domingo, 27 de novembro de 2011

A invenção do natal

Embora tradicionalmente a data represente a celebração do nascimento de Jesus, o festejo do Natal precede o próprio Cristianismo. Não há uma data exata definida, mas há relatos históricos de que as comemorações antecedem de 2 a 4 mil anos o nascimento de Jesus. "A origem do Natal é muito vaga", afirma Jany Canela, mestre em educação e graduada em História pela Universidade de São Paulo. "Na verdade, é sabido que muitos rituais e festas do Cristianismo eram originalmente tradições pagãs reunidas de maneira a incorporar também a cultura popular", afirma Jany.
Muitos antes do nascimento de Jesus, um antigo festival na Mesopotâmia, chamado Zagmuk, simbolizava a passagem de um ano para outro. As comemorações duravam 12 dias e a tradição dizia que, por conta do solstício de inverno (que marca a noite mais longa do ano), os monstros do caos ficavam furiosos. Para lutar contra eles, o rei deveria morrer no fim do ano e, ao lado do deus Marduk, ajudá-lo nessa batalha.
Para poupar o rei, um criminoso era vestido com suas roupas e tratado com todos os privilégios do monarca, sendo morto e levando todos os pecados do povo consigo. "Os povos antigos sempre realizaram festas de celebração em deferência aos marcos de transição da natureza, como as estações ou períodos representativos de mudanças importantes, entre eles o solstício (em dezembro) e o equinócio (em março)", explica Jany.
Um ritual semelhante, chamado de Sacae, era realizado pelos persas e babilônios. Sob os mesmos pilares da luta contra a escuridão, a versão também contava com escravos tomando lugar de seus mestres. "Por conta da relação luz/escuridão trazida pela simbologia do solstício, a teoria mais difundida sobre o Natal associa a data a esse período, em que alguns povos passavam a noite em vigília com tochas acesas para garantir que o sol nascesse e imperasse sobre a escuridão", afirma a historiadora.
Os gregos: homenagem a Saturno
A Grécia antiga também incorporou os rituais estabelecidos pelos mesopotâmios ao celebrar a luta de Zeus contra o titã Cronos. O costume alcançou os romanos, que passaram a realizar a Saturnalia (em homenagem a Saturno). A festa começava no dia 17 de dezembro e ia até o 1º de janeiro, comemorando o solstício do inverno. De acordo com os cálculos do povo, o dia 25 era a data em que o sol se encontrava mais fraco, porém pronto para recomeçar a crescer e trazer vida às coisas da Terra.
Durante o dia 25 de dezembro, conhecido como o Dia do Nascimento do Sol Invicto, não havia trabalho nem aulas e eram realizadas festas nas ruas, grandes jantares com amigos, além de que as árvores verdes eram ornamentadas com galhos de loureiros e iluminadas por muitas velas para espantar os maus espíritos da escuridão.
O Cristianismo
Segundo o Cristianismo, Maria deu à luz o filho de Deus, chamado Jesus, em um estábulo em Belém. No dia 25 de dezembro, entre bois e cabras, Jesus nasceu, sendo enrolado com panos e deitado em uma manjedoura (objeto usado para alimentar os animais). No entanto, a data exata do nascimento é polêmica.
Cross Content
Especial para o Terra
Nada de novo sob o sol. Nesta época do ano aparecem artigos e notícias divulgando aquilo que nós sabemos desde criancinhas.

Deuses não são para serem interpretados

Eu encontrei uma curiosa reflexão na SW, por parte de Herne, sobre a estranha mania de pagãos/bruxos/wiccanos acharem que os Deuses são como livros, estão abertos a "interpretação".
A “interpretação” não é apenas um exercício racional, mas antes de mais nada uma postura cultural. Explico: interpretamos as coisas (fatos, histórias, ritos, atos, etc) a partir de um conjunto de idéias que já trazemos em nós. Esse conjunto é sempre dado pela sociedade em que somos criados e introjetados através da educação (formal e informal). Ou seja: a cultura nos dota com óculos através dos quais vemos o mundo (e que também nos faz cegos para o que não conseguem passar por eles). Esse é o principal desafio dos antropólogos e etnólogos: conseguir tirar esses óculos e tentar vestir os óculos da outra cultura para poder vê-la a partir de si mesma e, então, tentar uma tradução dos significados daquela cultura para uma linguagem da nossa cultura, tornando-a compreensível para nós.
O sagrado de um povo também sofre essa “deformação”: acabamos por olhá-lo com os óculos de nossa cultura e o INTERPRETAMOS a partir do nosso conjunto de idéias. Para nós, por exemplo, é estranho que hindus passem fome com aquele imenso rebanho de vacas... mas eles nos olham horrorizados pela na falta estupidez e selvageria por comermos carne bovina no cotidiano. Nós os INTERPRETAMOS como atrasados; eles nos INTERPRETAM como selvagens abomináveis. Muitos acham abomináveis os costumes religiosos africanos e afro-brasileiros de sacrificar animais aos seus orixás... eles acham engraçado (e estranho) como essas pessoas têm tanto medo da morte e não compreendem que a essência do animal sacrificado, longe de ser violentada, foi elevada.
Não creio que Baal, Lucifer, Lillith se “transforme” naquilo que as pessoas pensam deles. Eles são o que são. A questão está – como colocou o Rufus – na INTERPRETAÇÃO que se faz desses (e outros deuses) a partir de critérios éticos, morais, sociais... enfim, culturais por outros povos. E eles continuam interpretados como “maus, perigosos, não-confiáveis” não porque o são ou se tornaram, mas porque estão sendo olhados com óculos estranhos àquela cultura.
Deixa te dar um exemplo: Pachamama é INTERPRETADA pelos ocidentais como uma DEUSA. E, quando se usa esse conceito, se traz à consciência todas as características desenvolvidas pelas culturas daquela região do planeta. Muitos de nós, inclusive, ainda pensamos em Deuses e Deusas dentro daqueles mesmos critérios cristãos: seres onipotentes, onipresentes, oniscientes, que controlam ou têm poder para interferir na nossa vida, para o bem ou para o mal... e isso se traduz na instituição da monarquia e/ou da concentração (e, as vezes, centralização) de poder nas mãos de uma pessoa. Essa idéia para os povos indígenas sul-americanos é totalmente estranha. Pachamama, Inti, Ñanderu, Mama Quilla... não são “deuses”, mas Espíritos que não tem poderes, mas capacidades... como nós, humanos, também temos capacidades. Particularmente é estranha essa idéia de que eles podem intervir na nossa vida, sobretudo para castigar. No conceito guarani, um “deus” que faça qualquer tipo de mal a uma pessoa simplesmente não é um deus! E por “qualquer tipo de mal” não estou falando só do castigo, mas até das idéias de “lei tríplice”, “cagada mágica”, “trapaça”, etc. E tudo isso se traduz na falta de instituições e papéis sociais que concentrem poder.
Muitas vezes, estamos com os olhos tão viciados pela nossa própria cultura que simplesmente não conseguirmos ver nada além dela. E acabamos interpretando erroneamente as coisas. Inclusive, os Deuses de outros povos.
Quanto à questão do "trabalho mágico reunindo pessoas com visões diferentes sobre o(s) Deus(es) que serão celebrados"... há muita coisa a se pensar.
Primeiro: será mesmo que os Deuses atendem a qualquer "chamado"? De qualquer pessoa? Você atenderia? Digo: se um estranho passa por você na rua e, todo sorridente, te convida a ir numa festa na casa dele, você iria??? Se te oferecesse comida, você comeria??? Se te oferecesse flores, você aceitaria??? E de te pedisse "favores especiais", você atenderia??? Por que achamos que os Deuses são mais ingênuos que nós?
Baal, Lúcife, Lillith não são órfãos de povo! Eles fazem parte de um contexto e só nesse contexto eles podem ser entendidos a ponto de serem chamados de forma que eles próprios compreendam. E atendam. Há formas, ritos, rituais, simbolos, odores, cores, palavras, idiomas etc, etc que eles reconhecem como sendo do seu "grupo". E para se ter ciência de todas essas informações, é preciso aprender de quem sabe. É preciso ser INTRODUZIDO naquele contexto sagrado, saber caminhar por aquele ambiente... e, então, ir se tornando conhecido (e reconhecido) pelos Deuses.
A partir desse ponto de vista, acho impossível que duas pessoas com visões antagônicas de um Deus ou Deusa possam fazer alguma coisa juntos. Ou melhor: possam fazer algo que realmente seja reconhecido por esse Deus ou Deusa a ponto de atender ao chamado.
Ver tal reflexão na comunidade pagã brasileira é um alívio, diante da Casa de Mãe Joana que é divulgado pela internet.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Sacerdócio e confrarias religiosas

O culto público, sob o controle do Estado, era efetuado por certo número de oficiantes e confrarias religiosas. Na época da monarquia, o rei ocupava o primeiro posto na hierarquia sacerdotal: era o rex sacrorum. Infelizmente, pouco se sabe sobre a maneira como eram celebrados os ofícios. Sabe-se no entanto que, na Regia, a casa do rei, praticavam-se três categorias de ritos: destinados a Júpiter (ou a Juno e a Jano), a Marte e a uma deusa da abundância agrícola, Ops Consina. Desse modo, a casa do rei era o lugar de encontro, e o rei, o agente de síntese das três funções fundamentais que, como em breve veremos, eram administrados separadamente pelos flamines maiores. É lícito supor que, já na época pré-romana, o rex tinha a seu lado um corpo de sacerdotes. Contudo, a religião romana caracteriza-se por uma tendência ao fracionamento e à especialização. Em Roma, cada sacerdote, cada colégio ou sodalidade tinha sua competência específica.
Depois do rex vinham, na hierarquia sacerdotal, os 15 flamines, em primeiro lugar os flâmines maiores: os de Júpiter (flamines Dialis), de Marte e de Quirino. Os flâmines não formavam uma casta; além disso, não constituíam sequer um colégio; cada flâmine era autônomo e ligado a uma divindade da qual tirava seu nome. A instituição é por certo arcaica; os flâmines distinguem-se por seu costume ritual e por um grande número de proibições.
Para os flâmines de Marte e Quirino, as obrigações e proibições eram menos severas.
São poucas as informações que temos sobre a origem do colégio pontifical. O colégio compreendia, além dos pontífices, o rex sacrorum e os flâmines maiores. Ao lado do flamen Dialis, o pontifex desempenhava, no círculo sagrado do rei, uma função complementar. Os flâmines exerciam seus ofícios de certa forma "fora da história"; efetuavam regularmente as cerimônias prescritas, mas não tinham o poder de interpretar nem de resolver situações inéditas. A despeito de sua intimidade com os deuses celestes, o flamen Dialis não traduzia a vontade do Céu, responsabilidade afeta aos áugures. Por outro lado, o colégio dos pontífices, mas precisamente o pontifex maximus, de quem os outros eram apenas o prolongamento, dispunha ao mesmo tempo de liberdade e de iniciativa. Comparecia às reuniões em que se decidiam sobre os atos religiosos, respondia pelos cultos sem titulares e fiscalizava as festas. No tempo da República, incumbia ao pontifex maximus criar os flâmines maiores e as vestais sobre os quais possuíam poderes disciplinares e ser o conselheiro, por vezes o representante destas últimas.
As seis vestais estavam vinculadas ao colégio pontifical. Escolhidas pelo sumo pontífice entre os seis e os doze anos de idade, as vestais eram ordenadas por um período de 30 anos. Protegiam o povo romano alimentando o fogo da cidade, que tinha a obrigação de nunca deixar se extinguir. Sua força religiosa dependia da virgindade: se uma vestal incorresse em falta contra a castidade, era enterrada viva num túmulo subterrâneo, e seu parceiro era supliciado.
O colégio augural era tão antigo e tão independente quanto o colégio dos pontífices. Mas o segredo da disciplina foi bem guardado. Sabe-se apenas que o áugure não era convocado para desvendar o futuro. Seu papel limitava-se a esclarecer se este ou aquele projeto era fas. Entretanto, já no fim da realeza, os romanos começaram a consultar outros especialistas.
Além destes colégios, o culto público compreendia muitos grupos fechados ou sodalidades, cada qual especializado numa técnica religiosa particular. Os 20 Fetiales sacralizavam as declarações de guerra e os tratados de paz. Os salii, dançarinos de Marte e de Quirino, em grupos que contavam com 12 membros cada um, atuavam em março e em outubro, sempre que se dava a passagem da paz à guerra e da guerra à paz. Os Frates Arvales protegiam os campos cultivados. A confraria dos Luperci celebrava, em 15 de fevereiro, os Lupercalia.
Tanto no culto público quanto no privado, o sacrifício consistia na oferenda de determinada matéria alimentar: primícias de cereais, uva, vinho doce e principalmente vítimas animais. Com exceção do cavalo de outubro, o sacrifício das vítimas animais obedecia à mesma encenação. Efetuavam-se libações preliminares sobre o lar portátil (foculus), que representava o foculus do sacrificante, e situava-se em frente ao templo, ao lado do altar. Em seguida, o sacrificante imolava simbolicamente a vítima, passando a faca sacrifical sobre o corpo, da cabeça até a cauda. Nos primeiros tempos, ele abatia o animal, mas no ritual clássico essa tarefa era desempenhada por certos sacerdotes (victimarii). A parte reservada aos deuses - fígado, pulmão, coração e alguns outros pedaços - era queimada sobre o altar. A carne era consumida pelo sacrificante e por seus companheiros no culto privado, e pelo corpo de sacerdotes nos sacrifícios celebrados em favor do Estado.
Autor: Mircea Eliade em "História das Crenças e das Idéias Religiosas II", pg 112 - 115, Editora Zahar.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O culto privado

Até o fim do paganismo, o culto privado - dirigido pelo pater familias - manteve sua autonomia e importância ao lado do culto público, efetuado por profissionais subordinados ao estado Ao contrário do culto público, que sofreu contínuas modificações, o culto doméstico, realizado em volta do lar, não parece ter mudado muito durante os 12 séculos da história romana. Trata-se certamente de de um sistema cultural arcaico, pois é encontrado em outros povos indo-europeus. Tal como na Índia ariana, o fogo doméstico constituía o centro do culto: eram-lhe oferecidos sacrifícios alimentares quitidianos, flores três vezes por mês etc. O culto endereçava-se aos penates e aos lares, personificações mítico-rituais dos antepassados, e aos genius, espécie de "duplo" que protegia o indivíduo. As crises deflagradas pelo nascimento, pelo matrimônio e pela morte exigiam ritos de passagem específicos regidos por certos espíritos e divindade menores. A cerimônia religiosa do casamento processava-se sob os auspícios das divindades ctonianas e domésticas e de Juno com protetora do juramento conjugal, e comportava sacrifícios e passeios ao redor do lar.
Os ritos funerários, que terminavam no nono dia após o enterro ou inumação, prolongavam-se no culto regular dos "pais defuntos" (divi parentes) ou manes. Duas festas eram-lhe consagradas: os Parentalia, em fevereiro, e os Lemuria, em maio. Durante as primeiras, os magistrados não ostentavam suas insígnias, os templos eram fechados, os fogos extintos sobre os altares, e não se contraía casamento. Os mortos retornavam à terra e se serviam do alimento depositado sobre os túmulos. Mas era sobretudo a pietas que apaziguava os antepassados (animas placare paternas). Como no antigo calendário romano fereveiro era o último mês do ano, ele compartia a condição fluída, "caótica", que caracterizava esses intervalos entre dois ciclos temporais. Estando suspensas as normas, os mortos podiam retornar à terra. Era ainda em fevereiro que se desenrolava o ritual dos Lupercalia, purificações coletivas que preparavam a renovação universal simbolizada pelo "ano-novo".
Durante os três dias dos Lemuria, os mortos (lemures) retornavam e visitavam as casas de seus descendentes. A fim de apaziguá-los e de impedir que arrastassem consigo alguns vivos, o chefe da família enchia a boca de favas pretas e, enquanto cuspia, pronunciava nove vezes as seguintes palavras: "Com estas favas redimo a mim e os meus." Finalmente, fazendo barulho com um objeto de bronze para amedrontar as sombras, repetia nove vezes: "Manes de meus pais,afastem-se daqui!" A recondução ritual dos ortos, depois de suas visitas periódicas à terra, é uma cerimônia amplamente difundida no mundo.
Lembremos também outro rito relacionado aos manes: a devotio. O ritual da devotio ilustra uma concepção arcaica do sacrifício humano como "homicídio criador". Trata-se, em suma, de uma transferência ritual da vida sacrificada em favor da operação que acaba de ser empreendida.
Desconhecem-se as representações do reino dos mortos próprias dos anitgos habitantes do Lácio; as que nos foram transmitidas refletem a influência das concepções gregas e etruscas. É muito provável que a mitologia funerária arcaica dos latinos fosse um prolongamento das tradições neolíticas européias. Por outro lado, as concepçoes do outro mundo compartilhadas pelos troncos rurais itálicos foram modificadas de modo bastante superficial pelas influências ulteriores, gregas, etruscas e helenísticas. Em contrapartida, os infernos evocados por Virgílio, o simbolismo funerário dos sarcófagos da época imperial, as concepções de origem oriental e pitagórica da imortalidade celeste se tornarão extremamente populares em Roma e nas outras cidades do império a partir do século I AC.
Autor: Mircea Eliade, em "História das Crenças e Idéias Religiosas II", pg 110 - 112, Editora Zahar.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Caracteres específicos da religiosidade romana

A disposição e o vivíssimos interesse pelas realidades imediatas, tanto cósmicas como históricas, não demoram a aparecer na atitude dos romanos em relação a anomalias, acidentes ou inovações. Para os romanos, como também para as sociedades rurais em geral, a norma ideal manifestava-se na regularidade do ciclo anual, na sequência ordenada das estações. Toda inovação radical equivalia a um ataque à norma; em última análise, implicava o risco de um retorno ao caos. De modo semelhante, toda anomalia - prodígios, fenômenos insólitos - denunciava uma crise nas relações entre os deuses e os homens. Os prodígios proclamavam o descontentamento ou até a cólera dos deuses. Os fenômenos aberrantes equivaliam a manifestações enigmáticas dos deuses; de certo rpisma, eles constituíam "teofanias negativas".
Para os romanos, a significação precisa dos prodígios não era evidente; tinha de ser decifrada pelos profissionais do culto, o que explica a importância apreciável das técnicas divinatórias e o respeito mesclado de temor que desfrutavam os arúspices etruscos e, mais tarde, os LIvros Siblilinos e outras coleções oraculares. A diviniação consistia em interpretar os presságios vistos (auspicia) ou ouvidos (omnia). Somente os magistrados e os chefes militares estavam autorizados a explicá-los. Mas os romanos haviam guardado para si o direito de recusar os presságios. Uma vez decifrado o sentido do prodígio, procedia-se a lustrações e a outros ritos de purificação, pois estas "teofanias negativas" haviam denunciado a presença de determinada mácula, e era importante que ela fosse cuidadosamente afastada.
A primeira vista, o medo desmedido dos prodígios e das máculas poderia ser interpretado como um terror pela superstição. Trata-se, no entanto, de um tipo particular de experiência religiosa, poruqe é por meio de tais manifestações insólitas que se estabelece o diálogo entre so deuses e os homens. Essa atitude diante do sagrado é consequência direta da valorização religiosa das realidades naturais, das atividades humanas e dos acontecimentos históricos, em suma, do concreto, do particular e do imediato. A proliferação dos ritos constitui aspecto desse comportamento. Já que a vontade divina se manifesta hic e nunc, numa série ilimitada de sinais e incidentes insólitos, importa saber que ritual será o mais eficaz. A necessidade de reconhecer até nas minúncias as manifestações específicas a todas as entidades divinas encorajou um processo bastante complexo de personificação. As múltiplas epifanias de uma divindade, assim como suas diferentes funções, tendem a distinguir-se como "pessoas" autônomas.
Em certos casos, essas personificações não chegam a libertar uma verdadeira figura divina. São sucessivamente evocadas, mas sempre em grupo.
O gênio religioso romano distingue-se pelo pragmatismo, pela busca da eficácia e sobretudo pela "sacralização" das coletividades orgânicas: família, gens, pátria. A famosa disciplina romana, a fidelidade aos compromissos (fides), a dedicação ao Estado, o prestígio do direito traduzem-se pela depreciação da pessoa humana: o indivíduo contava tão somente na medida em que pertence a seu grupo. Só mais tarde, sob a influência da filosofia grega e dos cultos orientais da salvação, os romanos descobriram a iportância religiosa da pessoa.
O caráter social da religiosidade romana, em primeiro lugar a importância atribuída às relações com o outro, é claramen5e expresso pelo termo pietas. Apesar de suas ligações com o verbo piare (apaziguar, apagar uma falta, conjurar um mau presságio, etc), a pietas designa a observação escrupulosa dos ritos, mas também o respeito aos relacionamentos naturais entre os seres humanos. Para um filho, a pietas consiste em obedecer o pai; a desobediência equivale a um ato mostruoso, contrário à ordem natual, e o culpado deve espiar essa falta com a própria morte. Ao lado da pietas com relação aos deuses, existe a pietas com os membros dos grupos a que se pertence, a cidade e finalmente todos os seres humanos. O "direito das gentes" (ius gentium) prescrevia os deveres mesmo com relação aos estrangeiros. Essa concepção desabrocha plenamente sob a influência da filosofia helênica, quando se estabeleceu com clareza a concepção da humanitas, a idéia de que o simples fato de pertencer á espécie humana constituía um verdadeiro parentesco, análogo àquele que ligava os membros de uma mesma gens ou cidade e criava deveres de solidariedade, amizade ou pelo menos de respeito. As ideologias humanitaristas dos séculos XVIII e XIX nada mais fazem do que retomar e elaborar, ainda que a dessacralizando, a velha concepção da pietas romana.
Autor: Mircea Eliade, em "A História das Crenças e das Idéias Religiosas II", pg108 - 110, Editora Zahar.

domingo, 20 de novembro de 2011

Altar de Larouco

Da página «Portugal Romano» do Facebook:
Altar de Penascrita e desenho do lugar de Culto – Ao Deus Larouco, companheiro de Júpiter, atribuída pelos soldados da Legião VII Gemina Pia Felix (Vilar de Perdizes).
Afloramento granítico, trabalhado para altar rupestre, composto por três degraus encimados por mais três entalhes na rocha, em forma de "E" deitado. Na superfície sobressai uma cavidade rectangular, e rasgos lineares. Esta cavidade é, interpretada por alguns autores como sendo o "foculus". Numa das faces do altar existe uma inscrição consagrada a Deus Larouco, companheiro de Júpiter, atribuída pelos soldados da Legião VII Gemina. De referir a semelhança a outros dois altares aparecidos nas imediações, um deles consagrado ao Deus Larouco e outro a Júpiter. Segundo a interpretação feita por Rodrigues Colmenero, através da leitura de alguns excertos: trata-se de uma santuário, dedicado a:
Larouco, Companheiro de Júpiter - I(ovis) Soc(io) Larouco.
Pelos soldados da legião VII Gemina- La[roc]vo......M(ilites) Leg(ionis) VII P(iae) F(elicis) (centuriae.....?).
No restante ainda se verificam outros caracteres, embora indecifráveis. Trata-se, neste caso de um topónimo, onde o nome da montanha é referido. No Outono e no Inverno a serra está quase sempre encoberta, de tal modo que é possível supor que o santuário da Pena Escrita, situado no altiplano abrigado (altitude 827 metros) congregasse rituais de culto nas estações mais agrestes quando o cume do Larouco é assolado por ventos fortes, cortantes e frios, ou por nevões persistentes.
Texto divulgado pelo Caturo, publicado no blog Gladius.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Vivendo em Aliança

Calma, caros diletos e eventuais leitores, este escritor pagão não se converteu. Este é um ensaio feito para explorar alguns termos e conceitos wiccanos.
Comecemos com as lendas e textos da Idade Média que nos contam das assembléas das bruxas.
Quando Gardner organizou a estrutura da Wicca, ele denominou de "coven" às reuniões do seu grupo.
O termo "coven" provém do latim "covenire", que significa exatamente reunião, assembléia.
Existe também o termo "covenant" que significa contrato, acordo, pacto, aliança.
O conceito de "fazer uma aliança com Deus" foi e é muito difundido e propagandeado por padres e pastores.
Nos textos dos processos do Santo Ofício era muito comum a acusação de que as bruxas tinham feito um pacto com o Diabo.
Na visão teológica católica, hereges e bruxas eram, por natureza, adoradores do Diabo e, portanto, faziam tudo às avessas da Santa Doutrina Cristã.
Ao pleitear por seu ingresso, o neófito, depois de passar pelo treinamento formal e a transmissão oral da tradição, deve fazer um voto, um juramento, ["oath"] tal como está implicito ao se firmar um contrato ou se estabelcer um acordo.
Parece-me que este é o verdadeiro sentido do termo "coven", a saber, equiparando com o termo "covenant", o neófito não empenha sua palavra unicamente para ingressar como membro de uma assembléia, mas também celebra um pacto, uma aliança, com o Deus e a Deusa [divindades específicas] cultuados pelo grupo, ato que se consuma na iniciação e ao se proferir o voto, o juramento, diante daqueles que serão sua família e diante dos Deuses.
Para uma vida em comum, especialmente no que diz respeito ao meio pagão, bruxo e wiccano, fica bastante explicito as condições, o que contrasta com os conceitos populistas divulgados pela internet. Viver em aliança, com uma comunidade, com os Deuses, requer um compromisso sincero, profundo e honesto, não há espaço para agendas pessoais nem conflitos entre egos.
Assim como no casamento, onde o anel é o símbolo da aliança, no coven, a ação cerimonial de lançar o círculo é o ato sagrado em que se reencena nosso compromisso com os nossos iguais, preservando a tradição e servindo a Deuses específicos. Qualquer coisa abaixo ou menor do que isto é simplesmente alimentar a vaidade, a presunção e a arrogância do líder carismático, do vigarista disfarçado de guru, do estelionatário travestido de sacerdote.

domingo, 6 de novembro de 2011

Bruxaria contra os Cartéis

Na mal iluminada sala dos fundos de uma casa modesta na cidade turística de Catemaco, no México, agora em grande parte desprovida de visitantes, Luis Tomas Marthen Torres, um bruxo com 50 anos de experiência, fecha os olhos e entoa cânticos enquanto rapidamente esfrega um ovo branco ao longo dos braços, peito e pescoço de um cliente preocupado.
O ritual é antigo e comum aqui nesta região dominada pelos mestres do ocultismo do México – onde a magia é passada de geração em geração – mas como muitas coisas no país, os pedidos de ajuda mudaram. "As pessoas nos pedem ajuda porque estão com medo de ameaças de extorsão. Elas estão cheias de energia negativa", diz Marthen Torres.
Visitantes nessa cidade de classe média de cerca de 67 mil habitantes, que atribui o seu misticismo a antigas raízes olmecas da região, procuraram durante décadas a bruxaria para lançar feitiços de amor e curar doenças físicas. Mas no meio da violência que assolou o Estado de Veracruz, novas formas de feitiçaria para proteção contra extorsão e para ajudar a encontrar parentes sequestrados tornaram-se as principais solicitações dos clientes, segundo os praticantes.
O medo tem tomado conta de Veracruz porque o Estado é um dos mais recentes campos de batalha entre os cartéis de drogas mais poderosos do México. Jorge Chabat, especialista em segurança e tráfico de drogas na CIDE, uma instituição de pesquisa da Cidade do México, disse que o cartel conhecido como Zetas e o cartel Sinaloa têm disputado esse Estado costeiro com ferocidade.
A presença crescente do tráfico de drogas trouxe consigo um negócio que tem crescido em todo o país nos últimos meses: a extorsão. Mesmo as bruxas e bruxos não estão sendo poupados. "Eles sempre dizem, 'Isso é uma ordem do líder dos Zetas'", disse Joseph Torres, filho de Marthen Torres e seu companheiro na feitiçaria, explicando as ligações que recebe de membros do crime organizado exigindo dinheiro.
Alguns dos praticantes das artes ocultas de Catemaco têm se tornado cada vez mais temerosos, enquanto outros – talvez buscando uma vantagem na disputa por clientes – afirmam sentir as vibrações da pessoa do outro lado da linha. Quando sentem uma aura negativa, eles simplesmente não atendem o telefone. Na verdade, Marthen Torres disse ter certeza de que ele não se tornaria vítima dessa guerra, porque a data da sua morte já havia sido revelada a ele - e não acontecerá em menos de uma década, segundo suas predições.
Naturalmente, as pessoas com menos capacidade de prever o futuro podem não se sentir tão preparadas para enfrentar essa onda de violência. "Eu estou constantemente ciente de que meus filhos podem ser sequestrados a qualquer momento. Essa é a minha maior preocupação", disse Julisa del Carmen antes de ser purificada por um feiticeiro. "Nós ouvimos falar constantemente sobre crianças sequestradas."
Ela consulta Marthen Torres e seu filho para uma limpeza sempre que tem ataques de pânico relacionados com o crime, explicou.
Não surpreendentemente, a crescente demanda por proteção levou a um novo conjunto de serviços místicos. Por apenas US$ 180, você pode encontrar um parente desaparecido, disse Alondra Martínez, 35, uma bruxa que muitas vezes peregrina até uma colina próxima para realizar um ritual para o retorno seguro de mulheres sequestradas. Ela disse que recebeu cinco pedidos no mês passado.
"Isso não era uma coisa frequente antes. Agora está se tornando moda", disse Martínez. Um casal desesperado a visitou recentemente, mas ela disse que não iria ajudar os pais com medo até que pagassem a taxa total. "Eu lhes disse que teriam oito dias para encontrar sua filha."
Mas não são apenas os civis que procuram ajuda. Policiais e bandidos dos cartéis também estão se voltando para os xamãs de Catemaco em busca de proteção. Policiais têm medo de morrer em uma emboscada ou correr o risco de que suas famílias sofram qualquer tipo de retaliação. Já os traficantes de drogas se preocupam em "ser pegos pela polícia federal ou perder seu território", explicou um feiticeiro de uma cidade vizinha conhecido apenas como El Gato Negro, acrescentando que muitas vezes realiza sacrifícios de animais em uma caverna.
Às vezes, segundo os xamãs, as autoridades e os criminosos se cruzam nas salas de espera das bruxas, mas nenhum dos lados prontamente identifica o outro.
No geral, porém, os negócios andam mal. Alguns donos de hotéis dizem que a ocupação caiu até 80% em três anos, o que significa menos clientes para os bruxos. Ainda assim, alguns novos clientes estão se mostrando bastante lucrativos.
O feiticeiro José Alberto Vera Cisneros disse que um "paciente" que afirma ser um traficante de drogas preso em Manzanillo, a cidade contendo o porto mais movimentado do México, recentemente o chamou e pediu um ritual para sua libertação. Quando foi solto, logo depois, o homem lhe deu um carro.
Embora os homens dos cartéis distribuam presentes caros, Marthen Torres prefere oferecer o que chama de "serviços sociais" – limpezas gratuitas para aqueles que foram extorquidos ao ponto da falência.
Para combater a escalada do crime, os governos estadual e federal começaram a Operação Veracruz Segura. Forças federais foram mobilizadas em todo o Estado, a polícia local e estadual está sendo limpa da corrupção e novos postos de controle armados foram criados.
Mais de 250 suspeitos foram detidos desde que o plano foi posto em prática no início do mês passado, mas a violência persiste. Em 20 de outubro, oito corpos foram deixados na cidade de Paso de Ovejas, a 100 km de Catemaco.
E enquanto o crime continua, os xamãs de Catemaco esperam que a demanda para magias de proteção e clarividência por policiais, bandidos e vítimas também permaneça em atla.
Marthen Torres disse que os corpos de vítimas assassinadas ainda estavam quentes quando ele chegou a cenas de crime em todo o país para descobrir como as mortes tinham ocorrido. "Eu posso ver a última imagem que a vítima viu com seus olhos", disse ele. Alguns certamente acham isso difícil de acreditar.
"O crime não é resolvido com mágica", disse o presidente Felipe Calderón durante um discurso em 2009 (embora ele quase certamente tenha dito isso de maneira figurativa, e não literal). Da mesma forma, Ernesto Cordero, um aspirante a candidato para a eleição presidencial de 2012 e membro do partido político de Calderón, assinalou recentemente que não existem remédios mágicos para "sair desse problema". Os bruxos e bruxas de Catemaco discordam.
Por Karla Zabludovsky, publicado no Ultimo Segundo [link morto]

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

A Procissão dos Defuntos

E porque o dia dois do corrente é Dia dos Mortos, aqui vai um tesouro da mais profunda e eventualmente arcaizante tradição popular portuguesa:
Procissão dos defuntos
Em Ponte de Lima, há «procissão de defuntos». Nestas procissões vai sempre «um vivo», que é a pessoa que primeiro tem de ser sentenciada à morte. O espectador da procissão tem de voltar-lhe as costas, quando ela passar diante dele.
Uma rapariga que tinha de ir regar um campo muito cedo, passou por diante da Igreja e vendo que se estava à missa, deu parabéns à sua fortuna e entrou, indo ajoelhar entre as outras mulheres. Estas começaram a olhar umas para as outras e a rosnar «aqui cheira a fôlego vivo»! Uma das mulheres levantou-se, aproximou-se da rapariga e disse-lhe: «O que te valeu foi vires ajoelhar na campa de tua madrinha, que sou eu. Vai-te e não olhes para trás!» A rapariga saiu, mas não resistiu à curiosidade e olhou para trás. Viu muitas fogueiras a arder. Eram as almas das pessoas, porque se não tinham dito missas (Guimarães).
Uma mulher indo de noite para certo sítio encontrou uma procissão de defuntos que vinha na sua direcção. Escondeu-se logo na croca (oco) de um carvalho. A procissão passou por diante dela e a mulher viu no préstito um filho seu que morrera anjinho, e que ia «com a tocha apagada». E o filho passando por diante da mãe, disse: «Arreda-te, carvalho croquento, que por causa das tuas lágrimas é que eu vou com a luz apagada.» (Louredo).
As almas dos mortos andam pela rua à meia-noite em procissão com luzes acesas. Se alguém por desgraça vai ter com aquela procissão e lhe pede lume, morre infalivelmente. (Lavadores - São Cristóvão de Mafamude).
O abade de Mondanedo de Lugo estava uma vez sentado à beira de uma igreja e viu vir uma procissão de defuntos, todos vestidos de branco, com um esquife diante de si e alumiando com os ossos acesos (sic). (Lugo - Galiza).
Uma pessoa antes de morrer já se vê sete anos antes na «procissão dos defuntos». A procissão dos defuntos faz-se todos os dias às trindades; ninguém a vê senão as pessoas que têm uma palavra de menos no baptismo (sic). E estas são as que sabem as pessoas que hão-de morrer, porque as vêem na procissão. Por isso se diz, quando uma pessoa anda doente: «ah! Fulana (a tal que tem de menos a palavra no baptismo [?]) já há muito tempo que a vi na procissão dos defuntos. (Valença).
O Sr. Leite de Vasconcelos no seu recente e interessante livro nada nos diz sobre tal assunto (vide Tradições Populares de Portugal, pág. 301-3) e o Sr. Adolfo Coelho apenas muito vagamente se refere às procissões de defuntos, não mencionando lenda alguma a tal respeito (vide Revista de Etnologia e de Glotologia, fasc. IV, pág. 163). Para estas procissões, veja-se Afaniev: ob. cit., III, 244 e seg.; e sobretudo Grimm: Deutsche Mythologie, II, 765 e seg.. A «procissão dos defuntos» é uma variante da lenda do Wütendes Heer, o Feralis Exercitus de Tácito, a Arma Coelestia de Plínio. É esta a variante cuja acção se passa na Terra; enquanto noutras versões é no céu ou nas nuvens que tem lugar.
Desta segunda variedade importantíssima temos também uma lenda portuguesa moderna e várias superstições que a ela se referem. A superstição é antiga na Península, onde o Wütendes Heer tinha o nome de Exercitum Antiquum (Exército Antigo). Cf. Grimm: Deutsche Mythologie, II, 785. Cf. ainda Afanasiev: ob. cit., I, 725.
In Contribuições Para Uma Mitologia Popular Portuguesa e Outros Escritos Etnográficos, de Consiglieri Pedroso, págs. 281-3, Publicações Dom Quixote.
Fonte: Gladius

Dia de Finados

Aproveitando as últimas horas de um feriado prolongado de 5 dias [cortesia do Governo de SP], depois de ter comemorado meu [nosso] dia em 31 de outubro, no acochego do lar, ao lado de minha esposa, começamos a falar do Dia de Finados, comemorado hoje no Brasil e das crenças que cercam este dia.
Em todos os países, em todas as culturas, em todas as religiões existem dias e cerinônias dedicadas aos que não estão mais neste mundo. Alguns choram, outros fazem festas, mas o comemorado sempre é lembrado com reverência e respeito. Nesta data nos lembramos que a morte física é nossa única certeza, cabendo a cada um crer ou descrer que há um além, cabendo a cada crença algum tipo de preparação. Quem não crê vai levando a vida da melhor forma que um ser humano pode levar, em consideração ao próximo e ao senso de comunidade.
Se vamos todos morrer, por que lutamos tanto? Por que queremos aprender cada vez mais, ganhar salários melhores, queremos subir na pirâmide social, adquirir e aumentar nosso patrimônio? Por que nos preocupamos tanto com a saúde, com a estética, com a aparência?
Porque estamos vivos e enquanto vivos, nos movemos de um lugar a outro, de uma situação a outra, de uma posição a outra, queremos realizar, conquistar, cumprir com nosso destino e o propósito de nossa existência nesse mundo. Tenhamos 5 ou 60 anos, o tesão é igual. Depois é depois.
Todas as religiões falam sobre a morte e nos dão regras para lidar com o viver, para com o outro, para conosco mesmos, mas ideais morais humanos são falhos quando não são hipócritas, nós especulamos com um além melhor, nós determinados padrões de comportamento achando que ações boas ou más vão contar nesse mundo espiritual. Ledo engano.
Eu acredito que o "mundo do além" não seja muito diferente do daqui. Nada se leva daqui, nem as boas ações, nem as más ações. Se nos privamos aqui de ter uma vida mais confortável e pomissora, esse comportamento continuará no além. Se tripudiamos ou roubamos os outros, esse comportamento continuará no além. Não encontraremos Paraíso ou Inferno, a existência é aquilo que nós fazemos dela. Seja no além, seja aqui.
Eu acredito que semelhante atrai semelhante, nossas almas vão, naturalmente, para onde sentem mais afinidade, então pare de achar que fazer caridade vai te dar créditos, não há banco de caridade no além. Será simplesmente outro tipo de existência, outro tipo de organização social, outros tipos de valores, outros tipos de deveres e direitos.
A idéia parece agradável, mas não é. Quem rouba, irá para um lugar onde só terá ladrões. Quem mata, irá para um lugar onde só terá homicidas. Quem abusa de seu mandato ou de sua posição social para amealhar bens, poder, influência e prestígio, irá para um lugar onde só tem vigarista, estelionatário, corrupto, farsante. Quem odeia seu próximo apenas por causa de sua opção sexual, por causa de sua ideologia política, por causa de sua aparência, por causa de sua religião, irá para um lugar onde só tem gente que odeia.
Portanto, independente de sua condição, de sua posição, de seu cargo, de sua [des]crença, lembre de quanto amor você está dando hoje aos que se foram e continue a dar Amor aos que ainda estão por aqui. Não importa se haverá um amanhã ou não. Com este gesto simples, faremos este mundo melhor.