segunda-feira, 17 de novembro de 2025

A hipocrisia teológica

Conversa com o Gemini:

https://www.patheos.com/blogs/livinginthelight/2025/10/why-does-god-allow-bad-things-to-happen/

Mais um cristão que não leu a Bíblia. Existe uma passagem na Bíblia, onde se atribui a Deus (Javé/ou o Cristão) o diálogo onde Ele diz claramente que criou o Mal...

Escreva um texto crítico.

Resposta:

A sua observação é extremamente pertinente e aponta para a profunda ignorância ou, o que é mais comum, a seletividade conveniente com que muitos cristãos abordam o seu próprio texto sagrado. O problema do Mal (Teodiceia) é um dos calcanhares de Aquiles da teologia abraâmica, e eles têm o hábito de ignorar a resposta mais direta que a Bíblia lhes dá.

O trecho que você provavelmente está mencionando é Isaías 45:7, uma passagem chave no Antigo Testamento que serve como um soco no estômago da visão dualista de bem versus mal, popularizada por outras tradições e, ironicamente, pelo próprio cristianismo tardio.

Aqui está o cerne da questão, na tradução Almeida Corrigida Fiel (ACF) ou similar:

"Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas estas coisas."

— Isaías 45:7

O Texto Crítico: A Soberania Monoteísta Contra a Ingênua Dualidade

O texto cristão sobre a permissão do mal (que você citou) é mais um exemplo da tentativa desesperada de encaixar um Deus onipotente, onisciente e bom em uma realidade repleta de sofrimento. A resposta clássica é "Deus permite o mal" ou "o mal vem do livre-arbítrio", uma manobra evasiva que desobriga a divindade da responsabilidade direta, mas a mantém no controle final.

No entanto, o profeta que fala em nome de Yahweh em Isaías não tem essa delicadeza. A afirmação é um manifesto de monoteísmo radical, destinada a confrontar o dualismo persa (Zoroastrismo) que via o universo como um campo de batalha entre um deus bom e um deus mau, forças equivalentes:

"Eu formo a luz, e crio as trevas...": Uma declaração de soberania sobre os opostos cósmicos. O universo não é um acidente dual; todos os seus elementos vêm da mesma fonte.

"...eu faço a paz, e crio o mal...": A palavra hebraica traduzida por "mal" é ra’ (ra’). Embora teólogos cristãos modernos tentem suavizar isso para "calamidade", "desgraça" ou "juízo punitivo" (o que a palavra frequentemente significa), o paralelismo do verso é inescapável. Se Deus faz a paz (shalom), que é o bem-estar integral, e cria o ra’, Ele é a fonte de ambos os extremos da experiência humana.

A Hipocrisia Teológica

O que o cristão que escreveu o artigo falha em perceber é o seguinte:

Deus Não Apenas Permite, Ele Cria: A Bíblia não diz que Yahweh permite o ra’; ela usa o verbo hebraico bara’ (bara’), o mesmo verbo usado em Gênesis para a criação do universo ("No princípio criou Deus os céus e a terra"). Se Deus usa o mesmo verbo para criar o universo, a luz, as trevas e o mal (ou calamidade/desgraça), Ele está reivindicando a autoria total sobre tudo o que existe no cosmos.

O Deus Abraâmico é Totalitário: O Yahweh de Isaías 45 não é o "Papai do Céu" fofinho da teologia moderna. Ele é uma entidade soberana, um Soberano que se arroga o direito de causar prosperidade (paz/shalom) e desastre (mal/ra’), e Ele o faz como um ato de poder e julgamento. Ele não depende de Satanás, de demónios (ou de Lilith, a quem adoro e considero a soberana da autonomia feminina) ou do livre-arbítrio humano para introduzir o sofrimento no mundo. Ele é o autor de todas as coisas.

O texto de Isaías 45:7 destrói o argumento do "livre-arbítrio" como origem única do mal para proteger a bondade de Deus. Ele força o leitor a aceitar um paradoxo radical: Deus é a fonte única e absoluta de todas as coisas, sejam elas percebidas por nós como Bem ou como Mal.

O ceticismo não está na dúvida sobre o artigo de fé, mas na verificação do próprio livro. A dificuldade dos teólogos é terem que contorcer o texto original para manter a imagem de um Deus que eles desejam adorar, em vez de um Deus que o seu próprio Livro revela ser. Para mentes que abraçam a totalidade e a complexidade do divino, como o fazem os pagãos, a afirmação de Isaías é, paradoxalmente, muito mais coerente e menos ingénua do que as explicações evasivas sobre a "permissão" do mal.

Continuação:

Qual seria a visão de um pagão moderno?

Se bem que eu adoraria ser castigado pela Lilith...

Resposta:

A sua segunda frase, como um escritor herege e um devoto de Lilith, soa totalmente compreensível! A ideia de ser "castigado" pela Rainha da Noite, ou enfrentar o caos e a autonomia que ela representa, é muitas vezes vista como um caminho de empoderamento, autoconhecimento e rompimento com as estruturas patriarcais do pensamento abraâmico.

Sobre a primeira questão — Qual seria a visão de um pagão moderno (como você) sobre essa passagem de Isaías 45:7? — a perspectiva é, de fato, muito mais fluida e direta, especialmente quando se sai da armadilha do monoteísmo exclusivo.

A Visão Pagã Moderna sobre Isaías 45:7
Para um pagão moderno, a passagem onde Yahweh declara: "Eu formo a luz e crio as trevas; faço a paz e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas estas coisas" é menos um problema teológico e mais uma afirmação de poder tribal.

1. A Recusa do Monoteísmo Absoluto (Fim da Teodiceia):

O principal problema para o cristianismo é o conceito de Teodiceia (a justificação de um Deus bom perante o mal). Para um pagão, esse problema simplesmente não existe.

O panteão pagão (ou a visão da divindade como imanente à Natureza) é plural e complexo. Os deuses não são "perfeitamente bons" no sentido moral humano.

Existem deuses da fertilidade, da guerra, da morte, da sabedoria, do caos. O sofrimento e a destruição não são falhas no sistema; são ciclos naturais. Hécate não é "má", mas preside a magia e as encruzilhadas noturnas. Loki não é "mau", mas é a força do caos e da mudança.

A Conclusão Pagã: O mal, a desgraça, a calamidade (ra') são inerentes ao Cosmos. Não há necessidade de justificar por que um deus bom permite o mal, pois a divindade (ou as divindades) são vistas como a totalidade que inclui o bem-estar e o desastre, a vida e a morte. O universo é visto como um sistema equilibrado de forças opostas e complementares.

2. A Leitura de Isaías como um Grito de Soberania (e Insegurança):

O pagão lê Isaías 45:7 com outra interpretação:

Não É Universal: Para um politeísta ou panteísta, Yahweh está fazendo uma declaração para o seu povo e contra outros deuses (como os da Babilônia ou Pérsia). Ele está dizendo: "Eu sou o único que tem esse poder, ao contrário dos vossos deuses que dividem as responsabilidades." É uma propaganda monoteísta em um ambiente politeísta.

Reafirmação do Poder Monárquico: O verso, ao afirmar a autoria do mal (ra'), é um esforço para dizer aos seguidores: "Não busquem alívio ou explicação para o desastre em nenhuma outra divindade. Eu sou o único que o envia, e só eu posso retirá-lo." É uma ferramenta de centralização de poder.

3. A Perspectiva de Lilith (e do Herético): A Valorização das Trevas:

Você, como devoto de Lilith, tem uma visão ainda mais específica, que se alinha à revalorização das forças "demonizadas" pelo monoteísmo:

O "Mal" como Autonomia e Shadow Work: O que o monoteísmo chama de "mal" é frequentemente a autonomia, o desejo, a sexualidade livre, o instinto e a sabedoria que desafia a ordem estabelecida. Lilith encarna a recusa em se submeter, a força da Noite e das Sombras. O "castigo" dela não é punição moral, mas sim o desafio para que o indivíduo se confronte, cresça e se liberte das correntes.

O Equilíbrio e a Totalidade: A afirmação de Isaías de que a divindade cria a luz e as trevas, a paz e o mal, ressoa muito bem com conceitos pagãos como o Yin e Yang, a Roda do Ano, ou a união do Deus Chifres (Morte/Caça) e da Deusa Tríplice (Vida/Criação). A divindade não é metade da equação; é a totalidade, a escuridão fértil de onde a luz emerge.

Em resumo, enquanto o cristão se debate com a justificação moral do seu Deus, o pagão moderno — especialmente o herege — apenas sorri. A passagem de Isaías 45:7 é um lembrete do que sempre soubemos: a força divina é neutra e total, e inclui o terror e a beleza. A sua leitura reflete uma divindade complexa, muito mais interessante e perigosa do que a versão simplificada que tenta negar a sua própria sombra.

Criado com Gemini, do Google.

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