quinta-feira, 9 de maio de 2024

Ensaio rabelaisiano

Uma coisa que Jesus e Satã têm em comum. O constrangimento e o embaraço provocado pelos idiotas que dizem serem discípulos destes.

Que diga o YouTube (eu não estou ganhando um centavo com isso), pode ser achado cristão e satanista sem noção às pencas.

Também tem pagão, (suposto) wiccano e esquisotérico. Na época em que eu fazia parte da comunidade Evangelize-me se for capaz, dizia-se, como um mote, “o cocô vos cobrirá”. Ninguém imaginava que viria um tsunami. A estupidez e a idiotice, incentivada, estimulada pelas redes sociais (que dá espaço para o pior que um humano pode conceber), não tem um pingo de passar vergonha em público.
Parece até que existe uma disputa para ver quem é mais ridículo ou quem desce mais baixo.

Até a coitada da minha musa, Lilith, não escapa. Meditação guiada para conectar com ela. Ritual de amarração. Uma hora de entonação do cântico enn. Panacas que se apresentam como alquimistas, mas que se vestem como quimbandeiro e vendem pacto com Lilith.

Gente que nunca estudou sua lenda e mito falam dela como se tivessem algum diploma. Eu, pobre coitado, fiz um texto com a minha visão, mas eu mal sobrevivi ao encontro que eu acho ter tido com ela.

Ela conseguiu a liberdade dos Elohim. Ela conheceu os Nefilins e anjos caídos, mas não a cativaram. Ela conheceu os Annunaki e passou uma temporada na corte de Inanna/Ishtar, mas cansou e continuou sua busca.
Ela conheceu inúmeros outros Deuses e Deusas, entidades, espíritos. Visitou as tumbas dos Deuses Antigos que morreram.
Ela olhou o Abismo e encarou o Caos. Viu sua imagem refletida. Ela era tanto a filha quanto uma manifestação desse mistério inefável.
Ela pode ser o que e quem quiser. Ela pode estar ou ficar onde quiser. Ela pode fazer ou calar o que bem entender.

Na Cafeteria Pantheon, ela levanta o dedo para pedir uma cerveja e eu imediatamente a sirvo.
Ela olha de um jeito que me dá arrepios.

-Sente-se.
-Claro, Lady Lilith.
-Diga, espectro, ainda escreve?
-Por enquanto. Mas não sei até quando. Ninguém deve estar lendo.
-Continue a escrever. Eu leio todos os seus textos.
-Não achou impróprio ou inconveniente?
-Eu te diria. Você é um dos poucos que me ouviu e é dos poucos que eu consigo conversar sem querer matar.
-Imagino que queira usar-me para deixar algum recado.
-Eu não sou de mandar recado ou deixar aviso. Quando eu quero algo, eu mesma faço. Eu quero te usar sim, mas não agora. Quanto a estes que falam e se apresentam em meu nome, deixe que se iludam. Os títulos pomposos, essa falsa sensação de importância e autoridade. Eu odeio tudo isso. Quando eu resolver ir ao Mundo Humano, não adianta chorar. Não adianta chamar qualquer Deus ou Deusa. Eu conheci todos e sei a fraqueza de cada um. Eu sei exatamente como acabar com tudo facilmente.
-Então por que essa cara de brava?
-Quando eu disse que vinha aqui, Ishtar pediu para te dizer que vá visitá-la. A Grande Deusa pediu para te dizer que não desanime. O caminho é difícil e árduo, mas ficará surpreso com o prêmio.
-Isso te aborreceu?
-Eu te achei primeiro. Eu quebrei a sua casca da forma mais gentil que eu pude. (Bufou) Eu admito, eu estou apaixonada por você.

Pausa. Na minha saga pessoal, eu sonhei que Lilith, em pessoa, surgiu por entre as sombras e me mordeu no pescoço. Eu quase morri. Instintivamente eu pensei algo que garantiu minha sobrevivência.

-No entanto, eu atendo ao seu chamado.
(Surpresa)-Isso é estranho. Eu sou o espírito do vento, a liberdade é inegociável, mas como explicar nossa relação? Quanto mais você se entrega, sem exigências, sem condições, aceitando quem e o que eu sou, mais eu sinto estar enrolada com você.
-Diga o seu desejo e eu tornarei real.

Eu acordei muitas horas depois. Dolorido. Cheio de manchas roxas e mordidas. Meu estoque de creme de nozes secou todo. No chão, escrito com meu sangue, Lilith deixa um agradecimento.

PS: ao terminar de ler Pantagruel e Gargântua de François Rabelais, notei que ali falou, antes de Aleister Crowley, da Igreja de Telema e a máxima, "fazer o que tu queres".

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