domingo, 16 de novembro de 2025

Não existe submissão saudável


Autora: Thaís Cremasco.

Michelle Bolsonaro disse em um evento do PL Mulher que defende a “submissão saudável” das esposas aos maridos. A frase seria apenas risível se não viesse de alguém que recebe mais de quarenta mil reais mensais de verba pública para chefiar mulheres. É a imagem perfeita do patriarcado contemporâneo: uma mulher remunerada para ensinar outras a aceitarem a própria obediência.

O patriarcado é inteligente. Ele sobrevive porque aprendeu a se disfarçar. Já não precisa mais falar em fogueira, em pecado, em histeria. Basta colocar mulheres no palco repetindo seus dogmas com voz doce e vestido florido. É o velho poder masculino travestido de feminilidade cristã. É a dominação terceirizada, operada por quem deveria rompê-la. Quando Michelle fala em “submissão saudável”, ela não está falando de fé, está falando de controle.

A religião é usada como verniz moral para justificar hierarquias antigas. O discurso da submissão, agora adjetivado como “saudável”, funciona como anestesia social. Ele não fala sobre parceria ou respeito, fala sobre contenção. Diz que há limites para o protagonismo feminino. Diz que a mulher pode ser líder, desde que continue se curvando. É uma contradição simbólica e ética: chefiar mulheres com dinheiro público para ensiná-las a obedecer.

O mais grave é o impacto dessa mensagem em um país onde as mulheres ainda lutam para ocupar cargos de poder, disputar eleições, viver sem medo. Quando uma figura pública reforça a ideia de que o lugar da mulher é o da submissão, ela está servindo ao mesmo sistema que faz do machismo uma política de Estado. É o patriarcado falando por uma voz feminina, mantendo-se confortável sob o manto da moral e da religião.

A contradição não é apenas moral, é política. A fala de Michelle Bolsonaro não ameaça apenas o feminismo — ameaça a democracia, porque reforça a lógica da obediência e da desigualdade. E o uso de recursos públicos para financiar esse tipo de discurso torna o cenário ainda mais perverso: o dinheiro que deveria ampliar direitos está sendo usado para sustentar a ideologia que os restringe.

O feminismo, ao contrário, é o campo da liberdade. É a recusa à obediência cega, o enfrentamento à naturalização da hierarquia entre os sexos. O feminismo precisa ser ultrapartidário, porque a luta das mulheres não cabe em siglas. Mas é difícil entender como pode haver feminismo na extrema direita, onde o corpo da mulher é tratado como território a ser controlado e a submissão é exaltada como virtude.

E se há algo de saudável nessa história, é a rebeldia. Porque submissão nunca foi remédio. É o sintoma de um sistema que ainda teme ver mulheres de pé.

Fonte: https://revistaforum.com.br/opiniao/2025/11/10/no-existe-submisso-saudavel-michelle-191762.html
Charge do Miguel Paiva.
https://www.brasil247.com/charges/que-saude-e-essa-11-de-novembro-de-2025-e3zs6svl

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