terça-feira, 31 de março de 2015

Sua mãe sabe quem é seu pai

Eu tenho lido o blog Tealogia Radical da Deusa, de Athana por anos e eu gosto da página em geral. Esta manhã enquanto eu visitava os tópicos mensais dos Caracóis da Medusa, eu percebi a indicação de um dos textos recentes de Athana. Eu o li encantado, aceitando toda bondade da Deusa até este trecho:

"É o corpo da fêmea e apenas o corpo da fêmea, com seus sagrados poderes magníficos, misteriosos, mágicos, que fabrica a vida."

Talvez eu tenha perdido algo e eu não quero desrespeitar, mas eu tenho duas crianças e ambas tem pais.

Sem o princípio masculino da vulnerabilidade não haveria vida. Sem seu fluido agindo como catalizador para a fertilização da semente, jamais teria uma vida criada para ser depois formada ou manufaturada no corpo da mulher.

Existem poucas criaturas neste mundo que podem se reproduzir assexuadamente. Humanos não são evidentemente um deles. A vida então aparentemente requer parceria ao menos no momento da concepção. Eu iria além ao dizer que parceria pode ser benéfica, tanto para a criação quanto aos parceiros indefinidamente, se for adequada e conscientemente nutrido.

Se formos seguir a Natureza como lei divina, nós devemos reconhecer que o divino existe no masculino – que a contribuição deles para a vida deve ser valorizada e incluída. Ao não fazê-lo, em minha opinião, irá criar e poderá perpetuar um mundo aonde a paternidade é opcional e ser um homem cuidador será visto como fraqueza.

Que alguém afirme que não há um Pai Divino, que nossa mãe não precisa de um companheiro, que ele não exista com ela, não é apenas blasfêmia, em minha opinião, mas também absolutamente falso. Ao escolher e selecionar quais atributos nós queremos reconhecer em nosso sistema divino da Natureza não nos torna melhores do que os cristãos hipócritas que recusam a perceber a misoginia na Bíblia porque eles ainda querem chamá-la de a palavra de um Deus benevolente.

O fato é que o homem precisa se ver tão divino quanto a mulher, mas não como o Deus Celestial, que lança trovões, guerreiro, que tem sido contado pelos últimos mil anos. O homem precisa ver que ele pertence à Natureza, não está separado dela, jamais senhorio dela. Ele é o selvagem primitivo, a força de vida indomável e inocente. Nós todos somos. Reconhecer isto, ao invés de dizer que sua masculinidade não pode ser divina, pode ser a forma de reintroduzir nossa divindade masculina primordial de volta à consciência humana.

O Deus existe junta e conjuntamente com a Deusa, sendo irrelevante se nós tenhamos nos esquecido completamente quem ele é. Ele não é o Deus Celeste corrupto, vingativo, ciumento e bélico. Ele é o princípio inocente da masculinidade, o garoto, o Buda, o Amante, o primievo Deus Selvagem, cujo nome foi perdido no tempo.

Não é porque nós temos nos dado péssimos padrastos pelas eras tenebrosas da civilização humana que significa que o divino masculino verdadeiro e belo tenha cessado de existir. Nós apenas precisamos relembrá-lo. E eu creio, neste momento, que apenas nossa Mãe Divina, que é a Grande Deusa, pode revelar a verdadeira natureza de nosso Divino Pai.

Fonte: All Things Are Goddess

segunda-feira, 30 de março de 2015

O arcano da justiça

O Brasil atravessa uma crise institucional que faz recordar a instabilidade política do curto mandato de João Goulart. Setores conservadores e reacionários estão procedendo com um terceiro turno, movimentando seus aliados na Mídia, querendo derrubar uma presidente legitimamente eleita, em um verdadeiro golpe branco disfarçado de impeachment. O Brasil conheceu este dispositivo da constituição durante o mandato de Collor, mas as circunstâncias e elementos são diferentes. O brasileiro comum infelizmente não conhece os tramites de um Congresso, nem como funciona a Justiça, mas está deixando se levar, influenciado pelas campanhas insidiosas.
Neste momento, o Brasil precisa do arcano da Justiça, mas não a justiça humana, que sabemos ser falível, volúvel e corruptível. Eu falo de Themis, senão Nêmeses. A Justiça Divina. Não há isenções, não há privilegiados, não há protegidos, não há preferências. Na balança da Justiça, tudo é pesado, avaliado, tal como é. O errado será cortado pela espada, o certo vencerá. A Verdade sempre prevalece. Quando o humano faz da Justiça um balbucio que atende a outros interesses que não a Verdade, o grito dos injustiçados removerá a venda de Themis e esta se torna Nêmeses, onde a balança é colocada de lado e a espada irá cortar as cabeças dos culpados, de todos os culpados.
Costuma-se confundir justiça com moral. A lei tenta ser moral. A justiça é amoral. A justiça é ética. Assim é o caminho iniciático. O buscador quebra as regras da moral humana fútil, superficial e pequena, em busca da verdade, da justiça e do divino. O caminho iniciático nos dá a balança e a espada. Cabe ao buscador a coragem e a ousadia de usa-las.

sexta-feira, 27 de março de 2015

A origem da águia de duas cabeças

O brasão de Estado russo, a águia de duas cabeças, é um dos símbolos indo-europeus mais antigos. Cristianismo, paganismo, ensinamentos de Zaratustra, época dos grandes impérios e fragmentação feudal estão embutidos em sua história. Civilizações e Estados inteiros desapareceram no passado, mas a águia de duas cabeças continuou a pairar sobre os povos da Ásia Ocidental e Europa Oriental.

Para entender o por que desse importante símbolo, basta seguir a ordem cronológica. Primeiramente, o brasão da águia de duas cabeças apareceu na simbologia do poderoso reino dos hititas, que ocupava uma grande parte da Turquia moderna, nos séculos 17 a 12 a.C.. Na época, foi adaptado para as necessidades do Império Bizantino, que havia previamente herdado a águia romana de uma só cabeça. Logo a águia se tornou um símbolo de todo o cristianismo oriental, aparecendo no brasão da Sérvia e Montenegro, da Alemanha (Sacro Império Romano) e da Armênia.

Os reis da selva

No início da Idade Média, o clima na Europa era muito mais quente do que agora. Por exemplo, no século 12, havia leões e leopardos no sul da Ucrânia. Matar um leão era algo especialmente valorizado – um tipo de caça para representantes escolhidos da aristocracia e grandes príncipes. Com o tempo, esse fato transformou o animal em um símbolo heráldico, que representava a nobreza e a coragem.

A águia “pousou” na Rússia apenas no século 13, substituindo o tridente, antigo símbolo da dinastia. No início, a águia de duas cabeças apareceu em Chernigov, no território da atual Ucrânia; em seguida, em Vladímir, a 176 km a leste de Moscou; e depois, na própria capital. A águia apareceu no brasão do Estado logo depois do nascimento da palavra “Rússia”. No final do século 15, o grão-príncipe Ivan III, conhecido como “coletor das terras russas”, introduziu a palavra “Rússia” em substituição da antiga “Rus” – e nesse momento a águia foi inserida no emblema nacional.

Após a queda de Constantinopla (atual Istambul), a Rússia se tornou o único país Ortodoxo independente, e a águia, no símbolo do brasão do Estado unificado, afastando também a imagem icônica do leão.

Águia metamórfica

Cada tsar russo mudava a forma da águia conforme vontade própria. Durante o período de relações próximas com a Prússia e a Áustria, a águia se tornou mais rígida e geométrica. Em períodos de liberalização do regime político na Rússia, o contorno das asas ficou mais suave, e as formas, arredondadas.

Durante a ocupação de Moscou por invasores poloneses, em 1612, o lírio real católico foi incluído no peito da águia. Em outras épocas, havia no peito do animal São Jorge ou o grifo – símbolo da dinastia Romanov.

A quantidade de coroas nas cabeças da águia também mudava constantemente. Isso se devia às mudanças na ideologia do Estado. No começo havia duas coroas, como um símbolo da igualdade entre os poderes seculares e eclesiásticos. Após a vitória do poder do rei sobre o patriarca ortodoxo, apareceram três coroas. Duas delas significavam a igualdade dos poderes secular e eclesiástico, e a terceira era posicionada acima das duas primeiras e simbolizava a primazia do poder do Imperador, como o chefe da Igreja e de todos as divisões do Estado.

De acordo com a tradição heráldica russa, havia um brasão estatal grande e outro pequeno. O brasão grande, além da águia, continha também o símbolo da dinastia Romanov e os das terras mais importantes que faziam parte do Estado russo. O imperador russo era ao mesmo tempo o rei polonês, georgiano, siberiano e o grão-duque da Finlândia. O lema oficial da heráldica russa era “Deus conosco”. Para enfatizar o caráter cristão do Estado, perto da águia de duas cabeças foram colocados os arcanjos Miguel e Gabriel.

URSS e depois

Após a Revolução de 1917, o governo provisório excluiu a coroa. Essa águia democrática é agora apresentada em moedas da Federação Russa. Das garras da águia foram retirados também os símbolos do poder monárquico: o cetro e o globo. Durante a guerra civil, as forças antibolcheviques fizeram da águia seu emblema, mas a coroa foi substituída por uma cruz. No entanto, o cetro e o globo apareceram novamente nas garras de uma águia.

A águia de duas cabeças voltou à Rússia após o colapso da União Soviética e depois de três anos de trabalho de comissão especial encarregada por selecionar os símbolos do Estado. Em 1993, por decreto do então presidente Boris Iéltsin, o símbolo adotado como o brasão do Estado era semelhante àquele adotado após a revolução: sem coroas e sem símbolos de poder.

Mas as metamorfoses continuaram. A águia continua a mudar da mesma maneira como durante a época dos tsares. O fortalecimento do poder do Estado sob o presidente Vladímir Pútin se refletiu no símbolo da Rússia, que recebeu três coroas e símbolos de poder.

Vladimir Khutarev é doutor em História e representante da Comunidade de Proteção de Monumentos de Históricos e Culturais em Moscou.

Fonte: Gazeta Russa

quinta-feira, 26 de março de 2015

O arcano da temperança

A vida do rapper BIG Notorius mostra que existem grupos que ganham com a tragédia, a violência, a rixa, o sectarismo. Vendo como a Mídia estimula, incentiva e patrocina o extremismo na opinião popular com nítido interesse em instaurar uma Ditadura Midiática, o arcano da temperança é ideal.
O arcano mostra um anjo com duas jarras, derramando líquido de uma para outra.
Geralmente entendemos “temperança” como ponderação, equilíbrio.
Mas podemos entender “temperança” no sentido de “temperar”, acrescentar gosto.
O anjo transfere líquido de uma jarra a outra, sugerindo que uma está cheia e a outra vazia. O arcano denota que é necessária uma ação positiva para suprir certas áreas de nossa vida que estão deficientes.
Então podemos entender o arcano como uma indicação de que há a necessidade do buscador ter a iniciativa de esvaziar o que está excessivo e suprir o que está escasso. A ação e a responsabilidade cabe ao buscador.
O caminho iniciático é aquele que nos conduz entre o dia e a noite, entre o bem e o mal, entre a verdade e a mentira, entre a razão e a intuição. Somente quando houver equilíbrio entre Masculino e Feminino, Positivo e Negativo, é que alcançaremos a Iluminação.

quarta-feira, 25 de março de 2015

Socorro, prof. Pasquale!

Como se não bastasse ter que aturar a aceitação do esdrúxulo “presidenta”, um neologismo que não tem qualquer embasamento na ortografia ou na gramática, eu ainda tenho que aturar comentários de gente que mal terminou o segundo grau, ofendido [ou com inveja] por eu ter grau superior.

Realmente, não é fácil ser escritor em um país semialfabetizado. Tudo fica mais difícil por eu ser pagão. A falta de estudo acadêmico na cadeira de história, etnologia, antropologia e psicologia por grande parte da comunidade pagã brasileira fornece um rico espaço para farsantes, estelionatários e gurus paraguaios.

Mas meu caro dileto e eventual leitor sabe que eu vivo uma relação de amor e ódio com a comunidade pagã brasileira e suas celebridades. E eu tenho que manter a minha péssima reputação. Meu serviço é para os Deuses, eu não procuro o aplauso do público.

Aquilo que é interessante deve ser divulgado. Eu citei neste blog Claudiney Prieto e Mavesper Cerydwen, quando estes escreveram textos que endossam a Tradição. Mas mesmo diante de sacerdotisas americanas eu tenho que exercer minha verve e criticar aquilo que destoa da Tradição.

Assi sendo, eu cheguei, graças ao oráculo virtual [Google], ao blog Polissemizando onde Mavesper publica o texto “Por Que Prefiro a Grafia Wiccaniano”.

Eu cito alguns trechos:

O adjetivo aplicado a quem pratica a religião chamada Wicca, já causou muita controvérsia nos meios pagãos do Brasil. Trata-se de escolher a versão portuguesa melhor para a palavra da língua inglesa “wiccan”.

Há mais de vinte anos, quando começaram a ser vertidos para o português livros de Wicca, cada tradutor optou por diversas formas diferentes. Alguns traduziam o termo simplesmente por “bruxos” ou “feiticeiros”, com a desvantagem de não estarem usando um termo que identificasse especificamente os praticantes de wicca. Outros, preferiram manter a grafia wicca tanto para designar a religião, quanto para o adjetivo referente aos adeptos, o que era incongruente.

A tradução do livro de Gerina Dunwich usou a palavra “wiccaniano”, em 1994. Mesmo antes nos meios pagãos brasileiros essa palavra era largamente utilizada para designar os praticantes de wicca. Em 1999, ao traduzir outras obras, anos depois, o tradutor Claudio Crow Quintino propôs a adoção de um neologismo: criou a palavra “wiccano”.

Perguntamos: o que faz uma língua é seu povo, os milhares de pessoas que sempre usaram a expressão “Wiccaniano” nos meios pagãos, ou a decisão isolada de um tradutor?

Cremos que a resposta é óbvia, mas, ao ouvir a falácia de que seria um erro de português, muita gente está, agora sim, sendo induzida a erro. Wiccano é uma grafia possível, mas sem uso anterior que a justifique. Por que acreditar que é “mais certa”? Ou, pior ainda, que é “a única” certa?

Usemos como exemplo a palavra “football”, originariamente inglesa. Quando o jogo veio ao Brasil se tornou “futebol”. Mas porque não se tornou “futibol”,”futeboal”, futebal” ou futibóu’???? Simplesmente porque o costume determinou a grafia.

O tradutor defende que tudo se trata de comparar a palavra wiccan, com a palavra american. O primeiro “furo” em sua teoria é comparar uma palavra que é gentílico (relativa a naturalidade ou nacionalidade das pessoas) com Wicca, que nada tem a ver com nacionalidades.

Fica muito fácil perceber que se o tradutor em questão tivesse escolhido qualquer outra palavra terminada em AN em inglês, sua decisão de tradução poderia ter sido diferente.

Na verdade, há regras linguísticas, sim, para fazermos a versão para o português, devemos nos basear na palavra como ela é escrita em português, e não em inglês, para obter a grafia do adjetivo. Devo basear-me em “américa” para gerar americano, e não “american”. Porque a palavra “América” tem a vogal temática oral, portanto a regra geral é o sufixo “ano ou ana” = americano. Já a palavra “Irã”, por exemplo, tem vogal nasal, o til se transforma em “n”(na verdade poucos sabem que o ~ é um “n” arcaico), e se é nasal forma “iraniano”.

Se fosse aplicável a Wicca a regra da vogal oral ou nasal, a vogal da palavra Wicca seria realmente oral e estaria certo o Sr. Crow Quintino. Porém, há um “pequeno detalhe”: a palavra wicca não é português! Ou seja, a regra é inaplicável.

Tomei a liberdade de consultar um mestre em linguística e expor a ele a questão.

A opção por “wiccano” parece ter sido baseada apenas em uma transcrição fonética, o que não permite aproximá-la do significado em inglês, “praticante”. Para se obter essa significação em Português, podemos usar os sufixos “-eiro”, “-ista”, “-dor”, “-or” que são indicadores de profissão, atividade”.

Ou seja: apresentada como “o único português correto” nada mais é do que um neologismo de discutível aplicação. E neologismo por neologismo, sem base outra que o uso e costume das pessoas, prefiro a forma mais antiga e consagrada: wiccaniano.

Não se criam normas na língua portuguesa por decisões isoladas de um tradutor. É preciso pensar e julgar antes de aceitar os carimbos prontos de “erro de português”.

Basta pensar que antes dele outro tradutor já havia consagrado a palavra “wiccaniano”, de há muito largamente utilizada por todos os praticantes de nossa religião. E que o que faz uma língua são as pessoas que a falam.

Enfim, a verdade é que a língua é dinâmica e muda constantemente. Por isso, creio que nem wiccaniano, nem wiccano devem ser vistos de forma a classificá-los de corretos ou incorretos. Ambos são formas possíveis de tradução da palavra “wiccan”, embora, pelo uso de mais de uma década, a palavra wiccaniano já se tenha consagrado de há muito. Sem mencionar que “wiccano” tem um som que não agrada os ouvidos.

Eu devo discordar de Mavesper, a aclamação popular não deve serfir de referência, senão teríamos que jogar fora todos os dicionários, livros de ortografia e gramática e abolir o ensino da língua portuguesa. Se aceitarmos a teoria da aclamação popular, funk, pagode e axé seriam as referências culturais ao invés dos clássicos da literatura portuguesa e brasileira.

No caso de traduções, não se aplica a regra de que a primeira ou mais antiga é a mais certa. Os casos listados pela Mavesper pertencem a outra categoria de palavra, sem nos esquecermos que a norma culta há tempos aceita palavras estrangeiras.

A Mavesper não diz quem é o especialista em linguística, o que denota a importância em mantermos a norma culta, não a aclamação popular. O dito especialista comete um erro grave, quando define a Wicca como prática, sendo que ela é uma religião. Eu concordo com a Mavesper que ambas as formas podem ser consideradas corretas, o que é uma contradição ao que ela mesma afirma e corrobora, o que não deixa de ser uma convenção arbitrária.

A regra é clara. A palavra “wiccan” é derivada de outra, portanto, temos que nos ater ao radical. Como falamos de religiões, a derivação toma por radical uma determinada palavra.

Chamamos de cristão os que professam o Cristianismo pela derivação de Cristo. Chamamos de judeu os que professam o Judaísmo pela derivação de Judá, uma das doze tribos de Israel, que acabou abrangendo todas. Chamamos de muçulmano os que professam o Islamismo pela derivação do verbo aslama [submetido a Deus, em árabe], que foi assimilado ao português do castelhano.

No caso, wiccan é derivado de Wicca que, segundo Gerald Gardner, era o nome do povo [grafado Wica] que professava uma forma familiar e particular de Culto de Bruxas em New Forest. Disto podemos concluir que o nome do povo é o nome da religião, sendo portanto mais correto falar Wica e não Wicca, o que certamente provocará mais polêmicas e controvérsias nessa Terra Tupiniquim.

Sendo o nome do povo, cabe o gentílico, e as regras:

1) serem subsequentes a um e apenas um radical;

2) que o gentílico seja derivado por sufixação;

3) que o radical primitivo seja o do território de ocupação do povo nomeado pelo gentílico, e não vice-versa (o território não deve, idealmente, ser o vocábulo derivado);

4) que esse radical primitivo seja uma lexia simples, e não composta ou complexa, ou que, se o for, o seu gentílico só use um de seus formativos;

5) que haja paradigmatização, isto é, que os sufixos para a formação de gentílicos sejam poucos, fechados e os que fugirem de tal paradigma engendrariam casos de supletivismo ou mesmo caso único.[Marcelo Caetano, professor, filólogo e tradutor]

Na língua portuguesa os sufixos de gentílicos mais comuns são “aco”, “ano”, “ão”, “asco”, “ático”, “eiro”, “enho”, “ês”, “eu”, “ino”, “ista”, “ita”, “eta”, “ol”, “ota”, “ense”. O sufixo “iano” é mais apropriado quando se refere à uma pessoa, não à uma origem, procedência e, no caso, a norma culta prescreve o sufixo “ano”, portanto “wiccan” = “wiccano”.

terça-feira, 24 de março de 2015

Flags, flax, fodder, frigg

Roy Bowers ou Robert Cochrane, fundador do Clan de Tubal Cain, escreveu diversas cartas a Joe Wilson em dezembro de 1965 e assinava FFFF em suas cartas.
As missivas de Cochrane eram recheadas de simbolismo, símbolos, referências místicas, sigilos e enigmas, que seriam revelados no devido tempo ao buscador dentro da tradição.
Robert Cochrane foi um personagem da Bruxaria Moderna que foi eclipsada apenas por Gerald Gardner, ele estruturou um sistema original e único, fruto de seu gênio e da reconstrução de uma tradição familiar de bruxaria.
A assinatura tem um significado:
Flags = literalmente bandeira, mas entende-se que seja o pavilhão ou o alicerce onde se firma a construção de uma casa.
Flax = literalmente linho, mas entende-se que seja a roupa ou qualquer tecido usado para cobrir o corpo.
Fodder = pode-se entender por “food”, uma aliteração de comida, seja para animais ou para pessoas.
Frigg = Na mitologia nórdica, Frigga, ou Friga, é a Deusa-Mãe da dinastia dos Aesir. Esposa de Odin e madrasta de Thor, ela é a deusa da fertilidade, do amor e da união. Ela também é a protetora da família, das mães e das donas-de-casa, símbolo da doçura.
Uma carta é encerrada com uma linha de atenção, uma apreciação, um elogio ou um voto. A assinatura de Cochrane é o desejo que seu irmão na Arte tenha sempre casa, comida, roupa e amor. Pesando aquilo que achamos necessário para viver, isto é mais que suficiente.

segunda-feira, 23 de março de 2015

O arcano da morte

Este é o outro arcano perturbador porque a humanidade não lida bem com o inevitável e sua finitude. Ou como diz o Budismo, a humanidade está no estado de impermanência. Pegadinha do Sidarta, pois em sendo nada permanente, sua doutrina desafia a perenidade.
A humanidade é mortal, indiferente de sua riqueza, seu status, sua influência social, seu conhecimento, sua sabedoria, sua iluminação, todos, sem exceção, deverá passar pelo último portal. Ali está, inexorável, o Ceifador. Sabendo disso, a humanidade tenta se esconder no medo ou em formas de trapacear com a morte.
O descrente não é muito diferente, pois negar que há algo além da vida é negar a morte. O crente não se exime do fardo, a maioria das religiões surgiu graças ao medo da morte. O que há de mais perturbador do que um Mensageiro divino cujo culto nasceu por que sua Igreja foi fundada em um sacrifício humano? Os mitos antigos estão recheados de Deuses que morrem e múltiplas divindades que são a morte personificada e divinizada.
Se nós estamos fadados a fenecer, por que lutamos tanto, trabalhamos tanto? Por que acumulamos títulos, riquezas, diplomas, coroas, tronos, se o futuro de todos é se tornar cadáver? Por que estamos vivos, esta é nossa função, nossa obrigação. Nossa vida, nossa existência tem um propósito, temos um sopro para tentar cumprir com nossa missão.
Costuma-se dizer que a morte é o Vale das Sombras. A humanidade é um animal diurno, não entende a sombra, não compreende a noite. Aquilo que não se entende se teme ou se tenta destruir. O buscador não teme a morte, pois sabe que é um estado, uma circunstância. Quando a morte lhe sorri, ele sorri de volta, pois sabe que a morte é uma passagem, é tão aterrador quando dormir, é tão ameaçador quanto a passagem da noite para o dia.

domingo, 22 de março de 2015

A natureza do amor em Lilith

Você que me nega, me admite e você que me admite, me nega.Você que fala a verdade sobre mim, mente sobre mim e você que mentiu sobre mim, fala a verdade sobre mim.Você que me conhece, seja ignorante sobre mim e aqueles que não me conheceram, deixem eles me conhecer.
Lilith possui uma linguagem muito libertária em relação às ideias que concebemos em nossa cultura sobre o amor.

Quando uma pessoa ama, deve haver liberdade - a pessoa deve estar livre, não só da outra, mas também de si própria.
No estado de pertencer a outro, de ser psicologicamente nutrido por outro, de outro depender - em tudo isso existe sempre, necessariamente, a ansiedade, o medo, o ciúme, a culpa, e enquanto existe medo, não existe amor.
A mente que se acha nas garras do sofrimento jamais conhecerá o amor. O amor não é produto do pensamento, que é o passado. O pensamento não pode de modo nenhum cultivar o amor. O amor não se deixa cercar e enredar pelo ciúme; porque o ciúme vem do passado. O amor é sempre o presente ativo. Não é "amarei" ou "amei". Se conheceis o amor, não seguireis ninguém. O amor não obedece. 
Quando se ama, não há respeito nem desrespeito.

O amor original é naturalmente considerador, ele não segue padrões de respeito definidos culturalmente. O que é respeitoso em uma região pode ser considerado altamente ofensivo em outro lugar. Isso prova que a ideia do respeito é uma produção cultural, e que sua identidade depende basicamente de filtros de crenças.
Na origem latina [respectus], a palavra respeito significa "olhar outra vez", algo que merece um segundo olhar. Neste sentido, respeito pode ser um ato de reverência, de prestar culto ou homenagem. 
Entretanto, a produção cinematográfica de James Cameron, Avatar, nos apresenta um novo conceito sobre essa mesma ideia: os nativos Na'vi trocam cumprimentos com "I see you" [eu vejo você]. A expressão utilizada pelos nativos entre si revela que todos merecem sempre o *primeiro* olhar, e não o segundo. Logo, respeito entre eles não era uma *condição*, mas um *reconhecimento mútuo* da existência do outro e do *direito de pertencer* que todos gozavam dentro da comunidade.

Em nossos dias, essa ideia foi distorcida e tem apresentado uma outra forma de expressão: ter respeito tem incentivado muitos comportamentos de obrigação, submissão e temor, onde o lado mais forte sempre ganha mais espaço de forma invasiva e territorial.
Dessa forma, entendemos que onde há *obediência* não há espaço para uma *expressão amorosa* genuína e autêntica, pois o amor não admite o sofrimento através do mais forte nem do mais fraco. 
No amor há alteridade, e onde existe alteridade, o respeito é consequência de um reconhecimento mútuo, e não uma condição.

A liberdade proposta por Lilith em relação ao amor, muitas vezes se choca com aquilo que aprendemos sobre o que é amar. 
Uma dessas ideias que causam um certo estranhamento na maioria de nós, é a ideia da isenção de *dever amoroso*.

Tem o amor responsabilidades e deveres, e emprega tais palavras?Quando fazeis alguma coisa por dever, há nisso amor? No dever não há amor. A estrutura do dever, na qual o ente humano se vê aprisionado, o está destruindo. Enquanto sois obrigado a fazer uma coisa, porque é vosso dever fazê-la, não amais a coisa que estais fazendo.Quando há amor, não há dever nem responsabilidade.

Entendemos que o amor original é naturalmente espontâneo.

Onde há espontaneidade, a autêntica expressão amorosa substitui a responsabilidade pelo sentido de cumplicidade.
Quando Lilith chega em nossas vidas sempre causa uma sensação de estranheza e um certo arrebatamento... Um choque de realidade, uma sensação de atropelamento moral e energético ou de ser carregado pelos ares, uma exposição do inconsiderado em nós, o inesperado pensante [eureka] que emerge sem nossa autorização consciente, um amor autoconsciente genuinamente consistente e altamente expansivo.
Em relação a esse amor tão libertário e sem fronteiras, começamos a questionar valores aprendidos, ações empreendidas em nosso passado, e que atitude tomaremos em nosso presente. 

Aprendemos que o amor é relativo às nossas limitações, e com certeza, tendemos a expressá-lo dessa maneira.
Mas se o amor é diferente de tudo o que aprendemos, o que faremos com isso? Saberemos como expandir esses limites?

Podeis perguntar: 
- Se encontro esse amor, que será de minha mulher, de minha família? Eles precisam de segurança.
Fazendo essa pergunta, mostrais que nunca estivestes fora do campo do pensamento, fora do campo da consciência. 
Quando tiverdes alguma vez estado fora desse campo, nunca fareis uma tal pergunta, porque sabereis o que é o amor em que não há pensamento e, por conseguinte, não há o tempo. 
Podeis ler tudo isto hipnotizado e encantado, mas ultrapassar realmente o pensamento e o tempo - o que significa transcender o sofrimento - é estar cônscio de uma dimensão diferente, chamada *amor*.

Mas, não sabeis como chegar-vos a essa fonte maravilhosa - e, assim, que fazeis? 
Quando não sabeis o que fazer, nada fazeis, não é verdade? Nada, absolutamente. 
Então, interiormente, estais completamente em silêncio. Compreendeis o que isso significa? 
Significa que não estais buscando, nem desejando, nem perseguindo; não existe centro nenhum. 
Há, então, o amor.

Num universo infinito qualquer ponto pode ser o centro, logo, se é infinito, onde está o centro?
Amor não é conceito. Amor é fonte. 
Amor é dimensão.

Tradição de Lilith

sábado, 21 de março de 2015

Transgressão como princípio norteador

Transgressão implica numa atitude criativa de atravessar e ir além de uma extensão, expandir-se, dar o primeiro passo ao ultrapassar noções que pressupõem a existência de uma norma que estabelece e demarca limites.

O indivíduo transgressor é o agente criativo que supera a si mesmo na ruptura com os conceitos do mundo que o cerca.

Cada buscador e buscadora, ao inventar e se re-inventar, ao tentar o-ainda-não-ousado ou o-ainda-não-permitido, ao conhecer o novo, incorre em transgressão porque mostra o que era então desconhecido.

A transgressão implica na subversão da ordem como o resultado mais superficial e aparente, e na apresentação de algo novo através de uma atitude-primeira desafiadora como um ato criativo, e esse é seu significado mais profundo, porque o caos é o precursor da ordem e ambos são importantes. Ao longo da história da humanidade, muitos transgrediram as normas vigentes de sua época, revolucionando suas áreas de atuação.

Entendemos que a Transgressão não pode ser vista como uma regra ou estrutura fixa, porque estruturas fixas e regras possuem uma natureza regular, e se simplesmente estruturássemos uma forma de transgredir não poderia mais ser considerada como Transgressão. 

Por isso, a Transgressão é um Princípio e não uma estrutura.

Autoria: Tradição de Lilith

sexta-feira, 20 de março de 2015

Ao vencedor, as batatas

Depois de 20 anos estudando, escrevendo e defendendo a Wicca Tradicional, seus princípios e valores contra a neo-wicca, as religiões da deusa e o dianismo, eu observo abismado pessoas e grupos fazendo a campanha “A UWB não me representa”, como se essas pessoas e grupos fossem mais idôneos, mais confiáveis ou mais legítimos do que a UWB. Certamente o dileto e eventual leitor deve ter visto minha posição contra a CTB e contra a IBWB. Se vamos cair nessa onda de “representatividade”, eu tenho que incluir a TDN e a Eddie Van Feu na lista dos que “não me representa”.

O assunto da Wicca é bastante polemico por si só, se considerarmos seu histórico, sua popularização e comercialização. Quando incluímos seu parentesco com a Bruxaria Tradicional, o assunto fica ainda mais quente. Nesse sentido, apesar de ter traduzido um texto de Sable Aradia, eu tenho que discordar de seu texto “Apples and Orangutans: Traditional Witchcraft vs Wicca”, publicado no Patheos.

Ela escreve: “Parece-me que são coisas completamente diferentes e compará-los não é mesmo como comparar maçãs e laranjas; é como comparar maçãs e orangotangos”.

Ela fornece o link no site Blue Moon Manor para o texto “Wicca Compared to the Traditional Witchcraft” onde eu cito:

“Mas a nova religião Wicca que ele criou era um enigma. Gardner alegou que ele foi iniciado em um conciliábulo de bruxaria, embora sua Wicca mostre mais tarde muito pouco de práticas tradicionais. Suas reivindicações foram amplamente analisadas e investigadas pelos historiadores e biógrafos com conclusões pouco claras. A Wicca que Gardner criou não era apenas não tradicional, mas foi radicalmente um diferente tipo de religião. Era para ser praticado de uma maneira diferente e que faz Wicca muito separado da Bruxaria Tradicional, tal como praticada nas ilhas britânicas. Bruxo tradicional solitário não é apenas prontamente permitido, mas tem uma história muito longa e nobre na Grã-Bretanha. Na verdade, a maioria dos bruxos tradicionais que já viveram eram solitários em sua prática. Qualquer bruxo tradicional pode corretamente chamar a si mesmo de bruxa, se assim o desejarem. Então, onde é que Gardner obter seu conservadorismo inflexível e hierárquica estrutura organizacional?”.

O texto segue com denúncias que são amplamente utilizados, ou pela neo-wicca com o intuito de legitimar seu esquizoterismo, ou pelos cristãos com o intuito de difamar. O autor comete o erro crasso ao afirmar que a wicca progressiva e a neo-wicca “evoluiu” de Gerald Gardner. Eu recomendo a leitura do texto “as Origens Americanas da Neo-Wicca”. O texto erra ao definir a Wicca como henoteísta, quando esta é Duoteísta e Politeísta. O Uno, visão defendida em alguns grupos, é uma forma de Monismo, não de Henoteísmo. O texto erra ao afirmar que a Wicca prioriza a Deusa acima do Deus, isso é Dianismo e “religiões da Deusa” que, a priori, não pertencem à Wicca Tradicional. O texto segue com refutações vagas quanto a algumas características da Wicca, sem levar em conta que tais práticas fazem parte da Bruxaria Tradicional. Tanto Hutton quanto Heselton concordam que Gerald Gardner teve iniciação, no mínimo, em dois covines de Bruxaria Tradicional em New Forest. Eu tenho diversos textos que asseveram a existência de graus entre as bruxas. Portanto, é apenas mais um texto disparatado e sem base histórica ou antropológica. Este é um problema comum quando se fala sobre Bruxaria e Wicca: a falta de fontes confiáveis e excessivas alegações sem fundamento.

Sable Aradia é bruxa tradicional e wiccana, ela é uma sacerdotisa que merece meu respeito e admiração por ter publicado textos tão extensos e intensos sobre magia sexual. Mas nesse caso ela se equivocou. Comparar Bruxaria Tradicional e Wicca Tradicional é como comparar orangotangos com chimpanzés.

quinta-feira, 19 de março de 2015

O arcano da força

No dia 15 de março nós assistimos uma manifestação. Que essa manifestação é resultado de uma longa campanha de instaurar um clima de instabilidade institucional com nítidos interesses políticos, não nos resta dúvida.
Para um dia como este, eu escolhi o arcano da força. Ele mostra uma mulher, em trajes nobres, que mantém aberta a mandíbula de um leão com suas mãos, uma clara alusão do uso da força, senão do poder. O leão parece imóvel, domado, domesticado, submisso.
O arcano é mais um que denota a importância da dominação do ego, de nossos instintos e pulsões. Mas também pode ser lido como é necessário o uso da força, do poder, para sujeitar, submeter as criaturas inferiores.
Quando lemos textos, comentários ou imagens de grupos da sociedade contra o atual governo, nós sabemos que a bronca não é contra seu representante, mas contra os direitos e conquistas sociais. Para muitos seres humanos, que acreditam ser melhor, ser nobre, serem superiores, os acessos à riqueza, à prosperidade, à felicidade, é um direito que pertence a poucos. Para a maioria da população, muitas vezes considerada e descrita como sendo sub-humano, senão bicho, resta se submeter, resta a vassalagem.
Não foi suficiente a humanidade passar pelas Ditaduras, pelo Fascismo, pela opressão militar. Muitos, por sua condição ou posição social, irão esquecer que são tão humanos quanto o populacho que tanto tem ojeriza.
O leão parece estar submisso, mas não está morto. Escravos quase destruíram Roma, lutando pela liberdade. Reis perderam a cabeça nas revoluções europeias. Impérios perderam suas colônias. Se a Dama não souber ceder, em breve irá perder os dedos, se não a vida, quando o leão despertar.

quarta-feira, 18 de março de 2015

Como em cima, embaixo [+18]

Aquilo que está em cima é igual a aquilo que está embaixo e que aquilo que está embaixo é igual a aquilo que está em cima. Dito atribuído a Hermes Trismegistros, tal como está gravado na Tábua Esmeralda.
Este trecho de texto, que pertence à Alquimia, utilizado pelo Ocultismo e Esoterismo, também está presente em textos sobre a Wicca e Bruxaria. Outra forma de dizer esta frase é que o mundo terreno é uma manifestação, um espelho do mundo divino e as coisas no mundo divino são como no mundo terreno.
No entanto este texto irá falar de um mistério contido no símbolo atribuído a esta frase. O símbolo consiste no hexagrama, dois triângulos isósceles que se cruzam, um apontando para cima e o outro para baixo. Vamos deixar um pouco de lado que esse símbolo é utilizado pelo povo Judeu. O hexagrama era utilizado para representar Ishtar bem antes disso.
Desmontando o hexagrama, temos um triângulo com um vértice para cima. Este é o símbolo do Lingam. O Lingam é uma pedra consagrada a Shiva e simboliza o Falo Divino.
Temos também um triângulo com um vértice para baixo. Este é o símbolo da Yoni. A Yoni é uma vasilha consagrada a Shakti e simboliza a Vagina Sagrada.
O que significa que esta frase e este símbolo sejam a conjunção do Lingam com a Yoni?
Significam que a Grande Obra é resultado da união do Princípio Masculino com o Princípio Feminino. Este é, em suma, o símbolo do Grande Ritual, do Hiero Gamos entre o Alto Sacerdote e a Alta Sacerdotisa. Este é o mistério encenado na cerimônia wiccana, o rito que reencena a geração do Universo. O mundo é uma manifestação resultante da união do Deus com a Deusa.

terça-feira, 17 de março de 2015

O arcano do Diabo

Um dos arcanos perturbadores, simplesmente por estar escrito Diabo. Mesmo no Mundo Contemporâneo, a cultura cristã predomina e a figura do Diabo tem sido útil para a Igreja de Cristo.
O Diabo não é ruim, não é o mal, o Diabo é simplesmente nossos instintos, nossa natureza. Se prestarmos bem atenção aos mitos judaico-cristãos, o Diabo é um anjo do Deus Bíblico, criado por Ele. Isso é suficiente para falar de uma divindade esquizofrênica.
O arcano tem três imagens, uma que parece ser o Diabo, como se imaginava sua figura na Idade Média e duas que representam um home e uma mulher, ambos estão nus e presos em uma coleira atada a uma coluna onde o Diabo parece estar reinando. Na mão do Diabo tem um cetro, mas mais significativas são as poses de seus braços.
Olhando com atenção, o Diabo parece muito com Baphomet. A figura é hermafrodita. Seu braço direito aponta para cima e o esquerdo aponta para baixo. A diferença é que Baphomet está sentado em uma pilastra ou coluna, enquanto o Diabo está em pé. Esta pilastra ou coluna representa o mundo.
Este arcano representa nossa prisão às coisas materiais, às nossas paixões, impulsões, instintos. Mas também representa nosso apego aos nossos títulos, riquezas, cargos, projetos e objetivos. O ser humano, seja laico ou religioso, acredita piamente ser escolhido, privilegiado, especial e não se dá conta do quanto é prisioneiro de uma gaiola dourada. O caminho iniciático é aquele que conduz à maestria e à liberdade.

segunda-feira, 16 de março de 2015

Dai a César o que é de César

John Halstead escreveu no Patheos o texto “The Neo-Pagan Mysteries” discorrendo, segundo ele, os aspectos do Paganismo Moderno enquanto uma “religião de mistério”. Nada mais equivocado, mas o tema é apropriado para colocarmos alguns termos em seus devidos lugares, algo que este pagão que vos escreve vem fazendo há um bom tempo neste blogue.
Eu vou citar a definição de John Halstead quando ao “Paganismo Centrado no Self”:

O paganismo centrado no Self significa que um sentido maior do "eu" que transcende o ego e até mesmo o individual. A meta da prática pagã centrado no Self é o desenvolvimento pessoal, espiritual e / ou psicologicamente, através da conexão com o Self Profundo. Isso pode ser descrita em termos de integridade psicológica ou união extática com o "Uno" divino.

Isso coloca diversos problemas. Quando se fala em transcendência, entende-se que há um conflito entre o corpo e a alma, entre o mundo natural e o mundo divino. O Paganismo Moderno não tem essa clivagem, o sagrado está no corpo e no mundo. Quando se fala em desenvolvimento pessoal, entende-se algo como auto-ajuda e psicologia de bolso. Diante de tantos filósofos e pensadores antigos, ler essas armadilhas da literatura mercenária nos conduzirá para a mediocridade. Quando se fala no Uno, entende-se ora a vertente do monoteísmo, ora a vertente do monismo. Diversas vertentes do Paganismo Moderno são completamente adversas a estas tendências.

John não escreveu qual a definição dele para mistério ou religiões de mistério e isso é outro problema, especialmente quando escrevemos para o público geral, mais interessado em fórmulas do que no estudo.

Eu vou recorrer ao oráculo virtual [Google] para definir a religião de mistério:

Religião de mistério ou Mistérios é uma forma de religião com arcanos, ou um corpo de conhecimento secreto. Nela, há um conjunto central de crenças e práticas de natureza religiosa que são reveladas apenas aos iniciados em seus segredos. Os Mistérios eram, em todos os países nos quais eram praticados, uma série de representações dramáticas, onde a cosmogonia e a natureza oculta eram personificadas por sacerdotes e neófitos, desempenhando o papel de diferentes deuses e deusas, repetindo alegorias (cenas) de passagens de suas vidas. As encenações eram posteriormente explicadas aos candidatos em seu sentido oculto e incorporadas às doutrinas filosóficas e a vida cotidiana. Os iniciados recorriam a um conjunto de práticas como o jejum, a flagelação, o sacrifício de animais (como o touro ou os porcos) ou o rapar da cabeça. O sacerdócio que estava ligado aos Mistérios não tinha uma estrutura rígida, sendo na sua maioria constituído por mulheres. [Wikipédia]

O mistério consiste no cerne do ensinamento contido dentro de um mito específico, reencenado ritualisticamente, por sacerdotes ou sacerdotisas, em um templo ou santuário. A priori, mistério vem de mistes, que eram os sacerdotes de Isis, cujo prestígio e influência aumentaram muito na época de Alexandre, o Grande, a ponto de Isis quase se tornar a Deusa Una. Antes de Isis, a Deusa Ishtar alcançou uma extensão de proporções continentais em numero de adoradores. Curiosamente ambas as Deusas possuíam mistérios que remetiam ao Deus Consorte, o que deixa ainda mais evidente o fiasco das “religiões da Deusa”.

Existem quatro características comuns nas religiões de mistérios:

1. O cerne de cada religião era o emprego de um ciclo anual de vegetação, no qual a vida era renovada a cada primavera e terminava a cada outono. Os seguidores dos cultos de mistério imprimiram significações simbólicas complexas nos processos naturais de crescimento, morte, decadência e renascimento.

2. Faziam uso de cerimônias secretas, frequentemente relacionadas a um rito de iniciação. Todas elas compartilhavam um "segredo" ao iniciado, que consistia basicamente em informações sobre a vida do deus ou deusa cultuado e como os humanos poderiam alcançar a unidade com aquela deidade. Esse "conhecimento" era sempre um conhecimento secreto, inacessível a qualquer pessoa fora do círculo do grupo.

3. Centravam o culto ao redor de um mito, no qual a deidade tinha, como característica principal, o retorno da morte à vida ou o triunfo sobre os inimigos do grupo. Era implícito nos mitos o tema da redenção, mas sob o aspecto terrestre e temporal. O significado secreto do culto e de seu mito era expresso por meio de uma "tragédia sacramental", o que aguçava os sentimentos e as emoções dos iniciados. O êxtase religioso os levava a pensar que estavam experimentando o começo de uma nova vida.

4. Atribuíram pequena ou nenhuma atenção às doutrinas e à reivindicação de possuírem uma crença correta e verdadeira. [fonte perdida]

Ainda que o impacto dos rituais se dava a nível do consciente, do self, trabalhando a partir do interior divino do celebrante, os mitos faziam referência a uma realidade divina externa, daí a transcendência, na qual o celebrante supera seu ego, sua individualidade e consegue, assim, purgar, purificar seu espírito das máculas do corpo e tornar-se uno com o divino.

Assim sendo, sem o mito, sem o divino externo, sem a transcendência, o Self por si só não chega à transcendência. Sem a execução dos devidos rituais, não se ativa a consciência divina do Self que nos torna capazes de conquistarmos esse desenvolvimento espiritual/pessoal. Nem com todo coaching ou terapia behaviorista o indivíduo poderá ser conduzido ao necessário êxtase que arrebata o espírito de volta ao divino. Conclui-se, portanto, que o texto de John é equivocado.

O pagão moderno tem diversos caminhos, cada qual com seus métodos. Sem caminho, sem uma trilha, ainda que nós caminhemos, não se chega a lugar algum sem bússola. Em tempos modernos, onde respostas fáceis e agradáveis são vendidas como sendo a solução de todos os nossos problemas, reafirmar certos princípios e valores chega a ser arriscado, diante de tantos gurus paraguaios e suas multidões de seguidores. Felizmente existem pessoas sinceras, honestas e dedicadas, como este pagão que vos escreve, que irá teimosamente defender a Wicca Tradicional, simplesmente por que meu serviço é para os Deuses.

domingo, 15 de março de 2015

O arcano da estrela

Nesse dia de tensão quando brasileiros mostram o quanto a Midia pode manipular os fatos e começar uma crise institucional onde todos nós sairemos perdendo, eu escolhi o arcano da estrela.
Este arcano mostra uma mulher nua, fazendo uma libação. Sua postura, com um pé na terra e outro no lago, denota uma situação limitrofe, como o buscador, que está entre o mundo material e o mundo espiritual.
Em nossos rituais, a nudez cerimonial é utilizada como sinal de que somos livres. A libação é um ato de devoção que é executada com dois jarros, um em cada mão, sendo um na terra e outro no lago. A libação na terra é a devoção que fazemos aos ancestrais e aos espíritos da natureza. A libação no lago, ou rio, é a devoção aos poderes divinos, visto que a água é um simbolo universal ligado ao mundo espiritual.
Vemos acima da mulher oito estrelas, mas a mulher olha para o lago. Podemos imaginar que a mulher olha para o reflexo das estrelas, para uma imagem, uma ilusão.
No caminho iniciático nós temos que lidar com Maya, o mundo da imagem, do reflexo, da ilusão. Procuramos nesse mundo de aparências por aquilo que realmente ansiamos - a conexão com o mundo espiritual, o mundo divino.
Dizemos em nossos rituais: "se não encontrares o que buscas dentro de ti, jamais irás encontrar fora de ti".
Nomeamos nossos representantes, nossos medianeiros, nossos sacerdotes e cremos piamente na autoridade, na capacidade e competência que o sacerdócio carrega, nos esquecendo que o espiritual, o divino, está em nós mesmos.
Todo homem e toda mulher é uma estrela.

sexta-feira, 13 de março de 2015

O arcano da torre

Para a série de arcanos, retomado recentemente, eu escolhi o arcano da torre.
Há um propósito desta postagem ser na sexta feira treze. Não existem coincidências.
Todos conhecem ou deve ter ouvido falar da Torre de Babel. Mas podemos entender também como pedestal, onde o ser humano costuma a se colocar, induzido pela sua função, pelo seu status, pela sua riqueza, pela sua influência.
A torre ou o pedestal é uma construção artificial, feito por nós mesmo, pela sociedade, pela religião, pela política. Acreditamos ou nos dão tanto crédito de que somos ungidos, coroados, escolhidos, melhores, superiores, que muitas vezes esquecemo-nos de cuidar do alicerce, da base que nos sustenta.
Todo nosso orgulho, vaidade e ilusão se desfazem, em um lance fortuito, fortuna ou destino. Quanto mais alto erguemos nossas torres, nossos pedestais, maior é nossa queda. A torre mostra o quanto, a despeito da função que ocupamos, nós ainda somos humanos e estamos sujeitos a sofrer as mesmas vicissitudes da vida.
Diante do divino, da verdade, da justiça, não existe autoridade suprema, não existe torre intocável, não existe pedestal inquestionável, não existe coroa permanente, não existe sacerdócio imutável.

quinta-feira, 12 de março de 2015

O tiro da bruxa

“A magia é uma linguagem que traduz fenômenos cuja natureza é inteligível para o grupo, o doente e o feiticeiro” – Levi Strauss.

Este texto é uma resenha e uma reflexão, tendo como base o livro “O Tiro da Bruxa”, de Joana Bahia, Editora Garamond.

A palavra tem poder, os antigos o diziam. Muitos são os grimórios que atestam que a palavra, tanto a dita quanto a escrita, tem poder. O que espíritos, entidades e demônios mais temem é que conheçam seus nomes. A palavra não apenas define algo ou alguém, mas estabelece um papel, uma função e um limite. A palavra é construída dentro da cultura de um povo que, através dela, codifica, organiza e explica o mundo.

O livro de Joana Bahia expõe o drama e a saga dos imigrantes alemães no Brasil. Ele mostra o quanto o folclore, enquanto linguagem, nos define, nos aponta e nos situa diante do personagem/signo “bruxa” que, na língua pomerana, tanto pode ser uma mariposa [botarhejs] quanto uma bruxa [hex] e seus desdobramentos, como bruxaria [hexarich] e embruxar/enfeitiçar [farhexa].

“Para muitos, halwnacht is dai unruichst stund (meia noite é a hora mais agitada), pois os rituais de bruxaria são realizados, de preferência, nesse momento, tendo em vista que a vitima se encontra dormindo, totalmente indefesa” [pg. 317].

O choque e o conflito social são traduzidos na dicotomia da cultura urbana versus rural, da religião oficial versus popular. Na instancia pessoal, o conflito é particular e coletivo. Ora suscita orgulho, quando a crença é mantida como tradição; ora suscita vergonha, quando a crença é qualificada como superstição.

Este conflito social e cultural é irreconciliável, se levarmos em conta que a noção de Bruxaria se origina tanto da preservação da religião popular quanto da folclorização do Cristianismo. Quando a conjuntura pressiona uma sociedade, suas crises internas irrompem com força, atingindo sempre os mais fracos, os excluídos, os segregados. A despeito disso, o homem do campo [o colono] mantém seu Flusterbauk, o Livro do Segredo, contendo fórmulas, rezas e benzeduras que sustentam, não apenas o produto da terra, mas também sua identidade e origem.

Podemos então afirmar que a Bruxaria possui sua linguagem, feita de atos, palavras, objetos e circunstâncias. Uma linguagem com uma ortografia e gramática que ganham sentido dentro do folclore, dentro da religião popular. Assim podemos entender a Bruxaria tanto como unidade como diversidade: unidade enquanto pertencendo a um determinada região, povo, família; diversidade enquanto pertencendo a um determinado tempo, histórico, artifício.

Enquanto linguagem, a Bruxaria define e estabelece os papéis, as funções e os limites dos atos, das ferramentas e de seus sujeitos. Enquanto palavra, a Bruxaria ora cede uma identidade a algo ou alguém, ora é apropriada como discurso de poder.

quarta-feira, 11 de março de 2015

O arcano do carro

Depois de receber a noticia do administrador do Google/Blogger de que haveria alterações na política de conteúdo, eu repassei meu blog para retirar qualquer imagem de nudez, apenas para adequar o blog e para ele continuar a ser público, eu percebi que não escrevi sobre todos os arcanos do tarô.
Eu escolhi retomar esse projeto a partir do arcano do carro, que faz parte de um exercício que eu fiz e é perfeito, pois tem muito a ver com o meu histórico, minha jornada e o espírito deste blog. Especialmente depois da tentativa frustrada de uma querida bruxa em tentar me resgatar de mim mesmo. Especialmente depois de eu ter perdido a benção de estar em um treinamento. Especialmente depois de eu ter mais uma vez arrumado confusão com celebridades do mundo pagão. Especialmente depois de eu perceber que minha fama de mau está bem sólida.
O caminho iniciático não serve para morais pequenas, nem para quem tem síndrome de vitima. O caminho iniciático exige apenas que sejamos responsáveis por nossos atos e palavras.
O arcano do carro mostra que a carruagem é impelida por dois cavalos, cada qual vai a uma direção e tem cores distintas, quando não antagônicas. Isso resume bem nossa vida, pois somos constantemente impelidos a direções diferentes, por cobranças sociais, familiares ou legais.
Os cavalos que dão força ao nosso carro são o querer e o ser. Mas podem ser destino e fortuna, ou vontade e amor.

O arcano do carro mostra ao peregrino que seu destino, sua vida, é como o carro de uma carruagem. Ou você conduz seu carro, ou você será conduzido. O caminho iniciático nos conduz para a maestria de nós mesmos.

sábado, 7 de março de 2015

A bruxa de Evora

A feiticeira ou bruxa de Évora é uma das personagens mais populares e misteriosas do folclore português e das lendas de magia, especialmente na esfera da cultura popular. Sua biografia é dispersa, incerta, cheia de contradições. Até onde conduzem as pesquisas, não pode ser considerada figura histórica; no entanto, a sua fama é o suficiente para a considerar como um arquétipo mítico de um certo tipo de bruxa, de feiticeira.
São três as versões existentes, diferentes entre si, para a referida bruxa. Sendo a última a mais completa e mais bem documentada. No entanto se prestar bem atenção, verá que todas elas se tocam em vários pontos, podendo mesmo ser três versões de uma só história.

1ª Versão
Nanaime, a bruxa que habitou Évora


Évora foi um dos corpos habitados por Nanaime. Este nome ficou conhecido por se tratar da cidade onde ela viveu, entre 1700 e 1800.

Tratava-se de uma bela mulher, conhecedora da magia, alquimista da natureza. Embora temida, era muito requisitada por sua fama de resolver as aflições de todos. Usando ervas, flores, realizava banhos, feitiços, amarrações, sempre no intuito de ofertar cura, sucesso e protecção, na vida e no amor. Famosa por resolver tantas questões amorosas, foi justamente o amor que trouxe o seu fim.

O desejo de Nanaime era o de se unir a um semideus para garantir a eternidade de sua prole. E, assim ela o fez, apaixonou-se por um semideus, contudo, ela não conseguia engravidar. Como seu esposo viajava desbravando mares longínquos, ela decidiu retirar uma amostra de seu sangue para ofertar a uma deidade, a fim de conseguir o filho tão sonhado. A magia faz com que ela engravide durante a ausência do marido que ao retornar a condenou à morte por adultério. Ele a mata, esquarteja seu corpo em muitas partes e o  lança ao mar. Até completar a idade de 14 anos, a sua filha é banida e depois morta e enterrada aos pés de uma sagrada árvore, para que a sua alma ficasse ali retida.

2ª Versão
A Moura

A Bruxa de Évora era uma moura, criada na Ibéria, falava bem o árabe, o português e o latim. Foi criada por umas velhas tias que lhe ensinaram as artes mágicas, dando-lhe como talismãs sete moedas de ouro do califa Omir, uma pedra ágata com inscrições árabes e uma chapa de prata com o nome do profeta.

A bruxa era chamada de Moura Torta, usava trapos, mas no seu peito brilhava um amuleto de âmbar. Ela lia o Alcorão e escrevia, sabia matemática, e olhando o céu reconhecia as estrelas, lia a sorte nas areias, nas estrelas e fazia feitiços e curas. Conhecia a magia dos seus ancestrais muçulmanos, mas vivendo no século XIII, também sabia a dos celtas.

A bruxa voava montada em cães, lobos, camelos, carneiros e em vassouras, mas sempre era vista voando no seu bode preto. O bode sempre foi um animal de feiticeiros, talvez por ser muito sensual; sugere pactos com demónios, feiticeiras, seres parte homem e parte animal, força de grande magia. O bode da era pagã emprestou sua forma para o diabo. As bruxas também eram companheiras dos dragões, deram a eles muitos nomes: o terrível, o magnífico, o senhor do mundo, o guardião.

Há muitos demónios companheiros fiéis da bruxa de Évora, os principais são: Abalan (príncipe dos infernos), Abigor (demónio de hierarquia superior), Abrahel (súcubo), Asmodeu (um dos chefes), Adramelech (grande chanceler do inferno), Hecate (deusa infernal), Lúcifer (o maioral), Marbas (presidente infernal), Rowe, (conde infernal), Satã (rei dos infernos) e inúmeros outros.

A Bruxa de Évora tinha um gato preto chamado Lusbel. Apesar de a temerem, os alentejanos buscavam os poderes dessa bruxa: feitiços, sortilégios, banhos, amarração, conjuros, etc..., com a finalidade de obter cura, protecção e sucesso no amor e na vida.

3ª Versão
A Bruxa de Évora e São Cipriano

É difícil até mesmo determinar a época em que viveu. A maioria dos textos/livros sobre uma Bruxa de Évora afirma que ela viveu no século... Outros, dizem que viveu em meados da Idade Média. Todavia, um único de texto de referência permite supor que, na verdade, essa Bruxa é mais antiga, e que poderia perfeitamente ter vivido em pleno século III d.C.

Mítica, é possível que a primeira bruxa de Évora tenha sido tão poderosa e influente que seu nome tornou-se sinónimo para praticantes da bruxaria que vieram muito depois e também fizeram fama desde o antigo oriente Médio, Ásia Menor. Uma ideia de bruxa que alcançou não somente a Península Ibérica mas também toda a região costeira do Mar Mediterrâneo, os Balcãs, as ilhas do mar Mediterrâneo: ao longo de séculos, a expressão "Bruxa de Évora", tornou-se algo como um título.

As pesquisas sobre esta feiticeira indicam que boa parte de sua fama nasce junto com a fama de um outro mago negro controverso: CIPRIANO DE ANTIOQUIA que viveu no século III da Era cristã (anos 200). Este, depois de uma vida dedicada à magia negra, converteu-se ao Cristianismo e foi até canonizado passando fazer parte da história Cristã como São Cipriano.

Segundo as lendas, pois as biografias desses personagens não têm registros históricos precisos, o nome "Bruxa de Évora" [ou Bruxa de Yeborath – Iebora, em árabe يعبرهsignificando Cruzado, cruzamento, encruzilhada] aparece pela primeira vez, no contexto do estudo da História da Bruxaria, ligado ao nome do Santo feiticeiro. Ela teria sido uma das mestras do mago e ele, seu discípulo mais prestigiado, herdeiro de seus feitiços.

Porém, esse encontro NÃO ACONTECEU na península Ibérica, como sugere o termo designativo, distintivo da Bruxa, Évora que é uma cidade histórica de Portugal.
Segundo a biografia do feiticeiro Cipriano, seu encontro com a Bruxa aconteceu na Mesopotâmia, na Babilónia, [actual Iraque] onde se reuniam os ocultistas que estudavam a magia dos antigos Caldeus [sobretudo Astrologia].

Os dois personagens, já legendários: Cipriano, o Feiticeiro e supostamente, um de seus Mestres, sendo uma certa Bruxa de Évora, parecem ser um caso de migração de mitos e sincretismo cultural.

Cipriano e a Bruxa, originalmente, parecem pertencer ao acervo das crenças e figuras mitológicas que chegaram à península Ibérica em diferentes períodos históricos mas que combinaram-se perfeitamente no universo da mítica do sobrenatural: primeiro, chega a lenda Cipriano, já difundida no Martirológio cristão: o caso do Feiticeiro e sua misteriosa mestra de Yeborath. O Bruxo que virou Santo.

Mais tarde, o juntamente com os Mouros sarracenos que invadiram e dominaram o território a partir de 715 d.C., vieram as bruxas misteriosas do Oriente, quase ciganas, as bruxas das Yeborath ou Iebora, das encruzilhadas, das agulhas.

Como foi dito, Cipriano – o Feiticeiro não somente encontrou uma certa Bruxa de Evora em sua passagem pela Babilónia como dela teria herdado os livros, as poções, os segredos do poderes de sua Mestra.
Considerando essa informação como fato possível, uma Bruxa ou feiticeira na/ou da Babilónia seria, naturalmente, versada naquele tipo magia característica da cultura Mesopotâmica, aquela normalmente classificada como magia das trevas, da mão esquerda, magia negra: Goecia, necromancia, vidência, evocações, parcerias com demónios, envultamentos [encantamento à distância: os bonecos de cera e as agulhas], oráculos.

Essas bruxas e bruxos foram aqueles que preservaram alguma coisa das tradições da magia das tribos nômades e reino antigos de tempos ainda mais arcaicos entre os quais destacam-se os Caldeus e os Assírios. Era uma Magia de sombras, frequentemente desprovida de escrúpulos, sem critérios éticos, que livremente associava-se com entidades não humanas e pouco confiáveis: demónios, génios, formas-pensamento, elementais, espíritos de pessoas mortas.

Uma bruxa assim poderia, mesmo ter existido. E não somente uma, mas várias. As bruxas de Évora seriam algo como uma categoria de feiticeiras. Voltando à etimologia da palavra Évora, embora sejam encontradas raízes em solo europeu, não se pode desconsiderar a Yeborath dos árabes que, como foi explicado tem como significado: Cruzado, cruzamento, encruzilhada.

Uma etimologia que sugere a tradução do termo Bruxa de Évora para Bruxa de Encruzilhada ou, bruxa que faz seus trabalhos em encruzilhadas, lugar de Pactos. [Lembrando uma característica que lembra a divindade grega Hécate, senhora dos encantamentos e do mundo dos mortos.]

Com uma pequena mudança gráfica e fonética, se Yeborath é dito Iebora, então o significado muda para Agulha, agulhas e assim resulta, Bruxa das Agulhas. Ou seja, uma bruxa que trabalha com agulhas [supõe este pesquisador, agulhas e bonequinho de cera. Meditemos]...

Investigando a Bruxa pela Raíz

Investigar a trajectória geográfica da figura da Bruxa de Évora ao longo dos séculos passa, necessariamente pelo conhecimento do histórico da localidade de Évora até porque, se o folclore em torno desta personagem começa na Babilônia do século III d.C., a crença se perpetua além Oriente-médio, alcança com toda força mítica a vasta região da península Ibérica e, atravessando o Atlântico junto com os grandes navegadores portugueses e espanhóis, encontrou seu lugar no imaginário dos povos latinos-nativos-afro-americanos.
Se, de fato, existiu uma bruxa de Évora cuja vida se cruza com a vida de São Cipriano, esta personagem viveu [ou teria vivido] no século III, os anos 200 depois de Cristo. Nesta época, Évora era uma cidade romana, a Libetalitas Julia, conquistada em 57 d.C..
Contudo, a palavra Évora, ao que tudo indica é a denominação popular da localidade, antes e depois do domínio romano e, ainda, são várias as explicações para a origem deste nome. Plínio, o Velho (23–79 d.C.) – filósofo e naturalista, cronista romano, em seu livro Naturalis Historia, chama o lugar de Ebora Cerealis, por causa dos campos de trigo que dominavam a paisagem.

Os Celtíberos

Os povoamentos na região, cujo centro, hoje, é a cidade Évora, abriga sítios arqueológicos que datam da Idade do Bronze [1.800 a.C.] e outros ainda mais antigos, do Paleolítico, Neolítico, Calcolítico [Idade do Cobre, cerca de 3.000 a.C]; de muito antes da Era Cristã. Sobre o passado remoto de Évora escreve J. Saramago:
Chamaram-lhe Ebora os celtiberos, e como Ebora Cerealis a tem nomeado Plínio, o Velho, na sua História Natural, o que servirá para dar testemunho de que as planuras transtaganas já davam pão pelo menos dez séculos antes que os "alentejanos" (os que viveram e vivem além do Tejo...) se tornassem portugueses (SARAMAGO, 2001).
Mitologia-folclore cristão-pagão e sarraceno [mouros] são apenas dois dos elementos que se misturam na composição da lenda e das imagens relacionadas à Bruxa de Évora. Uma influência ainda mais recuada repousa na história dos fascínios e medos dos povos que habitaram a Península antes de romanos ou mouros.
São os bárbaros celtiberos, dos quais fala Saramago no texto acima e outras nações várias que se miscigenaram com os supostos autóctones [nativos do local] lusitanos oulusitani [em latim] a maior das tribos ibéricas. Os lusitanos propriamente ditos são, geralmente, considerados como proto-celtas, celtas primitivos, migrantes, provenientes do norte europeu, mais especificamente os Célticos.

A Magia dos Celtíberos

Uma xamã, ou feiticeira ibérica, [ou um xamã, o gênero é incerto] figura central no culto da Fertilidade, no Ocidente. É uma sacerdotisa. No peitoral, sete símbolos do sol. British Museum.
Estes primeiros habitantes organizados em aldeias e tribos da região, os celtiberos praticavam a magia européia ocidental mais primitiva, ainda eivada de crenças e práticas pré-históricas, como os sacrifícios humanos, por exemplo.
Também o pesquisador Antônio Alvarez, de língua espanhola, reconhece como primeiros povos históricos da Península Ibérica: Iberos, Tartésios, Celtas e os Celtíberos, como indica o nome, mistura de celtas e iberos.
A maioria dos historiadores concorda que esses povos viviam conflitos constantes e guerreavam entre si com certa freqüência. Viviam em tribos. Eram caçadores, pescadores mas também agricultores e pastores.
No âmbito do religioso e sobrenatural, os Celtíberos eram politeístas, adoradores do Sol, da Lua e das estrelas. Rendiam culto a espíritos de forças da Natureza que, acreditavam, habitavam as montanhas, os bosques, as águas.
Porém, acima de todas a divindades, adoravam um Deus Único Supremo: o Desconhecido, que festejavam nas noites de lua cheia, dançando nas portas das casas e sacrificando vítimas humanas. (ALVAREZ, 1998 – p 404).
Nesse contexto, o papel das mulheres tinha grande relevância posto que exerciam o papel de Xamãs, curandeiras que se utilizavam do conhecimento das virtudes e das peçonhas fornecidos pela Natureza, poções para o bem e para o mal extraídas de vegetais, animais e minerais. No alvorecer da História, as bruxas eram como médicas: do corpo, da alma; intermediárias entre os homens e as forças da Natureza.
Foi essa magia primitiva que, aos poucos, transformou-se na Bruxaria da península Ibérica, resultado da interação com saberes de outras nações: romanos pagãos, romanos cristãos, bárbaros outros, pagãos originais ou romanizados; bárbaros cristianizados, Mouros (muçulmanos, Sarracenos).
Sobre a relação entre Évora e os celtíberos, estudos indicam que, a palavra e o lugar podem estar ligados a uma antiga divindade celta cultuada na região: Eburianus cujo símbolo é a árvore do Teixo. Houve tempo em que os lusitanos chamavam a atual localidade de Évora de Eburobrittium.

Segundo o Livro de São Cipriano

Segundo o livro de São Cipriano [o feiticeiro, século III d.C. anos 200], capa de Aço, no tempo em que os mouros viviam na região portuguesa de Évora, o rei mouro Praxadopel ali construiu um castelo, em Montemur.
"Nesse lugar, hoje chamado Castelo de Giraldo [referência a Geraldo, o Sem Pavor – ... -1173? herói da reconquista da terra lusa ocupada pelos mouros], transformado em ruínas pelo passar dos séculos, em meio às pedras, louvado nas noites escuras pelo uivo de lobos e chacais, no fundo da propriedade, ocultos embaixo de montes de pedras, no Túmulo de Montemur, foram encontrados os restos mortais de sete pessoas e pergaminhos escritos por Lagarrona, a Feiticeira de Évora (também chamada Lagardona ou La Guardona)."
Os mouros, povos do oriente médio, somente poderiam ter ocupado a região depois período de expansão dos domínios árabes em suas incursões em território europeu, em uma época, portanto, pós-fundação do Islamismo. Porém as referências à uma bruxa de Évora remontam aos primeiros séculos do Cristianismo, por volta do século III, coincidindo com o período de vida de do bruxo Cipriano. Eis uma prova da dificuldade de identificar a historicidade dessa feiticeira tão famosa.

Folclore da Bruxa de Évora em Portugal

No tempo em que os mouros viviam na região portuguesa de Évora [e os mouros chamavam a cidade de Yeborath a Liberalitas Julia da época da dominação romana], o rei mouro Praxadopel ali construiu um castelo em Montemur [região vizinha de Évora cujo centro é a cidade de Montemor].
Nesse castelo, hoje chamado Castelo de Giraldo, transformado em ruínas pelo passar dos séculos, em meio às pedras, louvado nas noites escuras pelo uivo de lobos e chacais, que, no fundo da propriedade, enterrada entre montes de pedras, está o Túmulo de Montemur. Nele foram encontrados os restos mortais de sete pessoas e pergaminhos [supostamente] escritos por LAGARRONA, a feiticeira de Évora.
Frei Antão de Sis, estudioso dos fenômenos mágicos e da feitiçaria, através dos pergaminhos, encontrou a casa da bruxa, ainda em pé, apesar do tempo. Descreveu-a como uma casa diabólica... No meio dela havia uma cova da altura de um homem. As paredes internas estavam repletas de desenhos representando lagartos, cobras, lagartixas caracóis, rãs, escaravelhos, símbolos egípcios, vespas, baratas e outros bichos peçonhentos.
Do lado de fora, havia quatro sapos e várias figuras de meninos tendo nas mãos molhos de varinhas de ervas com os quais ameaçavam os sapos. Ainda dentro da casa, em dos cantos dessa casa mal-assombrada havia a escultura de pedra de um cavalo-homem, como um centauro. Noutro lugar, outra estátua, esta, a de uma mulher-serpente. Em certo ponto do chão ladrilhado com cerâmica negra, uma inscrição:

O primeiro a abrir esta cova
Verá coisas jamais vistas
Cava por diante para que resistas [enfrentes]
ao grande temor que seu peito prova
Verás sortilégios mágicos que prendem os homens,
o filtro do amor que amarra as mulheres.
Não temas, não temas. Não mostres temor:
acharás sucessos, magia e amor
e, por certo, em tudo será vencedor.

Gran libro de San Cipriano o los tesoros del hechicero, 1985

A bruxa de Évora Nos Livros

Em Portugal a Bruxa de Évora é o modelo de bruxa. Mas não somente em Portugal: este modelo de bruxa está na fantasia de toda a Península Ibérica e nos territórios que foram descobertos e conquistados pelos grandes navegadores ibéricos da Idade Moderna.

No primeiro, no que se refere à biografia da Bruxa, o que se encontra, logo no primeiro capítulo é uma reprodução e/ou tradução de outro texto de autor praticamente desconhecido: capítulo do Livro de São Cipriano, sabe-se lá em qual de suas repetitivas versões mas, muito possivelmente da edição em espanholGran Libro de San Cipriano o los tesoros del hechicero.

O capítulo, intitulado La Hechicera de Evora o Historia de La Siempre Novia (Siempre Novia, referência uma das lendas mais difundidas sobre a Bruxa) teria sido, supostamente, extraído [todo o capítulo] de um manuscrito cujo autor é um certo [ou incerto] Amador Patrício.

Outro supostamente episódio biográfico sobre a Bruxa relata o paradoxal encontro da Feiticeira com o Bruxo Cipriano, já cristianizado mas ainda especialista em bruxedos. O caso é conhecido com O Encontro de São Cipriano com a Bruxa de Évora. Neste encontro, Cipriano não parece um discípulo diante de uma antiga mestra. Ao contrário, é a bruxa, já em avançada idade que recorre ao novo cristão para realizar um feitiço que lhe renderia [a ela, bruxa] bom dinheiro. Trata-se dofeitiço da cobra grávida, para segurar marido.

O ex-bruxo propõe uma barganha: a conversão da bruxa ao Cristianismo em troca da fórmula mágica. A bruxa aceita e eis a feiticeira de Évora transformada em penitente velhinha cristã. Ao final, a receita profana, destinada a recuperar o marido da contratante, uma jovem senhora da nobreza, pede o favor para a réptil gestante [a cobra grávida!] mas, isso em nome de Deus e da Virgem Maria! Uma combinação extravagante de feitiço pagão e reza cristã.

Santander, autor deste livro, O Livro da Bruxa ou Feiticeira de Évora, este autor é tão difícil de identificar e datar quanto a própria Bruxa de Évora. Ele começa sua obra sem qualquer introdução, identificando o período de vida da personagem que dá nome ao livro com o tempo da dominação Sarracena na península Ibérica, ou seja entre o século VIII e começo do século XII.

Escreve Santander: No tempo em que os mouros viviam na região portuguesa de Évora... E ao longo do capítulo descreve o que seriam os últimos anos de vida da Bruxa, claramente qualificada como Moura, muçulmana. No relato, a feiticeira tem um filho adulto e mau. Chamado Candabul, desejou possuir uma jovem donzela cristã. A bruxa ajuda no rapto da moça, providencia a morte por enfeitiçamento todos os pretendentes dela. Mas o mal-feitor é preso e condenado à morte. Mais uma vez a bruxa interfere e se empenha em produzir mágicos meios de fuga para Candabul.

O fantasma da Bruxa

Caçada pelos agentes da Lei, depois de várias peripécias, ela acaba morrendo durante um acidente na realização de um de seus feitiços, que fazia em uma tentativa desesperada de escapar da Justiça. Quando chegaram os soldados, encontraram-na morta. Não foi sepultada. Como punição post-mortem, foi pendurada na porta da própria casa e ali ficou apodrecendo e sendo devorada pelos abutres e vermes. O cadáver, lentamente virando ossada, oscilando ao sabor das ventanias, era uma visão macabra que parecia vigiar o lugar e a bruxa morta passou a ser chamada de La Guardona [ou, as corruptelas, Lagarrona e Lagardona], algo como A Guardiã... da casa, de suas ruínas e arredores. O local, naturalmente, passou a ser temido e considerado como assombrado [Gran Libro de San Cipriano o los tesoros del hechicero, 1985].

Lendas, Fórmulas e Segredos

Torna-se claro que os relatos sobre a bruxa de Évora são de fato, um conjunto de lendas e seus supostos escritos são de origem desconhecida, excertos de Grimórios mais antigos de autoria igualmente duvidosa. Alguns são atribuídos a este ou aquele mestre mais conhecido na esfera do folclore, da cultura popular, como Alberto, o Grande, Papa Honório, bruxo Atanásio e o próprio Cipriano, o feiticeiro.
Muitas das receitas dos Grimórios são fórmulas de remédios caseiros, acervo de um saber muito útil em uma época em que a medicina dispunha de toscos recursos e médicos com estudo eram poucos e para ricos. Muitos dos Segredos da Bruxa revelados no livro de Amadeo de Santander fazem parte da sabedoria popular dos curandeiros e curandeiras de linhagem imemorial, uma herança que durante muito tempo foi preservada e transmitida através da cultura oral.
A própria Bruxa apresentada por A. de Santander em sua pretensa-original tradução-reprodução do Único e autêntico manuscrito comprovado pelos sábios da Galícia extraído do Flor Sanctorum, datado dos tempos dos mouros de Évora, a feiticeira comenta revelando algo possivelmente verídico na vida de muitasBruxas de Évora: que seus conhecimentos foram-lhe ensinados pela mãe, segredos passados de geração em geração. Explicando a Cipriano em que consiste o seu [dela] feitiço da Cobra Grávida Para Prender Marido ela revela algo de recorrente na biografia dessas bruxas de Encruzilhadas:
É pele de cobra com flor de suage [ou sage, Artemisia vulgaris ou, ainda, flor-de-são-joão, erva-de-são-joão, artemísia-verdadeira, losna, absinto.L.C.] e raiz de urze [Erica Lusitanica ou torga e/ou Calluna vulgaris] que estou queimando em nome de Satanás, para defumar as roupas do duque [o Grão Duque de Terrara] e ver se o desligo daquela mulher [uma amante]. Esta mágica foi sempre infalível quando minha mãe a praticava debaixo dessas abóbodas em que as mãos dos homens não tomaram parte. Minha mãe desligou com ela [a tal magia] mancebais[relações extraconjugais] de nobres e monarcas...
(SANTANDER, p 13)
Compilados em manuscritos medievais, organizados em volumes raros, artesanais, ornados com finas iluminuras, a grande enciclopédia dos saberes populares, pagãos, curiosamente, começou a ser organizada, não raro, pelo monges escribas das grandes escolas e bibliotecas de mosteiros da Cristandade medieval. Provavelmente foi da pena dos monges que surgiram os primeiros Grimórios e/ou Engrimanços. Com o advento e evolução da imprensa, ou seja, depois de Johannes Gutenberg [Johannes Gensfleisch zur Laden zum Gutenberg, 1398-1468 – alemão, considerado inventor/introdutor da imprensa no Ocidente], esses conhecimentos documentados em registros escritos tornaram-se disponíveis em numerosas cópias que ganharam o mundo em letras de forma, em publicações variadas, de folhetos baratos, almanaques de curiosidades até custosas e exclusivas edições.

A Bruxa de Évora por Maria Helena Farelli

Em A Bruxa de Évora, Maria Helena Farelli (2006) apresenta a personagem como arquétipo folclórico luso-hispano-brasileiro, com ênfase nas raízes portuguesas da lenda, já devidamente hibridizadas entre: 1. o druidismo celtíbero doméstico; 2. o culto romano à deusa Diana [correspondente à grega Artemis], cujas ruínas do templo ainda podem ser visitadas em Évora; 3. a figura mítica da moura feiticeira, freqüentemente apresentada, simplesmente e depreciativamente como aMoura Torta, um modelo de bruxa, tudo isso misturado ao – 4. ritualismo cristão das orações e adoração dos santos e das relíquias e nome sagrados.

Em Farelli (2006), a narrativa passa, como é necessário, pela história da nação lusitana, detendo-se em período em que a cultura popular mística-religiosa já tinha absorvido elementos que ficaram como herança do tempo da dominação islâmica-sarracena em toda a península Ibérica. Boa parte dessa herança consiste no universo misterioso na magia semita, caldaica, mesopotâmica: dos magos-alquimistas, astrólogos, videntes, quiromantes, necromantes – invocadores de gênios e espíritos dos mortos, magia-negra, também, sim, da mais antiga tradição árabe, pré-Islã. Segundo Farelli a Bruxa de Évora era a ...guardadora dos segredos dos feitiços do Oriente, a que voava em camelos alados... (FARELLI, 2006 – p 15).

Sobre o sincretismo no qual foi forjada a Bruxa de Évora, a autora escreve: ...o português sempre acendeu uma vela para Deus e uma para o outro. Até na Igreja ele fazia mirongas... Até os padres eram acusados desses feitos. Mas os considerados grandes bruxos eram os mouros e os judeus... (Idem, p 29). E mais: ...segundo a lenda, a Bruxa de Évora era moura... árabe ou mourisca... morena... (Ibid., p 29).  

Bruxa Erudita

Em relação à aparência, A Bruxa de Évora (FARELLI, 2006) apresenta o arquétipo folclórico da personagem em sua velhice. Esta esta é uma daquelas bruxas velhas e esquivas dos contos infantis. Mas, ao contrário do modelo da curandeira intuitiva, analfabeta, camponesa ignorante cujo conhecimento é todo proveniente de experiência pessoal e herança de tradições orais, em Farelli (Idem) a bruxa de Évora é praticamente uma erudita. Alfabetizada, poliglota, ela fala, lê e escreve em português [o gentílico da época], árabe e latim.
Sem citar sua fonte de informação, a autora enfatiza: Sabia matemática... reconhecia as estrelas,... sabia ler a sorte nas areias... Ela conhecia a magia de seus ancestrais muçulmanos* mas, vivendo no século XIII [anos 1200], também sabia [da magia] dos celtas... (FARELLI, 2006 – p 33). Todavia, a moura pagã era, ao mesmo tempo, devota cristã: ...a velha bruxa já tinha feito a peregrinação a Santiago de Compostela [tradição cristã]... Já tinha ido à Sé de Braga, muitas vezes, pagar promessas... (Idem) ...E, ainda: ...a bruxa de Évora não era uma herética. Era uma mulher que conhecia as rezas (Ibid., p 41).
Além disso, essa Bruxa de Évora era uma senhora em situação social e de comportamento atípicos para sua época. Vivia bem [ou seja, não passava dificuldades financeiras, materiais]. Tinha dinheiro proveniente da prestação de seus serviços mágicos e/ou técnicos-científicos. Porém, consciente do espírito dos tempos medievais, não ostentava riqueza ou poder. Era discreta, sabiamente. Andava pobremente vestida, Era seu jeito de ficar invisível e evitar confrontos com as autoridades religiosas.

Flos Sanctorium ou Flos-Santorio: Flor dos Santos

Como todo ocultista, seja leigo ou erudito, considerando uma figura histórica da Bruxa como precursora ou símbolo de um mito, a Bruxa de Évora, alfabetizada que era possuía ou devia possuir seu próprio Livro [ou livros] de estudos e anotações contendo fórmulas de elixires, ungüentos, poções, rezas, rituais e outros saberes. Nos meios exotéricos, o livro de registros pessoais de uma bruxa é chamado Livro das Sombras.

Um possível Livro da Bruxa de Évora seria – ou foi e é, um objeto que, se autêntico, atraiu e atrai curiosidade e cobiça proporcional à força lendária de sua suposta autora. Um objeto digno de um Museu de história da cultura ocidental. De fato, este Livro é um dos elementos mais explorados do folclore em torno da Bruxa; explorado, inclusive, no mercado editorial.

Porém, o texto que tem atravessado séculos e que Amadeo Santander reproduz em seu Livro da Bruxa (s/data), este texto é uma mutação de autoria desconhecida o suficiente para ser considerado de domínio público. Na folha de rosto de uma edição recente Santander e/ou a editora [seja lá quem for este autor] declara que a obra reproduz o único e autêntico manuscrito... [cópia] do original extraído dos Flos Sanctorum, datado do tempo dos mouros de Évora.

Esta informação é uma encruzilhada na pesquisa: ocorre que o Flos Sanctorum [ou Florilégio dos Santos, Flor dos Santos] a princípio, é Hagiografia: um livro que reúne biografias de santos [?!]. E a situação se complica posto que o Flos Sanctorum, segundo estudos é, por sua vez, reedição de um livro mais antigo, A Lenda Áurea ou A Legenda Áurea que também é, essencialmente, coletânea de vidas de santos, escrito-compilado por Jacobus de Voragine [1230-1298, italiano, religioso dominicano, arcebispo de Gênova], datado em em torno do ano de 1260.

A questão é: como pode, o Livro da Bruxa apresentado por A. Santander ser extrato, derivação de um Flos Sanctorum de qualquer século? Tudo indica que o Livro da Bruxa não é, de modo algum derivado de manuscritos de uma Bruxa de Évora. O nome da Bruxa, nesse caso, tal como no caso do penitente Bruxo Cipriano é usado como atrativo de mercado. Caso simples de propaganda enganosa. Em ambos os casos, os Livros atribuídos aos lendários autores são coletâneas de simpatias e receitas populares, tradicionais, resgatadas do acervo da cultura oral, misturadas com rezas e saberes práticos destinados a solucionar os problemas do corpo e da alma do Homem medieval.

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