sexta-feira, 15 de agosto de 2025

O Reich do século XXI

Autor: Gustavo Tapioca.

No artigo “Jogando Bolsonaro ao mar”, publicado na edição desta quinta-feira (7) da Folha de S. Paulo, o jornalista Ruy Castro volta a usar sua verve afiada para lançar um alerta com ecos históricos profundos. Em um texto curto, mas poderoso, Castro acende o sinal vermelho ao traçar um paralelo provocador entre Donald Trump, Jair Bolsonaro e ninguém menos que Adolf Hitler. O que poderia soar como exagero apressado, na verdade, é um exercício necessário de memória especialmente diante do avanço global da extrema direita.

Ruy Castro faz uma pergunta desconcertante:

“Era uma vez um político que, legitimamente eleito, vestiu a farda de ditador e tentou impor ao mundo seu estilo de governar — intimidar, dividir, desestabilizar, perseguir, humilhar, subjugar, expulsar e tocar o terror. Quem é? Adolf Hitler? Não. Donald Trump.”

A intenção do autor não é promover uma equivalência histórica entre o nazismo e o trumpismo. O Holocausto continua sendo um trauma singular na história da humanidade. No entanto, o jornalista traça paralelos táticos e estratégicos entre os dois líderes: o uso do medo como ferramenta política, a manipulação das massas por discursos de ódio, o racismo institucionalizado, o apelo messiânico, a perseguição a adversários e minorias e a tentativa de instaurar um poder absoluto.

Nesse sentido, Trump encarna uma nova roupagem do fascismo do século XXI. Um fascismo de paletó e gravata, travestido de patriotismo e liberdade, mas que opera com a mesma lógica de exclusão, repressão e autoritarismo. Seu objetivo — como alerta Castro — seria a construção de um Reich planetário: "um império branco, plutocrático, ultraconservador e, se possível, eterno."

A analogia não é gratuita. A extrema direita global, com Trump como símbolo maior, não atua isoladamente. Alimenta redes, financia desinformação e influencia diretamente outros líderes autoritários, como Viktor Orbán na Hungria, Javier Milei na Argentina, e, claro, Jair Bolsonaro e seu filho Eduardo no Brasil, entre outros.

Ao longo do artigo, Ruy Castro desmonta também o mito da aliança entre Bolsonaro e Trump. Ao contrário do que apregoam os seguidores dos dois, a ligação entre eles é mais oportunista do que ideológica e, principalmente, totalmente descartável. Castro conclui o texto com uma frase que sintetiza essa visão:

“Os dois têm uma coisa em comum: não vacilam em jogar os amigos ao mar.”

A sentença é certeira. Trump, diante das próprias investigações e dos riscos crescentes de condenação judicial, não hesita em abandonar seus antigos aliados à própria sorte. Foi assim com Michael Cohen, Steve Bannon, Rudy Giuliani, e até com o vice Mike Pence. Todos descartados sem cerimônia quando deixaram de ser úteis ou passaram a ser incômodos.

Bolsonaro segue a mesma cartilha. Já rifou ministros como Santos Cruz, Mandetta, Ricardo Salles e Sérgio Moro e vários políticos aliados desde oprimeiro momento, a exemplo de Gustavo Bebiano. Também se afastou de velhos camaradas militares e abandonou sem pestanejar bolsonaristas presos após os ataques golpistas de 8 de janeiro. O “mito”, que exigia lealdade cega de seus seguidores, demonstrou que sua fidelidade é apenas consigo mesmo e com sua sobrevivência política e jurídica.

Essa prática revela não apenas o caráter dos dois líderes, mas a lógica que rege o bolsonarismo e o trumpismo. Um projeto de poder personalista, amoral, desconectado de compromissos duradouros, onde aliados são peças de reposição e “amigos” são jogados ao mar sem remorso.

Ao falar de um “Reich planetário”, Ruy Castro não está apenas usando uma imagem forte. Ele aponta para o projeto em curso — financiado, articulado e operado em escala internacional, que busca desmontar as democracias liberais por dentro, enfraquecer o Estado de Direito, militarizar a política, controlar o Judiciário, silenciar a mídia e promover uma homogeneização racial e ideológica do poder. Um mundo governado por homens brancos, bilionários, autoritários e armados.

Se no passado o fascismo usava tanques e campos de concentração, hoje usa redes sociais, robôs, pastores neopentecostais e campanhas de fake news. A essência, no entanto, permanece a mesma. A destruição do “outro”, o culto à força e a eliminação da dissidência.

O alerta de Castro se insere, assim, numa tradição jornalística de resistência. Ao relembrar os perigos do autoritarismo e sua capacidade de se reinventar, o autor do artigo convoca seus leitores a não subestimarem figuras como Trump e Bolsonaro. E, mais importante, a não se deixarem enganar por seus discursos de “salvação nacional”.

A comparação entre Trump e Hitler pode parecer, à primeira vista, desmedida. Mas, como demonstra Ruy Castro, é um recurso legítimo quando o objetivo é desnudar estratégias, desmontar farsas e alertar para os riscos que ainda rondam nossas democracias.

Trump e Bolsonaro compartilham mais do que ideologia. São parceiros no desprezo por qualquer valor que não seja o próprio poder. E isso inclui amigos, aliados, constituições, instituições e até seus próprios países.

O destaque do artigo de Ruy Castro, no entanto, está no parágrafo final: "com ou sem Trump, Bolsonaro será julgado, condenado e preso, com hora certa para apagar a luz da cela. E não será surpresa se, mais ocupado com um escândalo interno por pedofilia e por suas disputas com a Rússia, Trump, como já fez com tantos, virar as costas a Bolsonaro — que, por sinal, ele só viu duas vezes na vida, talvez uma. Os dois têm uma coisa em comum: não vacilam em jogar os amigos ao mar."

Fonte: https://revistaforum.com.br/opiniao/2025/8/8/trump-bolsonaro-reich-do-seculo-xxi-por-gustavo-tapioca-185026.html

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