Após escrever sobre a minha experiência na Congregação Cristã do Brasil, tenho recebido e organizado algumas mensagens de fieis e ex-fieis. Dentre tantas mensagens bonitas, solidárias e tocantes, uma me tocou especial e profundamente. Os nomes foram alterados para preservar as identidades:
Fabrício, boa tarde. Sou de família da Congregação Cristã do Brasil. Cresci dentro da igreja. Sou assídua espectadora do DCM e espero contribuir com você em seu levantamento sobre a igreja, que creio ser extremamente necessário neste momento.
Minha família do lado materno é toda da igreja. Sempre questionei a doutrina (desde criança) e por isso aos poucos fui me afastando. Meus pais se separaram quando eu tinha 9 anos e por ene razões me revoltei e caí no mundo na pré-adolescência. Foi a melhor coisa que me aconteceu, pois creio que aprendi a ser gente nessa época. Bem, como nenhum dos preconceitos inoculados em mim desde o berço floresceu, creio que por conta da minha personalidade questionadora fiz muitas amizades, e as melhores que carrego até hoje foram meus amigos LGBTs.
Um deles era da igreja e se chamava Anderson.
Ele desde pequeno era homossexual, dava pra perceber, portanto desde criança era discriminado tanto na igreja, quanto na família. Nunca me importei, aliás, nem via nenhuma diferença, e brigava com outras crianças que o maltratavam na igreja por conta de seus trejeitos. Crescemos amigos, ele gostava muuuiito de ir à igreja, mas era receoso por causa da discriminação — cochichos, usavam até às orações, testemunhos e o púlpito para agredi-lo.
Quando eu tinha uns 14 anos e ele uns 16 ou 17, me pediu que que ele pudesse frequentar a igreja fingindo-nos de namorados. Ele ia terninho e gravata, e eu de vestido tudo bonitinho e de bracinhos dados para que ele pudesse frequentar os cultos em paz. Realmente foi muito bom, uma vez que os presentes ali acreditaram que ele havia se “regenerado” e Deus tinha feito a obra de fazê-lo “virar homem”. Como ele mesmo dizia, agora ele podia frequentar em paz o banheiro, pois, antes, era hostilizado até mesmo lá. Mal sabiam que íamos embora quando acabava o culto nos acabando de rir por estarmos enganando aqueles fanáticos.
Até que, numa noite, fomos ao culto, com nosso teatrinho, tudo bonitinho. Na saída, você que já frequentou sabe, muitos jovens ficam em frente, conversando, batendo papo, sobre o culto, a palavra etc .
Muitas vezes saíamos dali e íamos para visitas e orações na casa de outros irmãos. Isso era corriqueiro. Nesse dia, especificamente, não fui. Disse a ele que ia pra casa, nos despedimos e ele permaneceu ali conversando. Foi para a oração na casa de outro irmão.
Dois dias depois, um amigo em comum veio me trazer a notícia de que o encontraram morto em seu quarto. Fiquei arrasada e me culpando muito por não ter ido com ele naquela oração. Fiquei sabendo por outro irmão que um cooperador usou a oração para agredi-lo, dizendo que não adiantava mudar, se esforçar, o pecado já estava cometido, e que ele era uma aberração e ele já estava condenado ao inferno.
Humilhado, ele se retirou da oração e foi embora. Não contente, esse cooperador se levantou, o seguiu até a rua e começou a gritar. Que ele não fosse mais à igreja, pois Deus se envergonhava dele, ele sujava o nome da igreja, envergonhava a família, e os servos de “Deus” tinham nojo, asco de se sentar ao lado dele.
Enfim, imagine a cena, o que mais me deixa furiosa, é saber que ninguém o defendeu, ninguém fez nada. Ele saiu dali arrasado, destruído e se suicidou. Eu o amava, era meu melhor amigo, me dilacerou.
Então, meu amigo, não me chocou essa “bolsonarada” na Congregação. Eles sempre foram isso. Só não tinham um representante.
Tenho um outro amigo, dono de bar também homossexual, que recentemente recebeu uma “visita” de um irmão, que foi levar a ele uma ” revelação” de que ele estava no caminho do inferno. Claro que foi gentilmente convidado a se retirar debaixo de soco. Isso aconteceu recentemente.
Tenho uma outra amiga trans, que desde criança admirava e achava lindos os hinos da congregação, pois morava na mesma rua e ouvia os hinos de longe. Quando passava na frente da igreja, os irmãos começavam a cuspir no chão. São inúmeros os relatos de coisas que hoje são consideradas crime, mas que sempre aconteceram. Como eu disse, pra se mostrar como realmente são, eles só precisavam de um representante no poder. Enfim o encontraram.
Anderson era uma pessoa maravilhosa, amorosa, e gostava muito de ir à igreja. Tanto eu como ele sempre acreditamos naquela máxima de que Deus conhece nosso coração e por isso frequentávamos o lugar.
Acreditávamos que Deus era muito maior que qualquer preconceito, e que ele nos ama como somos, pois nos fez assim, cada um de nós. Se meu depoimento servir, seria uma forma linda de homenagear e honrar meu amigo para que essas aberrações não aconteçam com mais ninguém. Deus não é isso, Deus não quer isso! Quantos Andersons não existem por aí, perdidos, e a igreja, ao invés de acolhê-los, joga-os fora, e muitas vezes de forma irreversível. Esta é uma forma de fazer justiça a memória dele.
Fonte: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/humilhado-pelos-irmaos-da-congregacao-crista-no-brasil-por-ser-gay-meu-amigo-se-matou-um-testemunho/
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