domingo, 7 de janeiro de 2024

A hipótese de Deus

Dizem que quando o astrônomo, físico e matemático francês Pierre-Simon Laplace deu uma cópia de uma de suas obras a Napoleão, o imperador francês comentou: “Disseram-me que nesse grande livro que você escreveu sobre o sistema do mundo não há menção a Deus, seu criador”. Ao que Laplace respondeu: “Não precisei dessa hipótese”.

Durante séculos, as descobertas científicas pareciam ser contrárias à crença em Deus. A ciência afastou a religião, e o desenvolvimento tecnológico tornou inútil a necessidade de recorrer a um Deus para explicar e resolver os problemas humanos. Aqueles que mantinham uma posição de crença sentiram um certo complexo de inferioridade em relação ao racionalismo. O materialismo tornou-se intelectualmente dominante.

Recentemente lançado, o livro “God. Science. The Evidence. The Dawn of a New Revolution” (“Deus, Ciência, as Provas: o alvorecer de uma nova revolução”, ainda sem edição em português) foi um best-seller na França em 2023, com mais de 250.000 cópias vendidas. Seus autores, Michel Yves Bolloré e Olivier Bonnassies, argumentam que o materialismo é uma crença como qualquer outra. E que o estado atual da ciência não refuta a existência de Deus. Pelo contrário: pode provar que Ele é real.

De acordo com esses autores, apesar da incerteza remanescente sobre a natureza da matéria escura e da energia escura, os dados consistentes atualmente disponíveis, se as leis da natureza não mudarem com o tempo, mostram que o único fim possível do universo é sua morte térmica, uma consequência da aplicação do segundo princípio da termodinâmica.

A hipótese que hoje goza do mais amplo consenso é a de que o universo está em uma expansão acelerada. De acordo com essa hipótese, em cerca de 10¹⁰⁰ anos, ocorrerá a morte térmica completa do universo, tão dilatado em sua expansão que atingirá a entropia máxima – e isso será o fim de toda a atividade termodinâmica.

Terá início o que os autores chamam de “Era das Trevas”, na qual haverá apenas fótons em um espaço gigantesco que tende ao zero absoluto. Se isso for verdade, então o universo não é estático. Nem eterno. E está evoluindo numa curva existencial que terá um fim.

E se o universo tem um fim, deve ter tido um começo. O modelo padrão do Big Bang, um universo em expansão com um início definido há 13,8 bilhões de anos, tem sido repetidamente verificado e confirmado, apesar das tentativas fracassadas de desenvolver outros modelos.

O universo, portanto, não é aleatório, desordenado e casual. Ele emerge de um processo bem ajustado no qual cada elemento aparece progressivamente. Tudo surge de um “átomo primitivo”.

Antes não havia tempo, nem espaço, nem matéria. Não havia nada. O tempo, o espaço e a matéria surgem em um momento específico. O infinito, portanto, é apenas um conceito. O “antes” estaria fora da ciência experimental.

Essa hipótese, a mais coerente e a que atualmente goza de maior consenso, levanta outras questões: se o universo não é eterno, o que havia antes? O nada, o tempo? Como algo surge do nada? E, acima de tudo, por que ele surge? Para os autores, essa é a prova da existência de um Deus criador.

Embora existam outras interpretações ou hipóteses – como a inflação cósmica, um universo sem bordas, a teoria das supercordas, modelos inflacionários, um multiverso eterno e cíclico com dez ou mais dimensões decorrentes de leis preexistentes… – elas são extremamente complexas, altamente especulativas e improváveis de serem verificadas, embora sejam um exercício intelectual e científico interessante.

O livro também inclui um capítulo instigante sobre a perseguição ideológica aos cientistas do Big Bang.

Na cosmologia, o ajuste fino do universo significa que as condições que permitem a vida no universo só podem ocorrer quando certas constantes fundamentais estão em uma faixa muito estreita de valores. Portanto, se qualquer uma dessas constantes fosse ligeiramente diferente, o universo, a matéria e a vida não seriam possíveis.

O universo aparece como um “conjunto completo”, uma mecânica incrivelmente precisa em que cada estágio depende de ajustes improváveis e de engrenagens complexas e indispensáveis que se encaixam para permitir que o todo exista e funcione.

É o que alguns chamam de princípio antrópico, aquela série aparentemente incrível de coincidências que possibilitam nossa presença em um universo que parece ter sido perfeitamente preparado para garantir nossa existência. Desde a força da gravidade, a força eletromagnética, a velocidade da luz, a constante de Planck, a carga e a massa do elétron e do próton…

De acordo com isso, é difícil argumentar que o universo, a matéria e o salto do inerte para o vivo tenham surgido do caos, ou que o acaso e a probabilidade sejam a única causa. O materialismo e a aleatoriedade continuam sendo um desafio e, sozinhos, não podem explicar toda a realidade.

Em minha opinião, todos esses argumentos não são demonstrações da existência de Deus. A ciência não pode provar a existência de Deus, assim como não pode provar que Deus não existe. Não há necessidade de a ciência apoiar a fé.

Para explicar o mundo ao nosso redor, não há necessidade de uma intervenção direta de Deus, o que geralmente é chamado de “Deus das lacunas”. Quando há uma “lacuna”, algo que não entendo ou para o qual não tenho explicação científica, recorro a Deus que, com seu dedo mágico, preenche a lacuna. Uma “hipótese” muito atraente, mas talvez não essencial. É bom lembrar aqui a citação “a Bíblia não nos diz como é o céu, mas como chegar ao céu”.

Mas o que os autores de fato mostram é que a ciência não nos afasta necessariamente de Deus. Que para um homem ou mulher de ciência no século 21 faz sentido acreditar em Deus. A fé não é irracional, não é um “complemento”: é também uma forma consistente de entender a realidade.

A ciência e a fé se complementam em seu objetivo final, que é o conhecimento da verdade sobre o mundo e sobre os seres humanos. A ciência nos questionará e nos dará respostas (ou pelo menos tentará) sobre como as coisas são. E a fé dará a alguns de nós a razão, o significado, o porquê. Mas esses não são territórios independentes, eles são complementares.

Para aqueles de nós que têm fé, ela é um estímulo para continuar investigando com paixão, porque quanto mais sabemos sobre o mundo ao nosso redor, mais sabemos sobre a hipótese de Deus.

E se houver algum tipo de contradição entre o que a ciência me diz e o que a fé me sugere? A realidade é uma só: essas contradições aparentes são um estímulo para estudos e pesquisas adicionais.

É como Robert W. Wilson, Prêmio Nobel de Física de 1978, escreve no prefácio do livro:

“Um ser superior pode estar na origem do universo; embora essa tese geral não me pareça ser uma explicação suficiente, aceito sua coerência”.

A afirmação “a ciência não refuta a existência de Deus, mas a prova” propõe um debate essencial sem insultos, degradações ou cancelamentos.

Refletir sobre as coisas não precisa significar descartar “a hipótese de Deus”.

Fonte: https://jornalggn.com.br/artigos/hipotese-de-deus-livro-defende-que-ciencia-poderia-explicar-criador-universo/

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