceravam os animais conforme descreveu Eurípedes de modo perturbador nas Bacantes. Estes eram os originais pagãos, cujas festas celebravam no pago ou no próprio povoado, geralmente nos campos de suas comunidades.

Na antiga Roma, Dionísio era conhecido como Baco - o deus do vinho, tendo sido mais popular devido às grandes plantações de uvas e, consequentemente, pela produção do vinho. Além dos limites romanos viviam os bárbaros e pagãos, que cultivavam os cereais, a cevada e o trigo. Isso tornou os povos pagãos - celtas, bretões, gauleses e caledônios - , os povos bárbaros germanos - anglos, saxões, godos - e os povos da suméria, babilônia e Egito, adoradores de Sabazius e  grandes apreciadores  da cerveja.

domingo, 19 de julho de 2015

Vasculhando as origens do culto da Serpente

Na mitologia, a serpente simboliza fertilidade, procriação, sabedoria, morte e ressurreição. Nas escolas mais antigas do misticismo, o símbolo do mundo era a serpente. A luz que surgia era metaforicamente definida como a serpente chamada Kundalini, que permanece adormecida na base da espinha da pessoa. A divinação ou o despertar do divino e das habilidades de uma pessoa vinha com os rituais e os ensinamentos trazidos pelo povo da serpente. 

Para compreendê-los, devemos olhar para as serpentes originais. Na China, foi um casal, com cabeça humana e corpo ofídico, quem criou os humanos. Na Suméria, foi Nin-Khursag e seu esposo Enki quem tinham a incumbência de criar trabalhadores. Para os Hindus, foi Ananta, a serpente cósmica, quem nos criou. Então se no alvorecer da criação do homem, nós fomos criados por seres semelhantes a serpentes, então o povo do culto da Serpente devem ser seus descendentes diretos, por sangue ou espírito. 

Outra serpente foi o filho de Enki, Ningizzidda, conhecido pelos Sumérios, Egípcios e Tibetanos. Ele habitou em Magan, conhecido por nós como Egito, identificado como Thot, que formou uma escolar de mistérios para propagar as ideias de auto-empoderamento e iluminação, mantendo os feitos e filosofias de seu pai. 

Eventualmente os Annunaki perderam o controle da terra e de sua população. Aqueles que seguiram a ideologia da Serpente deveriam estar preocupados em manter a relevância enquanto encaravam mudanças constantes, novas religiões e potenciais ameaças à suas terras, que eram prósperas. Para se protegerem e encorajar as pessoas a seguirem seu sistema de crenças, eles enviaram emissários [os Iluminados] e encontramos lendas destes Iluminados ao redor do mundo. Diversas culturas ao redor do mundo adoraram a Serpente e divindades ofídicas que eram lindas mulheres associadas com árvores e lagos. 

Entretanto uma figura central não era suficiente para assegurar a posição dos cultos da Serpente, principalmente diante de novas religiões e reinos que estavam adquirindo poder político e militar. Casamentos politicamente vantajosos eram arranjados com as famílias em ascensão. Um príncipe ou princesa serpente casando com uma pessoa dessas famílias traria comercio, prosperidade, conhecimento em como fazer uma sociedade coesa e os segredos do culto, que seriam transmitidos aos seus descendentes. Foi graças a esta sabedoria que a nova família reinante ganhou poder sobre seu povo e lhes permitiram avocar por sua divindade. Ainda assim, muitos destes casamentos tiveram fins trágicos. 

Por que seus casamentos terminaram de forma tão trágica? Talvez por que a princesa serpente sentia falta de seu lar. Ela também se viu dependente da boa vontade de seu esposo para garantir que ela era aceita na sociedade e frequentemente enfrentava censura, suspeita e ciúme, por sua origem estrangeira. Incapaz de fazer amizade, ela permanecia no ostracismo e perdia a afeição de seu esposo, aqueles que queriam sua queda apareciam. Em muitos casos a princesa retornava para casa, deixando suas crianças. Em outros, ela ou seu marido morriam. Ainda assim ela era lembrada por seus descendentes, que nasceram com grande força e inteligência, possibilitando suas famílias aclamar que os Deuses lhes deram o direito divino de reinar. 

Autora: Katrina Sisowath

sexta-feira, 17 de julho de 2015

A Wilka como apropriação cultural

Aproveitando o texto de Maisha Johnson no Everyday Feminism eu irei expor como a Wilka [que é compreendido como o grupo da neo-wicca, pop-wicca, religiões da Deusa e Ecléticos] é uma apropriação cultural.
Apropriação cultural é quando alguém adota os aspectos de uma cultura que não é a sua própria. Considerando que uma religião é uma cultura, a Wicca possui princípios, valores e práticas que lhe são próprias. A Wilka não possui princípios, valores e práticas próprias, mas adota aspectos da Wicca e isto é apropriação cultural.
1. Ela banaliza a estupidez.
A Wilka não irá admitir que não é Wicca, por que existem muitas bobagens disseminadas na internet por celebridades pagãs e sacerdotes paraguaios.
2. Ela permite que as pessoas mostrem seu amor aos Deuses, mas mantém o preconceito contra a tradição.
Os tradicionalistas não são elitistas, mas os princípios, valores e práticas que a Wilka divulga acabam minando todo o sentido da tradição.
3. Ela faz a “bruxaria” parecer legal para o publico em geral – mas muito “pesada” quando feita por uma bruxa.
A sociedade ocidental é dominantemente cristã, mas a Wilka tem colorido e alvejado a Bruxaria com tons de esoterismo e misticismo genérico para torná-la mais aceitável ao público em geral.
4. Ela permite que vigaristas façam carreira como sacerdotes.
Insistindo na ideia do “faça você mesmo”, típicas de uma sociedade individualista, a Wilka agrega e acolhe qualquer um que se proclame como sacerdote.
5. Ela permite que apareça o culto à personalidade.
A falta de critérios dá espaço para sacerdotes paraguaios conquistem o público e ganhem influência. Sustentados por sua popularidade e sucesso comercial, os sacerdotes paraguaios constroem um culto à personalidade em torno deles.
6. Ela espalha estereótipos.
Para satisfazer sua necessidade de popularidade, reconhecimento e aceitação, a Wilka tem um comportamento que endossam o estereótipo de que a bruxa é uma pessoa que se veste como se estivesse em um cosplay.
7. Ela perpetua a histeria cristã.
A Wilka divulga eventos, encontros, rituais, receitas, práticas, sem qualquer critério e cuidado, para um público que pertence a uma cultura predominantemente cristã.
8. Ela insiste na ideia de que qualquer um pode ser o que quiser ser e que deve ser aceito e reconhecido tal como se apresenta.
Como não tem base, não tem mitos, não tem mistérios, não possui linhagem nem as práticas, a Wilka mantem o interesse e o apelo populista, exigindo ser aceita e reconhecida da mesma forma que aceita e reconhece qualquer um.
9. Ela prioriza as opiniões pessoais mais do que as práticas tradicionais.
Como qualquer um está autorizado ou capacitado para se apresentar como bruxo ou sacerdote, tanto faz qual a ideia, o conceito, o conteúdo, a origem ou o propósito do que se expõe. Debaixo do discurso pela diversidade se esconde a superficialidade e desrespeito que podem ser perigosos para quem tenta realizar tais práticas sem o adequado acompanhamento e treinamento.

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Quirino, o Deus do povo

Na mitologia romana, Quirino (o mortal Rômulo) era um misterioso Deus. Veja também Jano Quirino. De início ele foi provavelmente um Deus sabino. Os sabinos tinham uma povoação perto do futuro sítio de Roma, e eles chamaram um de seus sítios, em que eregiram um altar, a Collis Quirinalis ("monte Quirinal") após Quirino; aquela área foi mais tarde incluída nas sete colinas de Roma, e Quirino tornou-se um dos mais importantes Deuses do estado como a forma deificada de Rômulo, o fundador e primeiro rei de Roma. Seu nome deriva de co-viri ("homens juntos"); tão como, ele personificava a força militar e econômica do populus romano coletivamente. Ele também alertava a curia ("casa do senado") e comitia curiata ("assembléia tribal"), os nomes de quem são cognatos com ele próprio. A esposa de Quirino era Hora. Em arte, ele era representado como um homem com barba e com roupa religiosa e militar. Ele era às vezes associado com a murta-comum. Seu festival era a Quirinália, no dia 17 de Fevereiro. Quirino foi citado na Eneida, de Virgílio.

Se Quirino era de origem sabina teria que ser anterior a Rómulo e logo a lenda que faz de Quirino a deificação de Rómulo não estará senão a fazer, de forma mítica, justiça à história: Foi Rómulo que levou este Deus Sabino para Roma, possivelmente aquando do rapto das sabinas. Este episódio romântico da fundação de Roma fundamenta a tese antes exposta de que a trindade suprema do panteão capitolino reflecte a realidade sociológica de uma cidade que foi de início um quartel sem bordel.

Portanto, quando Enio exalta Rómulo como rei bom e benemérito por exelência estava já a acender a fogueira da exaltação política onde Georges Dumézil ser viria a queimar porque foram os próprios clássicos que quiseram enfatizar o papel de “povo eleito” dos romanos com a criação do mito fundador de Rómulo transformado num semi-deus da tríade do Quirinal ao faze-lo incorporar o Deus Quirino. E assim apareceu entretanto a tríade arcaica romana venerada no monte do Quirinal que poderia ter sido mais poderosa do que a capitolina e que seria composta por Júpiter, Juno e Quirino.

O que sabemos sobre o Deus Quirino é mais mito do que lenda que pouco ou nada tem de confirmação histórica. No entanto muitas especulações tem sido feitas, precisamente em torno da tríade do Quirinal suposta mais arcaica que a capitolina ou pelo menos mais original.

No seu opúsculo “Jupiter, Mars, Quirinus et Janus”, Georges Dumézil ataca a proposta, aliás interessante, do professor da Faculdade de Direito de Dijon com uma tareia teórica de tal modo severa que se fica com a sensação de que a história mítica é uma ciência mais exacta do que a matemática e a mitologia uma disciplina tão bem certificada como o catecismo católico.

Claro que Georges Dumézil parte do pressuposto que a língua sabina era muito diferente da latina mesmo no caso de coabitantes dos mesmo montes, que esta era Úmbria mais precisamente Osca e que nunca poderia ter tido um Deus chamado Quirino porque não tinham o grafema qu*. No entanto tinham, como os gregos, o K e vários U e então quem pode provar a Dumézil que a grafia autenticamente sabina de Quirino não seria *Kyrinus, á boa maneira helénica, aliás?
M. Paoli néglige enfin le fait, assuré par l'analyse de l'homologue ombrien Vofîonus qu'ont donnée MM. Pisani1 et Benveniste, que Quirinus porte un nom bien latin, issu de *couirinos, et que, dieu du *couiriom ou des *couiriai (curiae), il a une valeur non pas ethnique, mais sociale; -- Jupiter, Mars, Quirinus et Janus”, Georges Dumézil.

Obviamente que ao chegar a este ponto a argumentação a Georges Dumézil deixa de ser científica para ser tipicamente ideológica e politica. Na verdade, a teoria da trifuncionalidade indo-europeia é uma ideologia fascista encapotada de cientificidade e de tipo racista que tem contra ela o argumento básico de que se fosse um facto sociológico arcaico estrutural estaria patente em toda a história europeia antiga e não apenas na medieval e não teria sido preciso a perspicácia delirante de Dumézil para descobrir que a estruturação mitológica das trindades arcaicas procuravam difundir na sociedade a organização social ideal dos povos indo-europeus quando a mais bem organizada das sociedades antigas, a egípcia, era piramidal e usava as tríades divinas apenas para demonstrar que esta se baseava na evidência socialmente empírica de que a unidade social fundamental é a célula familiar composta por pai, mãe e filhos. Por outro lado as tríades arcaicas pré patriarcais, suspeitas na Tridivas arcaicas das culturas de origem egeia e cretense, eram baseadas nas três idades da vida da mulher: Mãe > avó, mãe > filha e filha > neta.

E quando se pretende demonstrar o indemonstrável duma tese cujo suporte fundamental é ideológico pode chegar-se ao extremo da falta de rigor afirmando:
Quando se conhece o panteão, ou o essencial do panteão, de outras cidades itálicas, verifica-se que ele se adapta sem esforço ao quadro trifuncional. Em Iguvium, antiga cidade religiosa dos ûmbrios, na Itália central, textos (as Tábuas Eugubinas) deram a conhecer o grande ritual durante o qual são adorados três Deuses, denominados colectivamente Grabovii, e os seus comparsas respectivos: um é Júpiter, o segundo é Marte, o terceiro chama-se Vofionus, do qual se deriva o nome, em virtude de uma análise fonética rigorosa, conforme ás leis do úmbrio, de um *leudhyon-, do radical do alemão Leute, «as gentes», próximo sem duvida pelo sentido do latim (aparentado também) liberi, «os homens livres» (P. Kretschmer). é o equivalente de Quirinus.

Se for possível navegar nos mares prosaicos da fonética de Vofionus a *leudhyon- sem nos afundarmos em passagens estreitas intermédias, que o autor nem sequer se atreve a enumerar, é porque a fonética não é de facto uma ciência radical com vagas muito grandes, pois qualquer um ali pode surfar à vontade, e tão aleatória que chega a bastar a intuição para encontrar analogias étmicas inaudíveis como é o caso de *leudhyon-.

Pelo contrário, o mais plausível é até que o nome da tribo dos Grabovii seja uma evolução de *Karbowis, literalmente os bois ou os boieiros de *Kar (tal como os Deuses sumérios eram representados como touros). Por isso é que o seu Deus tutelar seria Vofionus, “literalmente o senhor boi”. A troca dos bês pelo vês terá sido uma pecha linguística arcaica cretenses que teria sido partilhada tanto pelos falares nortenhos lusitanos particularmente minhotos como por alguns dilectos itálicos.

A afirmação é mais dogmática e inexplicável do que a teoria da consubstancialidade da Santíssima Trindade que incendiou o mundo quando Ário colocou um i em homoousios transformando a igualdade divina em mera semelhança.

Se a impiedade já era apanágio dos cépticos racionalistas clássicos ainda mais o tem sido com os positivistas e ateus modernos.
Ao procurar saber alguma coisa mais sobre Vofîonus ficamos impressionados com o poder profético da hermenêutica do trifuncionalismo porque a pobreza informativa sobre os Deuses Grabovii é tanta que os torna quase inefáveis.

Entretanto vão aparecendo outras entidades divinas: Trebo Giovio, Fiso Sancio; Fisovio Sancio (Fisovius = Fiducius), Tefro Giovio, Torsa Giovia, Hondos Giovios, Marte Horse, Hondos Çerfios, Çerfos Martios, Prestata Çerfia, Tursa Çerfia, Marte Hodie, Giove Pater, Puemonos Popricos > Vesuna.
Trebo / Tefro Giovio indicia um Deus que na Lusitânia foi Trebapolo e que estaria relacionado com os trovões.
A suspeita com que se fica é a de que, de acordo com a tradição da Úmbria, o nome de Jove seria um mero epíteto dos Deuses das tempestades que na tradição anatólia tinham o nome da cidade que os adorava.
Obviamente que o senso comum parece identificar Pomona com os pomos e Epona com os póneis e do mesmo modo Bofiano com os «bofes» dos bois mas o mais sensato é pensar que aconteceu tudo ao contrário. De resto, por esta lógica os Grabovius seriam todos Deuses boieiros já que seriam seguramente taurinos com a única diferença de que os bois de Vofîonus eram brancos como os que pertenciam a Neptuno.

Assim sendo não sabemos de a divindade Úmbria seria Vofîonus, Wofine, Vofione ou Vufiune. Nem sequer sabemos se seria masculina ou feminina. De facto, tudo aponta para que se trate de uma Vaca Sagrada cujo nome mais arcaico seria *Kaukina, variante da suméria Damkina, esposa ou mãe de Enki, e que pode ter evoluído para Anat / Atena.
Em Coptos, no antigo Egipto, Ka-hedj (alma brilhante) era um touro branco dedicado ao Deus Min, que representava a energia cósmica, ou seja, sem qualquer relação com a 3ª função de Dumézil.
Bom, mas Dimezil entenderia que o Egipto, se bem que de cultura muito mais arcaica, ou por isso mesmo, não saberia diferenciar o clero da nobreza e esta do povo e, ainda que bem organizada e piramidal não era de cultura indo-europeia. Concedamos então que Vofionus / Bovião poderia ser Ka-hedj mas não era o touro branco de Min mas o boi Ápis que, apesar de negro tinha um triângulo branco na testa e que tinha um culto funerário osiríaco de grande popularidade nacional!

Tanto pela etimologia como pela semântica podemos fazer correlacionar Vofionus / Bovião tanto com o boi Ápis como com Anubis que era reconhecidamente Apolo Liceu o Deus que por ter um gado de nuvens, que Hermes roubou, era boieiro também, ainda que descuidado. Ao identificar Vofionus / Bovião com um Deus jovem e viril como Apolo ou Zeus Velchenos podemos estar no caminho certo confiando nos falares ibéricos a polícia é «bó-fia» quando incomoda a «má-fia» calão de que ninguém sabe a etimologia por não ser termo digno de erudição mas que por isso mesmo será primitivo, rústico e arcaico. Mesmo assim, sendo a «bófia» um conjunto de «bofes» e estes jovens másculos e adultos derivará a sua origem do arcaico culto esquecido a Vofionus / Bovião.

Seja como for, neste périplo especulativo pelas cercanias etimológicas de Vofîonus ainda não encontramos a sombra nem de Quirinus, nem de Janus, nem de nenhuma função de particular peculiaridade popular que se pudesse encaixar, nem que fora à podoada, no mito dumeziliano da trifuncionalidade que se de facto fosse essencial à estruturação do pensamento mitológico indo-europeu teria deixado marcas indeléveis nos panteões conhecidos e que os clássicos já teriam identificado há muito! Se mais nenhuma objecção houvesse contra a banalidade inútil das teorias de recorte fascista de Georges Dumézil bastaria referir que no único exemplo na mitologia clássica que poderia servir de prova se esvai depois duma análise crítica superficial.

Na falta de provas arqueológicas decisivas a análise da verdade sobre a realidade do Deus Quirino deve seguir as linhas das diversas propostas feitas até hoje de acordo com a lógica da razoabilidade.
Quirinus não é de facto um mero epíteto de Marte mas é duvidoso que seja menos belicoso do que este.
O facto de Quirinus ter desaparecido praticamente de cena e de não fazer parte do panteão clássico tem deixado desde a antiguidade a suspeita de que ele nunca terá sido um Deus autónomo mas um mero epíteto de um Deus guerreiro como Marte. No entanto, alguns historiadores gregos conseguiram identificar o latino Quirino com o grego Eniálio.

Quirino é de facto a sobrevivência do Deus *Kaurano postulado noutras reflexões sobre os antigos Deuses da caça e guerra dos povos neolíticos egeus e anatólios. Pode ter sido Crono, o arcaico Deus grego da segunda geração, que na Itália era Saturno e que terá feito parte da tríades capitolina em vez de Juno.

Marte Gradivus era o Deus das marchas guerreiras por ter sido o Deus solar *Kar de que derivou também Car-io-ceco ou Marte Carioceco que era o Deus lusitano da guerra. Tal como os Gra-bovios seriam os bois de *Kar como eram os bois do gado de Apolo.
Embora se suspeite com boas razões que Marte nunca tenha tido o epíteto de Silvano e por isso as inovações a estes Deuses revistam a forma de Marte Silvano por mera perda da > de separação a verdade é que o simples facto de a aceitação de um culto particular a Marte > Silvano ter tido livre curso significa que havia boas razões para acreditar no lado pacífico de Marte enquanto guardião da agricultura.
De resto, na Roma antiga, Belona era a Deusa da guerra herdada do tempo do matriarcado como Minerva e Marte era inicialmente um Deus agrícola ligado à fertilidade da terra. Pelo menos assim foi na sua origem etrusca.

Por outro lado, é duvidoso que Quirino, enquanto derivado do culto do Deus *Kaurano, não possa ter sido o Deus guerreiro dos sabinos.

Claro que temos pena de não ter tido acesso aos indícios de que Quirinos teria sido um antigo Deus do cereal dos latinos, como Dagon teria sido dos povos egeus, mas aceitemos que era assim no caso de todos os jovens Deuses activos do mundo arcaico: guerreiros por tradição paleolítica e agricultores incipientes por estarem a começar a revolução do neolítico. Quando Rebecca A. Allen afirma que “Quirino é simplesmente uma das muitas faces de Marte, cuja origem etrusca, como Romulus, foi ensombrada por influências estrangeiras e tão alterada que as suas intenções originais são quase imperceptíveis” lamentamos também que seja quase tudo evidente menos a possibilidade de Quirino ter sido uma entidade autónoma e neste caso de origem não etrusca mas possivelmente sabina ou de qualquer modo centro itálica de arcaica origem pelágica ou egeia.

Dionísio de Halicarnasso, escreve um dos vários mitos sobre Quirino. Durante um festival de Sabino ao Deus Quirino, uma rapariga de linhagem nobre dançou em honra do Deus. Ela foi inspirada pelo Deus e entrou no santuário de onde ela surgiu emprenhada por ele. Ela deu à luz um filho, Módio Fabidius que quando crescido se distinguiu por façanhas guerreiras. Ele decidiu fundar uma cidade e reuniu um grupo de companheiros. Depois de viajar uma certa distância, eles descansaram e neste lugar fundou uma cidade a que deu o nome Cures.

Dionísio de Halicarnasso, cotejando Varro, escreve que o nome de Quirino deriva de Cures, de cuja cidade ele é reivindicado ser o Deus. E prossegue dizendo que Cures deriva da palavra Sabina de farpa ou lança, curis o que implica, assim, uma associação com a Deus guerra Sabino. Tito Lívio, Plutarco e Ovídio também incluem esta associação etimológica com Cures.

Obviamente que os argumentos pelo absurdo não se fazem ao modo proposto porque de histórias absurdas está o inferno da política cheio! De resto, como não sabemos se Palmer fala de Quirino, se de quirites e como as cúrias foram criadas depois do rapto das sabinas no preciso número mítico destas fazia sentido no meio de tanta política diplomática realística e pacificadora que o membros das cúrias fossem nomeadas a contento das sabinas que falariam uma língua que não seria muito diversa da romana uma vez que eram tribos vizinhas pelo menos desde a queda de Tróia, ou seja há mais de 400 anos.

Mas na verdade, não faz muito sentido fazer derivar Quirino da cidade sabina de Cures, não tanto pelas razões apontadas por Palmer como indo contra o orgulho nacional emergente dos romanos, mas pela incoerência dos que o invocam a partir de um mito que torna tal pretensão impossível. Se a jovem sabina foi engravidada por Quirino de quem teve um filho que veio a fundar a cidade de Cures, Dionísio de Halicarnasso pensa mal quando postula que esta cidade veio a dar nome a Quirino, pai do fundador da cidade de Cures.

Estamos a falar de assuntos que começaram a ser registados por volta do 3º século antes de Cristo e que por isso não justificam tantas divergências fonéticas. A existência de Juno Curitis parece por água na fervura dos delírios etimológicos em volta do termo dos quirites.

Se a cidade de Faleri era o centro de um grande culto a Minerva que os romanos levaram para a sua cidade como Minerva (Capta) é possível que tivessem levado também aquela que era a patrona de todas as cúrias, Juno Curitis, o que deixa a suspeita de que a tríade que ali era adorada seria à maneira cretense exclusivamente feminina formada por Minerva, Juno > Curitis, sem qualquer espanto porque esta última é obviamente Perséfone / Corê que noutras circunstâncias pode mesmo passar por Atena Core. Juno Curi-tis tinha como parédro Jano Cúria-tius, literalmente o Deus das cúrias o que confirma que inicialmente este Deus estava casado com Juno...porque era a forma mais arcaica de Jove.
Do mesmo modo, Quirino seria a versão masculina de Curtis e por isso mesmo uma variante de Pluto, um “Deus menino” dos infernos do Kur sumério e Deus que está no fundo de toda esta etimologia desde *Kar, do lusitano Carioseco, de Curitis e de Quirino.
Um aspecto que importa relevar é que a etiologia italiana confirma a persistência de arcaicas tradições cretenses como sejam, neste caso, a de um “Deus menino” do amor do vinho e da guerra e que na qualidade de Zeus Velcheno seria simultaneamente Deus do céu, do mar e dos infernos subterrâneos antes de se diferenciar nos respectivos Deuses olímpicos. Obviamente que tanto Juno Curitis das cúrias romanas como Quirino Deus dos lanceiros sabinos, os quirites, permitem esclarecer a raiz da tradição cretense que evoluiu para os kouros gregos.

Na época lendária de Rómulo as cúrias eram dominadas pelos patrícios e por isso mantinham ainda a sua origem patriarcal anatólica. Do mesmo modo, na Grécia a Apa-turai revelava a festa da longa linha familiar do pai (apa) onde tur /kur expões a raiz cretense e taurina das cúrias bem como a relação do Deus Quirino com os infernos do *Kur, génese dos «curros» e «corrais» ibéricos.

Na verdade existe um grave equívoco na etimologia de Quirino baseada nas cúrias romanas. Se Quirino e quirites parecem derivar da mesma raiz quir- já «cúria» está longe de parecer ter a mesma raiz.
Não estamos seguros que a palavra «curia» se teria formado por mera sufixação como a romana cen-túria e a grega apa-túria porque de facto não teria tido na origem o significado de divisão administrativa como a centúria nem de festival como a apa-túria e estaríamos assim perante falsos cognatos.
O facto de os gregos conservarem um termo de formação igual deixa a suspeita de se tratar de um termo arcaico quiçá de origem micénica relacionado com o início da estrutura patriarcal da civilização mediterrânica depois da queda da talassocracia cretense.

No entanto, também não sabemos a etimologia exacta dos termos comparados. É certo que os romanos terão adquirido o termo «cúria» dos vizinhos tendo-o apropriado como se intuitivamente tivesse a semântica de uma reunião de dez famílias patrícias. No entanto se tivesse tido de facto esta origem etimológica por formação neologista seria uma *decaturia e nunca uma «cúria». Isso, no entanto não obsta que a analogia com a centúria não estivesse subjacente aos espíritos dos falantes como se de uma *decaturia. Na verdade, em todas as línguas muitas palavras novas são assim assimiladas e velhas palavras são de novo alteradas para ressoarem ao que melhor parecem ser sendo possivelmente esta uma das principais razões para certas etimologias arrevesadas ou de origem obscura.

Tudo aponta, sobretudo a realidade actual remanescente, que as cúrias se reportassem não aos seus membros, hoje cardeais, mas o local dos curros taurinos onde se realizavam as suas reuniões.
Corte no contexto das monarquias é o nome que se dá ao lugar onde o rei reside, seja permanentemente ou de passagem, assim como às pessoas da casa real e às que as acompanham. O nome parece derivar do latim cohors, que significa ajuntamento de gente em acto de guerra, debaixo do governo de uma pessoa.
É um facto que o conceito da corte portugueses resulta de uma semântica militar própria de uma colónia ocupada primeiro pelas legiões romanas e depois pelos visigóticos. Dito de outro modo, a fonética do termo é de origem militar mas a semântica evoluiu por ressonância com a cúria régia derivada da cúria católica e esta da romana.
Será então que os quirites pré-existiram às cúrias e ambos estes termos podem, por isso, ter uma origem etimológica diferente?

A constatação de que as cúrias eram patrícias e possivelmente de origem arcaica, ou pelo menos micénia, exclui a possibilidade, aliás lendária, de que estas tenham sido criadas por Rómulo.
Como se viu o termo «cúria» é o único que foge à relação etimológica que é inegável entre Quinino e quirites. Por isso não é possível seguir Robert E.A. Palmer na sua consideração de que o hipotético *co-viria está relacionado com os quirites. Isso não significa necessariamente que a instituição dos quirites romanos sejam um instituto arcaico e autóctone de Roma. Pelo contrário, nada desaprova o que dizem os autores antigos romanos de que os quirites derivavam da cidade de sabina de Cures onde afinal mais não seriam do que boieiros ou forcados de origem sabina e adoradores de Juno Quirites e de Jano Quirino caracterizados por serem portadores de forquilhas e varas de ferrão ou «aguilhadas» de picar os bois chamadas curis por eles.

A «aguilhada», pela sua estrutura tem aspecto de ter evoluído tanto para a lança como para o pilo, arma de mão branca que fez a fama e a fortuna das milícias romanas.
A relação desta arma, curis dos quirites, como os curetes ou couretas de En-kur / Enki e deste com Jano Quirino são incontornáveis.

No entanto, é pouco credível que os quirites fossem apenas curenses.

A única maneira de salvar alguma historicidade da lenda da instituição das cúrias por Rómulo seria a de que terá sido este ou por essa altura que os direitos de cidadania romana, até então exclusivos dos patrícios curiais, começaram a ser dados ao quirites. No entanto este alargamento dos direitos dos patrícios não terá ocorrido sem resistência e Rómulo terá acabado por pagar um elevado preço com a sua morte estranha, suspeita e macabra. A reacção ideológica dos beneficiários da filantropia de Rómulo, que eram sabinos, foi a incorporação da alma deste herói lendário do rapto das sabinas no Deus sabino dos boieiros e guerreiros que era Quirino.

Sendo assim, o mais plausível é que o lendário Rómulo alargou o número de cúrias aos sabinos integrados na urbs romana adoptando, por respeito à tradição das sabinas raptadas, o costume de consagrar todas as cúrias a Juno Quirites aparecendo assim o jus quiritis que, contrariamente aos pressupostos de Dumezil, sempre foi aristocrático e não popular. O mito de um Rómulo benfeitor começado por Enio já na era republicana terá sido refundado precisamente para justificar a bondade da república romana que as constantes guerras civis parecia não confirmar.

De facto, a inscrição úmbria covehriu- de Veletri, foi sempre considerada de difícil tradução.
Em princípio, o rigor das leis fonéticas tem pouca utilidade na análise linguística de falas desconhecidas, de línguas mortas ou muito antigas, mas obviamente que no caso de línguas recentes e bem conhecidas a fonética é quase tudo no estudo da sua evolução linguística.

Quando Bernard Sergent trata da génese e da expansão da cultura indo-europeia, abordando a organização socioeconómica, as instituições, e analisando em pormenor as suas raízes linguísticas e estabelece no livro “as Primeiras Civilizações (Volume III - Os Indo-Europeus e os Semitas de Pierre Lévêque) que Quirinus provem de *co-vir-inos está possivelmente a forçar a etimologia para provar a sua tese de ser este o Deus da terceira função, e por isso um Deus de paz ou, no mínimo, um Deus guerreiro de tempo de paz e armistício.

No entanto a equação *Co-vir-inos = co + vir-inos é redundante e desnecessária e tem o inconveniente de ser uma forma composta que teria que ser recente, obedecer à derivação linguística latina bem conhecida para ter a antiguidade adequada para fazer parte do mito fundador de Roma muito posterior à idade heróica dos Deuses homéricos.

Esta tese só tem a seu favor o facto de ser politicamente correcta o que incorre na falácia histórica das “causas actuais”. É duvidoso que este princípio se possa aplicar sem as devidas adaptações a pessoas e comunidades de épocas passadas cujos preconceitos e modos de ver e sentir o mundo e as coisas eram completamente diferentes dos modernos. Os princípios da fraternidade republicana actual devem ser encarados com prudência ao analisar a república romana que nos tempos lendários de Rómulo ainda não existiam porque as cúrias eram formadas apenas por patrícios e por isso mais patriarcais que fraternais.

Outros tentaram ir mais longe no conceito de irmandade de cama e mesa grato aos anarquistas pós modernos refundando a gaicidade muito para além de Gaia e indo bem mais longe do que a fundação da homofóbica Republica Roma. De facto, a relação atribuída a E. Littré de que “o termo co-viri significaria literalmente um homem vivendo com outro” é possivelmente um abuso interpretativo ao gosto homo-erótico moderno. Por estes pareceres tomados nos seus termos mais plausíveis, os quirites seriam boieiros e compadres que andavam e viviam juntos como em certas castas guerreiras orientais aristocráticas que praticavam a pederastia iniciática e a fidelidade a cultos arcaicos à Deusa mãe. Os grupos iniciáticos que sobreviveram até mais tarde proclamavam-se descendentes de cabiros, curetes e coribantes. Assim sendo, é muito possível que os romanos primitivos fossem um quartel etrusco sem mulheres que para sobreviverem tiveram que raptar sabinas chefiadas por curiões. Nesta mesma linha desta tradição xamânica apareceram mais recentemente os «curas» das aldeias católicas.
Estes cabiros que viriam a ter em latim o nome de curios ou curiões seriam primitivamente curetes e é então que as dívidas ou esclarecimentos por causas segundas aparecem. Os equivalentes aos pupilos dos curiões latinos seriam entre os sabinos os quirites que segundo alguns autores derivavam de co-viri ("homens juntos") personificando a força militar do populus romanus. A sua messe de oficiais teria sido a curia (depois "casa do senado") onde se teria reunido a comitia curiata litralmente a *curetada ou "assembléia tribal" dos curetas.

Sendo assim, é Quirites (cidadãos) que vem de Quirinus e não a inversa porque, neste caso, como nos demais, a regra é sempre a mesma: são os Deuses que dão o nome às coisas que com elas se relacionam e só excepcionalmente acontecerá o inverso, e, neste caso apenas quando as coisas se transformam em atributos divinos!

Quirites também só pode ser o equivalente fonético do helénico koureta, que todos os cidadãos romanos seriam enquanto recrutas ou reserva disponível em tempo de paz, mas mobilizados em tempo de guerra nos exércitos solares de Kar.

De facto, todos os autores apontam Quirino como sendo um Deus da guerra e de origem recente em relação à fundação de Roma para a qual apela o mito.
Para Thomas Bulfinch, Quirinus “was a war god, said to be no other than Romulus, the founder of Rome, exalted after his death to a place among the gods.” Outros apontam-no como uma importação relacionada também com as vicissitudes da fundação de Roma.
Se Quirino seria o Deus dos curiões significando inicialmente senhor ou Deus kouro quiri-tes significaria o mesmo mas talvez no plural ou seja literalmente kouroi.

Na mitologia romana, Quirino era um misterioso Deus provavelmente de origem sabina que enquanto Janus Quirinus era também um epíteto de Jano com funções de Deus supremo das tempestades e da guerra. Os sabinos tinham um templo que lhe era dedicado no "monte Quirinal", que foi mais tarde incluído nas sete colinas de Roma. Por vicissitudes políticas de história de Roma Quirino tornou-se um dos mais importantes Deuses do estado como forma deificada de Rômulo, o fundador e primeiro rei de Roma. E é então que a retórica mítica e a pseudo etimologia se misturam. Se Quirinus era o Deus da guerra das sabinas raptadas passou a ser o Deus da paz dos futuros quirites filhos dessas mães sabinas pois que para Deus da guerra Rómulo, e a cidade de Roma, tinham já o seu Marte e depois...um Deus de mulheres, para mais de origem estrangeira e rival não poderia fazer grandes guerras!

A casta sacerdotal dos Salii Collini estava associada com Quirino enquanto os Salii Palatini eram dedicados a Marte Grã-divus, supostamente o que marcha para a guerra mas que teria uma origem menos retórica.
Os quirites ó kauretas (=> mancebos «recrutas») têm o mesmo significado funcional derivado do Cures latinos ou do Kauros Grego.

Relacionando exacta etimologia com o nome de uma outra epopeia relativa à guerra de Troia, a Kafiria, podemos ficar com a quase certeza de que este termo significou armada, nome seguramente herdado da época da talassocracia cretense na qual todos os guerreiros eram marinheiros, como mais tarde no caso dos vikings. Interessante é verificar que o nome do cabrito, animal do capricórnico Enki, o Deus dos marinheiros sumérios, prece ter etimologia por esta origem.
A mitologia releva dum esforço intelectual colectivo para por ordem no mundo das representações sociais pelo que dificilmente saberemos o que seria uma religião primitiva sem artifícios culturais! Quer isto dizer que Quirinus pode ter outra explicação nesta história. O mais plausível é ter sido o nome do Deus supremo dos Sabinos que, uma vez associado ao panteão romano, já que vinha no dote das mães sabinas raptadas, teve que descer de posição, perder a função marcial e passar a ser um Deus pacífico, agrário e de fertilidade, o que não seria difícil de entender pelas razões anteriormente expostas. Mas isso acontecia com Marte bem como com todos os “Deuses manda chuva” que ou trovejavam na guerra ou armavam tempestades em tempo de paz para fertilizar a terra e os campos. De facto, o Deus da terceira função romana aparece em cena por mera aquisição de ocasião!
Esta assimilação de Deuses supremos de povos associados ou conquistados teria inevitavelmente que multiplicar o politeísmo o que contribui para a confusão aparente dos panteões, sobretudo entre as grandes potencias culturais como foi o caso da Babilónia e, mais tarde, de Roma.

Depois, Khiron, nome do bom centauro grego, iniciador sexual e militar de jovens e semideuses tem um nome que se parece por demais com Quirino (Khirin) e ambos com o barqueiro das almas Caronte e, por este, com Crono!
Este encontro de Deuses marciais nas profundidades infernais dos cemitérios vem já dos tempos sumérios dos Deuses de Kur.
E não é de espantar pois nenhum Deus mandava mais gente amada para a paz tumular das necrópoles do que os Deuses dos exércitos!

Que deidades de personalidades tão diversas se confundam num mesmo étimo deixa a suspeita de que o politeísmo tenha sido, também, uma consequência da evolução linguística por mutações fecundas, primeiro, porque enriquecedoras nas variantes do nome de Deuses ancestrais e depois, na criação de novos Deuses a partir das variantes desses mesmos nomes. Este fenómeno linguístico, reportado a outras palavras, deve ter sido fundamental no enriquecimento semiológico das línguas. Dada a tendência natural para a conservação dos étimos como forma de resistência à dissolução dos significados no ruído de fundo da oralidade, o erro fonético, que, por ser necessariamente comum e anterior à escrita pode ter a origem mais diversa (dislexia, aliteracia, más práticas e facilitismo juvenil, contaminação entre dialectos, pressão cultural de línguas dominantes, modismos e neologismos e jogos de palavras, gíria ou calão e códigos secretos, etc), só aparece como neologismo desde que a ele possa ser associada a formação de um novo conceito!

A este propósito pode aqui introduzir-se uma reflexão sobre a dialéctica da evolução linguística verificando que as línguas actuais são a resultante da pressão conservadora negentrópica do saber dominantes contra a acção da entropia do “princípio do menor esforço” sobre a memória social, ou seja, da austera autoridade imposta pela economia social sobre tendência libertina da indolência individual. Obviamente que as línguas são mutáveis porque a fonologia o permite mas também porque as línguas, não sendo inatas, têm que ser aprendidas correndo o risco de o serem de forma errada.
Como códigos de construção por interacção social as línguas sofrem as vicissitudes da cultura e só existem substancialmente pela acção hipercorrecta dos gramáticos que constantemente têm que lutar contra as forças dissolventes da ignorância por deficiência congénita ou por erro de aprendizagem o que justificou a existência de vários tipos qualitativos de linguagem que já na Suméria eram identificadas como próprias de crianças e de mulheres em contraponto com a língua escrita factos que os gramáticos modernos dicotomizaram em língua erudita e popular.

Assim, a linguagem como código de transmissão da cultura enquanto memória do adquirido histórico entra nos jogos sociais envolvendo-se e perdendo-se nas querelas de poder e nas guerras religiosas gerando escravidões em nome dos Deuses e provocando revoluções por equívocos de linguagem. De qualquer modo a linguagem como a vida é sempre uma luta termodinâmica de produtividade neguentrópica em resultado da luta constante contra a força dissolvente da entropia sobre a memória cultural.
Mas, ainda assim, as variantes dos nomes de Deus acabariam por ser fecundas no plano linguístico e geradoras de novos Deuses no plano da mitologia pagã!

Por mais estranho que pareça Collina, antes de se transformar no genérico de pequeno monte da latinidade já era o monte que veio a ser o Quirinal o que não teria ocorrido por mero acaso.
Claro que nesta etimologia forçada o Proto-Indo-European não explica a queda do duplo «ele» latino e faz derivar um diminutivo em ina de um substantivo terminado em -en. Obviamente que Collina e colis derivam de uma forma de linguagem pré-romana que já se reportava para o culto de Deuses das montanhas que seriam antepassados de Kur-Ano / Quirino. Assim, na tríade do Quirinal tínhamos Jove, Deus pai do céu, Marte, Deus filho a fazer a guerra na terra e Kur-Ano > Crono / Quirino, Deus avô, destronado e ocioso no submundo. Por alguma razão se dizia que o monte do Capitólio teria sido dedicado a Saturno, porque este monte era romano como o Quirinal era sabino. Assim, em ambos os lugares se adorava o mesmo “Senhor do Monte” mas com nomes ligeiramente diferentes porque correspondiam a evoluções separadas do mesmo conceito a partir de uma cultura arcaica comum que nem era indo-europeia porque seria egeia ou cretense e que no caso das tríades latinas só aparenta dar razão à tese dumezileana porque os Deuses saturninos da idade de ouro eram deuses populares na medida em que eram fartos como todos os Deuses infernais e liberais porque tinham sido destronados e viviam ociosos.

Autor: Artur Felisberto.
Fonte: Numancia.