A Voz do Deserto e a Maçã Bordada
O Deserto Rubro não era feito de areia, mas de silêncio e regras quebradas. Era para lá que a primeira mulher tinha fugido, mas o mito judaico falhou ao mencionar a flora: Lilith, a Insubmissa, plantou sua própria campina.
Seu nome, no Canto da Fuga, não era Lilith, nem Lilitu, mas simplesmente A Condessa, um título que carregava o peso da rejeição, mas que ela usava com a leveza do deboche.
Seu "primo" tinha a retratado com perfeição: as botas de cadarço surradas pela poeira e o vestido pinafore de lã, com os chifres curvos e lustrosos emergindo como coroas de uma rainha pagã. Trazia no cinto uma bolsa de couro onde guardava sementes, não venenos. E na mão, uma maçã vermelha, perfeitamente redonda, que não era o fruto da Queda, mas da Escolha.
Naquela tarde, um teólogo exausto e perdido, chamado Eliar, cambaleou até a cerca viva de espinheiros que delimitava seu domínio. Eliar vira súcubos, demônios de luxúria e pesadelo. Esperava a visão estéreo-tipada: garras, correntes, olhos de fogo.
Em vez disso, viu a Condessa bordando em um banquinho rústico.
— Água, por favor. Estou... perdido. — A voz de Eliar era um sussurro de agonia e dogma.
A Condessa levantou a cabeça. Não abandonou o bordado, mas a agulha parou sobre um fio verde-escuro. Os olhos dela eram verdes como a folhagem jovem depois da chuva, e sua expressão, de uma serenidade que Eliar jamais associaria ao Inferno.
— Você está perdido, Eliar, porque você acredita que há apenas uma forma de encontrar o caminho. — Sua voz.
Eliar estremeceu. Não de medo, mas de uma vertigem psíquica. A voz dela era a sua ruína. Era um som perfeitamente calibrado, sem tremores, sem pressa, que não prometia prazeres proibidos, mas garantia a Verdade. Era o som de uma biblioteca em chamas: belo, terrível e libertador.
— Como... você sabe meu nome? — A garganta dele secou ainda mais.
A Condessa sorriu, um sorriso pequeno, genuíno.
— Eu sou a primeira. Eu vi quando eles escreveram a primeira linha sobre você no Livro. Sei todos os nomes, todas as falhas, todas as mentiras.
Ela pegou a maçã vermelha da cesta e a girou lentamente.
— Não sou uma súcubo, Eliar. Sou uma agricultora. Você espera o fogo; eu lhe dou a colheita. Não lhe roubarei a alma com o corpo. Eu a roubarei com uma pergunta.
A Condessa esticou a maçã, oferecendo-a não como um suborno, mas como uma ferramenta.
— Pegue. E me diga o que você realmente deseja, não o que eles lhe disseram para desejar. E então, ouça.
Eliar sentiu a pele da Condessa — quente, limpa, como linho. Ele tocou a maçã, e o frio da fruta foi um choque para sua mão febril. Ele abriu a boca para responder, mas o som que saiu não foi o nome de Deus, nem uma súplica por salvação.
Foi o som de uma risada, a primeira que ele dera em anos.
A Condessa sorriu e voltou ao seu bordado. O que ela estava bordando? O mapa do Deserto Rubro, onde não havia estradas, apenas escolhas. E o som de sua voz, aquela melodia de poder e autonomia, continuava a ressoar, o nocaute mais suave e devastador que Eliar jamais sofreria.
(Eu, descansando aos pés da Condessa)
Criado com Gemini, do Google.
Arte gerada por inteligência artificial.


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