sexta-feira, 21 de junho de 2024

Até quando vamos aturar?

Por que as festas juninas das escolas estão recebendo outros nomes nos últimos anos, como “festa da colheita” e “festa da tradição”? E por qual motivo alguns colégios até desistiram de juntar as crianças para dançar quadrilha e brincar de pescaria?

São duas razões principais:

Em tese, a cerimônia homenageia santos católicos (São João, Santo Antônio e São Pedro), que não são cultuados por famílias evangélicas.

Com o crescimento das religiões neopentecostais no Brasil, o número de alunos que não são liberados pelos pais para participar das festas tende a aumentar. Ao trocar o nome da comemoração ou cancelá-la, a escola tenta evitar que parte dos estudantes se sinta excluída.

A professora Rebeca Café, de 29 anos, por exemplo, nunca pôde participar da festa junina da escola quando era criança. “Tentavam explicar para os meus pais, evangélicos, que a gente só ia comer comida gostosa e dançar, mas não tinha jeito, eles achavam que era um culto a santos da Igreja Católica. Eu e mais quatro alunos da classe ficávamos de fora”, diz.

“Agora, na escola [pública] onde trabalho, só três crianças da minha turma não são evangélicas. A alteração [do nome da festa] se fez necessária. Mas ainda acho que precisamos conhecer a história do nosso país, não importa a religião.”

No outro extremo, em menor escala, colégios mais “progressistas” têm tentado transformar as tradicionais festas juninas em cerimônias mais abrangentes, para “celebrar outras crenças e culturas” do país.

Na Escola Vera Cruz (SP), por exemplo, o evento para o ensino médio inclui outras tradições culturais brasileiras — o ponto alto neste ano não será a quadrilha, e sim um cortejo afro inspirado em São Luís do Paraitinga.

Para Amailton Azevedo, professor de história da PUC-SP, não importa qual seja a razão de “abandonar” a festa junina: será um equívoco do ponto de vista histórico e pedagógico.

“Deixar de comemorar é dar de ombros para uma tradição secular da cultura brasileira, trazida pelos portugueses no século XVI, mas que assumiu marcas próprias e incorporou elementos culturais afro-indígenas”, explica.

“As festas juninas são um patrimônio imaterial riquíssimo do ponto de vista histórico e cultural. É um erro abandoná-las e impedir as crianças de brincar. Esse conservadorismo é retrógrado.”
Ele também critica a postura de dissolver a festa junina (e todas as suas variantes regionais) e transformá-la em qualquer outra comemoração. “A celebração de outras culturas pode ocorrer em qualquer outra data do calendário escolar. Temos uma enorme gama de festividades brasileiras e internacionais.”

Já a antropóloga Denise Pimenta, da Universidade de São Paulo (USP), reforça que não faz sentido resistirmos às mudanças. “A gente vê uma ascensão do início de um estado evangélico. A escola vai deixar de reforçar tradições católicas. Acho muito difícil que a festa desapareça, mas não vai mais se pautar por São João. Vai chamar, por exemplo, festa das tradições”, afirma.

“No fim, foi isso o que o catolicismo fez. Era uma festa pagã que foi atrelada pela Igreja aos santos. Essas mudanças acontecem. A tradição não está morrendo: está se adaptando para continuar viva.”

E um lembrete: outras comemorações, mesmo que com motivações não religiosas, já foram alteradas no dia a dia das escolas, como o Dia das Mães e o Dia dos Pais. Para abarcar famílias com casais homoafetivos ou para não entristecer os alunos órfãos/abandonados, as datas são trocadas por “Dia da Família”, por exemplo.

De onde veio a festa junina?

A festa junina, a princípio, era pagã e servia para os europeus comemorarem a colheita e o solstício de verão (no hemisfério Norte, ele ocorre em junho).

Depois, com o avanço do cristianismo na Europa, a Igreja Católica apropriou-se da tradição e incluiu a celebração dos santos.

Com a vinda de portugueses para o Brasil, no início do século XVI, a festa veio “na bagagem”, mas foi adaptada à nossa realidade.

A dança, por exemplo, varia em cada região do Brasil, mas nada tem a ver com o que era apresentado pelas cortes europeias no passado. O pisado forte na terra, por exemplo, no piseiro ou no forró, é uma herança indígena, e os ritmos e instrumentos musicais têm influência africana.

Não adiantou trocar o nome de “festa junina” por “festa cultural”: na escola onde Esther* dá aula, os pais de uma aluna evangélica não liberaram a criança para o evento.

“Entrei na sala e vi uma das crianças do 1º ano [do ensino fundamental] chorando, porque a família dela não ia deixar que ela participasse da dança. Ela e a amiga estavam discutindo se festa ‘é ou não de Deus’”, diz.

“Tentei intervir e explicar para a turma que estávamos seguindo uma tradição cultural, e não religiosa. Mas não adiantou. A mãe da aluna mandou um recado na agenda e avisou que a menina está proibida de participar de qualquer atividade relacionada a festas juninas.”

Os evangélicos não acreditam em santos, como explicado no início da reportagem. Na interpretação que esses religiosos fazem da Bíblia, somente Deus deve ser adorado.

Talvez você esteja pensando que as festas da escola raramente mencionam os nomes dos santos — em geral, giram em torno das músicas, brincadeiras e comidinhas. Seria realmente “errado”, do ponto de vista dos não católicos, participar das danças e comer pipoca, paçoca e milho?

Não há uma resposta definitiva — dependerá da interpretação de cada fiel e da orientação das igrejas.

Fonte, citado parcialmente: https://g1.globo.com/google/amp/educacao/noticia/2024/06/19/festa-junina-das-tradicoes-ou-da-colheita-como-a-visao-de-evangelicos-e-de-progressistas-muda-nome-e-formato-do-evento-nas-escolas.ghtml

Adendo:

Um vídeo publicado há cinco dias por um “pastor” evangélico de Minas Gerais, que viralizou nas redes sociais nas últimas horas, vem despertando a fúria de muitos brasileiros pelo tom extremista, odioso e fundamentalista ao tratar das festas juninas, uma tradição de séculos nos países católicos, sobretudo em Portugal, na Espanha e no Brasil, nas quais são celebrados São João, Santo Antônio e São Pedro. Sinônimo de alegria, comidas deliciosas, danças e muita fé, o período junino, verdadeiro patrimônio cultural dessas nações, foi atacado com desprezo e agressividade pelo clérigo radical.

O sujeito em questão é Matheus Alves, que seria “pastor” da Igreja Lagoinha, do luxuoso bairro Mangabeiras, em Belo Horizonte. Jovem e com o tom proselitista e belicoso típico dos mais aguerridos neopentecostais, ele começa afirmando que junho é o mês mais triste de sua vida porque precisaria ficar explicando a razão pela qual protestantes não devem participar de festas juninas. O que vem na sequência é um espetáculo triste de intolerância religiosa e sectarismo, daqueles que viraram tendência e moda no país nos últimos anos com a ascensão da extrema direita bolsonarista.

“Hoje é 1º de junho, né? Um dos meses mais tristes da minha vida, porque nesse mês eu tenho que ficar o mês inteiro explicando o óbvio: protestante não participa de festa junina. É uma festa católica, para São João, Santo Antônio e São Pedro. Protestante, você já entendeu por que você não participa? ‘Ah, vou lá só pra comer uma comidinha típica na festa junina’... Primeiro Coríntios, capítulo 8 e capítulo 10, te proíbe isso... Você pode estar ferindo a consciência de um neófito sentando à mesa de ídolos... Comida sacrificada a ídolo tem um problema, apesar do ídolo não existir e o ídolo não ser nada: o apóstolo Paulo diz que ídolos é (sic) moradas de demônios. E o apóstolo Paulo te proíbe de sentar na mesa do Senhor em um dia e na mesa de demônios outro dia. Deus se irrita, ele fica irado, com ações como essas baseadas em idolatria... Festa junina é idolatria! ‘Ah, mas é minha tia que tá fazendo’... Você quer sentar junto com sua tia na mesa do demônio, ô criatura? Você quer seguir a modinha? Você quer seguir o ‘não tem nada a ver’? Ou você quer seguir a escritura sagrada, que explicita ao proibir o cristão de participar de festa idólatra e de mesa de ídolos?”, diz o “pastor” Matheus Alves em sua “pregação” gravada dentro de um carro.

Pela lógica do orador evangélico em questão, não deveria haver liberdade religiosa no país e qualquer culto ou atividade de natureza ecumênica seriam inaceitáveis, já que um protestante não pode comer uns acepipes e guloseimas servidos numa festa de outra crença.

Fonte, citado parcialmente: https://revistaforum.com.br/brasil/2024/6/6/video-pastor-demoniza-festas-juninas-comidinhas-so-sacrificadas-idolos-160056.html

Nota: que seja feita uma lei punindo qualquer pessoa ou grupo que tentar impedir ou atrapalhar a celebração da festa junina.

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