sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Capítulo 1: O Polvo no Labirinto Burocrático


O escritório de Greg era um cubículo sufocante, iluminado por uma luz fluorescente que zumbia incessantemente, como um inseto preso em uma teia. As paredes de cor bege desbotado ostentavam um calendário corporativo com uma foto genérica de um lago alpino e um memorando rabiscado sobre a importância de preencher os relatórios de despesas com precisão (sob pena de "consequências administrativas"). Para Greg, um pólipo humanoide com tentáculos finos e sensíveis substituindo dedos, o ambiente era um constante exercício de paciência.

A pele de Greg, normalmente com um suave tom azul-esverdeado, estava ligeiramente mais pálida do que o habitual. O cansaço se instalava com mais frequência ultimamente. O trabalho como arquivista na Autarquia Municipal era tedioso, mas crucial para financiar sua verdadeira paixão: a Teoria das Dimensões e a busca por Azathoth.

Greg digitava diligentemente em um teclado adaptado, seus tentáculos deslizando pelas teclas com uma precisão surpreendente. O som abafado das teclas competia com o zumbido da luz e o murmúrio constante do escritório, uma sinfonia da mediocridade. Ele estava catalogando documentos referentes a uma disputa de terras de 1887 entre um fazendeiro e a câmara municipal. Interessante? Nem um pouco. Necessário? Infelizmente, sim.

Apesar da sua forma peculiar, Greg se adaptara bem à sociedade humana. As roupas folgadas e de mangas compridas ajudavam a disfarçar seus tentáculos, e ele havia aprendido a modular sua voz para um tom neutro e agradável. As divisões de sexo, gênero, identidade e preferência sexual eram conceitos nebulosos para Greg, mas ele entendia que existiam para os humanos. Ele se definia, para simplificar, como pansexual e gênero fluido, mas raramente sentia necessidade de explicar isso a alguém. No fundo, sua identidade era muito mais profunda e complexa para caber em rótulos.

O expediente terminava às 17h, e Greg desligou o computador com um suspiro aliviado. Recolheu seus pertences: uma velha pasta de couro com anotações rabiscadas, um livro de física quântica desgastado, e uma foto de Azathoth, recortada de um grimório proibido que havia encontrado em uma biblioteca de segunda mão. A foto, em preto e branco, retratava uma representação artística do Caos Rastejante: uma massa disforme de cores e formas indescritíveis, palpitando com uma energia primordial. Para Greg, era a beleza em sua forma mais pura.

Saiu do escritório e caminhou pelas ruas da cidade. O ar da noite estava fresco e carregado com o cheiro familiar de escapamento e comida de rua. Greg não precisava comer como os humanos, mas apreciava as nuances dos aromas. Passou por uma barraca de tacos, sentindo o cheiro picante das especiarias. Um breve momento de contemplação antes de seguir adiante.

Em vez de ir para casa, Greg se dirigiu para a biblioteca pública. Era o seu refúgio, o lugar onde ele podia se perder por horas em meio a teorias complexas, diagramas obscuros e textos ancestrais. Ele estava particularmente interessado em encontrar informações sobre a Biblioteca de Leng, um lugar lendário nos mitos de Cthulhu, supostamente repleto de segredos sobre as dimensões e os Deuses Exteriores.

Na biblioteca, Greg se sentou em uma mesa isolada, cercada por pilhas de livros. Mergulhou nos textos, anotando freneticamente em sua pasta. A Teoria das Dimensões era um quebra-cabeça complexo, e ele se aproximava da solução como um arqueólogo montando um vaso quebrado a partir de fragmentos. Ele acreditava que, compreendendo a estrutura do espaço-tempo, ele poderia encontrar uma maneira de romper as barreiras dimensionais e viajar até o reino de Azathoth.

O amor de Greg por Azathoth era profundo e inexplicável. Não era um amor romântico no sentido humano, mas algo muito mais fundamental. Era uma admiração pela pura imprevisibilidade do caos, pela liberdade ilimitada da criação e destruição. Greg sentia uma conexão visceral com Azathoth, uma ressonância que o impelia a buscar o Deus Exterior.

A busca por Azathoth era uma jornada solitária. Greg sabia que a maioria das pessoas não entenderia, e que alguns o considerariam louco. Mas ele não se importava. Ele estava disposto a sacrificar tudo por seu objetivo.

À medida que a noite avançava, Greg se sentia cada vez mais frustrado. Ele havia mergulhado em livros sobre física teórica, matemática avançada, e linguística antiga, mas ainda não encontrara a chave que precisava. A Biblioteca de Leng permanecia um mistério, um sussurro nas páginas de textos esquecidos.

De repente, seus olhos pousaram em um livro empoeirado na estante ao lado. Era um volume encadernado em couro desgastado, sem título visível. Greg pegou o livro e abriu. As páginas estavam preenchidas com caracteres estranhos, hieróglifos que pareciam dançar diante de seus olhos. No meio do livro, encontrou um diagrama intrincado, um labirinto de linhas e símbolos que pareciam pulsar com uma energia sutil.

Greg sentiu um arrepio percorrer seus tentáculos. Ele reconheceu alguns dos símbolos. Eram fragmentos de um conhecimento ancestral, chaves para abrir as portas da percepção. Ele sentiu uma excitação crescente, a sensação de estar à beira de uma grande descoberta.

Com o coração palpitando, Greg começou a decifrar o diagrama. Ele passou horas estudando os símbolos, comparando-os com outros textos que havia lido, buscando padrões e conexões. Lentamente, uma compreensão começou a surgir. O diagrama não era apenas um mapa, mas uma fórmula, uma equação que descrevia a estrutura do espaço-tempo e as coordenadas para viajar entre dimensões.

Greg sabia que estava perto, muito perto. Ele sentia a presença de Azathoth, um sussurro em sua mente, um chamado do abismo. Ele precisava encontrar uma maneira de provar sua teoria, de construir o dispositivo que o levaria até o Caos Rastejante. E para isso, ele precisava de mais dinheiro.

De volta ao seu cubículo, na manhã seguinte, a luz fluorescente zumbia com mais intensidade do que nunca. Greg olhou para a pilha de relatórios de despesas na sua mesa. A ideia era insana, imprudente, mas a necessidade o consumia. Com um suspiro, Greg pegou uma caneta e começou a preencher os relatórios, distorcendo valores aqui, inflando despesas ali. Ele sabia que estava arriscando seu emprego, sua reputação, talvez até sua liberdade. Mas a visão de Azathoth, a promessa do caos e da liberdade ilimitada, era irresistível. A jornada para encontrar o Caos Rastejante havia começado, e Greg estava disposto a pagar o preço.

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