Nota prévia: este trata-se de um post feito no sub-reddit /r/Brasil, pelo utilizador /u/Taurusan, acerca da lógica de poder de algumas igrejas evangélicas no Brasil.
Nesse texto, pretendo expor de forma introdutória como há uma ameaça real e já em curso de formação de um Estado Teocrático no Brasil em que o executivo, legislativo e o judiciário (a nível municipal, estadual e federal) ficariam sob controle de pastores ou membros de igrejas evangélicas e que suas decisões seriam fundamentadas a partir de uma lógica religiosa e submetidas às diretrizes de suas respectivas igrejas.
Antes de expor a análise, é necessário esclarecer que por se falar em “evangélico” aqui se entende principalmente denominações pentecostais (como a Assembleia de Deus) e neopentecostais (Universal do Edir Macedo, Mundial do Valdemiro Santiago etc.). Evangélicos de missão (ou históricos) como luteranos, presbiterianos, entre outros são relativamente distintos em termos de doutrinas, perfil sociocultural e relação com a política quando comparados com neo/pentecostais (embora tenha ocorrido uma “pentecostalização” dessas denominações nas últimas décadas. Nota-se isso principalmente entre batistas).
A INTENÇÃO
Começamos a exposição pela Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), do Edir Macedo, porque ela é a principal personagem dessa história. É a que tem as intenções mais claras de tomada de poder, é uma das mais organizadas politicamente (a que iniciou uma atuação evangélica mais estruturada na década de 1990), com maior poder econômico e midiático, além de ser o grupo neopentecostal com mais fiéis no país.
Em 2008, Edir Macedo (em coautoria com Carlos Oliveira) publicou o livro “Plano de poder – Deus, os cristãos e a política”. No livro, Macedo afirma que Deus tem um plano político para os fiéis da IURD e para os evangélicos que sejam seus aliados: governar o Brasil.
Macedo diz que a “obra não se propõe à incitação de um regime teocrático. Até porque o Estado brasileiro é laico e a liberdade de crença é assegurada constitucionalmente”. Porém, nesses últimos quase 10 anos desde a publicação do livro, o que não falta são exemplos de violações à laicidade do Estado por parte de políticos evangélicos e, entre eles, de políticos ligados à Universal. Da mesma forma, a liberdade de crença assegurada constitucionalmente parece não existir nos discursos e ações de pastores da Universal quando se trata de religiões afro-brasileiras, de espíritas, ateus etc. Portanto, esta afirmação de Macedo não condiz com a realidade e é de esperar que a obra é sim uma incitação a um regime teocrático.
Além disso, na própria obra há diversos trechos que deixam isso claro. Macedo afirma que os cristãos devem participar do “projeto de nação idealizado por Deus para o Seu povo”. “[A Bíblia] não se restringe apenas à orientação da fé religiosa, mas também é um livro que sugere resistência, tomada e estabelecimento do poder político ou de governo […]”. Usando de um discurso maniqueísta bastante comum no meio neopentecostal (quem não está conosco está com o diabo), Macedo diz que “Existem os agentes do mal, que são aqueles que fazem oposição acirrada em vários sentidos — inclusive, ou principalmente, na política — aos representantes do bem”. Também afirma que “A potencialidade numérica dos evangélicos como eleitores pode decidir qualquer pleito eletivo, tanto no Legislativo, quanto no Executivo, em qualquer que seja o escalão, municipal, estadual ou federal”.
Quanto a outras denominações evangélicas, mesmo que não tenham – pelo menos, não de forma tão clara e organizada – um plano de poder como o da Universal, não escondem a intenção de estabelecerem uma nação regida pela moral cristã evangélica. Contudo, como essas outras igrejas (principalmente a Assembleia de Deus, maior denominação evangélica do país) tomam a Universal como modelo político a ser seguido, não é de se estranhar que outras denominações ou lideranças façam algo semelhante no futuro.
Uma última coisa a se mencionar é que essa intenção de domínio dos evangélicos num caráter antidemocrático, que vise impor a moral cristã ao Brasil está além de textos panfletários. Essa intenção está visível numa dimensão mais popular e abrangente, já inculcada na mentalidade dos fiéis e que pode ser melhor entendida a partir de uma expressão comum no universo evangélico: “O Brasil é do Senhor Jesus Cristo” (e suas variantes “tal cidade/estado é do Senhor Jesus”, “Feliz é a nação cujo o Deus é o Senhor”, sendo esta última um salmo). Essa expressão de “posse” de um território a determinada divindade e, consequentemente, a determinada religião, se sustenta, em parte, em uma característica inerente ao cristianismo e que tem sido uma das principais motivações para quase toda investida teocrática na história: o imperativo de converter todos ao cristianismo.
OS MEIOS
Os meios, as ferramentas para a instalação de uma teocracia evangélica no Brasil partem, particularmente, dos vastos poderes religioso, político, econômico e midiático dessas denominações.
Poder religioso / abrangência demográfica
Segundo o censo de 2010, 22,2% da população brasileira se declara evangélica. Um censo mais recente do Datafolha, de 2013, mostra que esse número já cresceu para 29%, sendo que 22% são neo/pentecostais. Portanto, há cerca 60 milhões de neo/pentecostais no Brasil.
Análises do perfil socioeconômico também mostram que estes milhões se encontram nas camadas mais pobres e menos escolarizadas do país, geralmente em contextos em que o poder público está totalmente ausente de suas vizinhanças e vidas. Somando-se a isso o fato de que uma estratégia de conversão comum no universo neo/pentecostal é atrair pessoas em situações de crise emocional, financeira, de saúde etc., o evangélico típico é um indivíduo de perfil manipulável e mais propenso a ser radicalizado. E considerando a participação política desses indivíduos, sabe-se que “eleitores evangélicos votam em seus pares, seus irmãos e pastores”.
Portanto, dezenas de milhões de brasileiros abertos à manipulação e radicalização prontos para votarem e apoiarem o que seus pastores sugerirem.
Poder econômico
Não é necessário se estender muito aqui, o poder econômico dessas igrejas é bem reconhecido. As principais lideranças religiosas neo/pentecostais são milionários e bilionários. Talvez, o que deixe mais claro, de forma sucinta, a dimensão desse poder é justamente o valor das riquezas das principais lideranças evangélicas do país divulgadas pela Forbes.
Vale ressaltar que Edir Macedo, por meio do grupo Record, também é dono de 49% de um banco, o Banco Renner.
Poder midiático
Mais uma vez, essa é outra dimensão de poder dessas igrejas bastante conhecida para qualquer brasileiro. E, também aqui, é a Universal que se destaca. Ela é dona da Rede Record, a segunda maior emissora no Brasil; o canal de notícias Record News; o jornal Folha Universal (circulação de mais de 2,5 milhões); a Rádio Record de São Paulo (que comanda um pool de outras 30 emissoras de rádio), a Rede Aleluia que possui 68 emissoras próprias; selos musicais. A Igreja Internacional da Graça de Deus, de R.R. Soares, ocupa o horário nobre da rede Bandeirantes, todas as noites, e conta também com uma concessão de televisão, a RIT (Rede Internacional de Televisão), que conta com 8 emissoras e mais de 170 retransmissoras. A Igreja Mundial do Poder de Deus, de Valdemiro Santiago, é dona da emissora Rede Mundial. A Igreja Apostólica Renascer em Cristo, de Estevan e Sônia Hernandes, opera várias emissoras de rádio em São Paulo e um canal de televisão, a Rede Gospel. Seria possível mencionar muitas outras igrejas, mas ficaremos apenas nessas.
Porém, a influência midiática das lideranças evangélicas tem ido além das tradicionais rádio e TV. Silas Malafaia, do ministério Vitória em Cristo, ligado à Assembleia de Deus, por exemplo, possui mais de 1 milhão e 300 mil seguidores no Twitter, além de 300 mil seguidores em seu canal no YouTube. Marco Feliciano, também ligado à Assembleia, tem meio milhão de seguidores no Twitter.
Poder político
Os evangélicos adentram a política nos anos 1980 e, desde então, só crescem em números e influência. Nos governos do PT, eles passam a ganhar papel de destaque nacionalmente e, no governo Temer, uma República Evangélica começa a ganhar seus contornos.
A força desse grupo se encontra particularmente no legislativo (municipal, estadual e federal), contudo, a tomada de cargos do executivo está em ascensão e é uma de suas estratégias políticas recentes, como será visto adiante. Em nível federal, a representação legislativa mais evidente deste grupo é a Frente Parlamentar Evangélica, conhecida popularmente como Bancada Evangélica. São 198 deputados e 4 senadores¹. Portanto, quase 40% dos deputados federais no Brasil pertencem à bancada Evangélica.
Adendo: Poder de coerção
Essa teocracia vem sendo gradualmente instalada no país por meio de atuação política e pressão popular, contudo, a possibilidade de criação de organizações evangélicas policialescas, paramilitares ou similares é possível, embora – por enquanto – ainda pareça pouco provável.
AS ESTRATÉGIAS
A professora da UFF, Christina Vital, que se dedica às relações entre evangélicos e política, em entrevista para a Folha de São Paulo, expõe algumas estratégias políticas recentes do evangélicos no intuito de estabelecer seu poder sobre o país:
Uma estratégia eleitoral de ocultação da identidade evangélica dos candidatos,
assumir cargos do executivo, com foco na presidência,
e assumindo a presidência, chegar ao Supremo Tribunal Federal.
Quanto à primeira estratégia, ela diz: “[…] eles adotaram um jogo de visibilidade e ocultação da identidade evangélica dos candidatos. Crivella não se registrou na Justiça como bispo Crivella, diferente do que fez o pastor Everaldo [candidato presidencial do PSC em 2014]”.
Quanto às segunda e terceira, ela afirma “[…] desde pelo menos 2014, há um investimento de importantes lideranças evangélicas em torno de unidade para ocupação dos Executivos”.
E nessa estratégia de chegar à presidência é que entra Jair Messias Bolsonaro:
Os evangélicos já ensaiaram a candidatura própria para presidente em 2014 com o Pastor Everaldo, no entanto, não teve muito sucesso. Isso está para mudar com o novo candidato dos evangélicos para 2018: Bolsonaro.
Bolsonaro, apesar de católico, é membro da Bancada Evangélica (há outros católicos também), assim como seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro. Porém, ano passado, Bolsonaro-pai foi batizado por ninguém menos que o Pastor Everaldo nas águas do Rio Jordão. Uma demonstração simbólica de aproximação com o eleitorado evangélico e com a alta cúpula (na época) dos políticos evangélicos.
E há uma declaração de Bolsonaro que deixa muito claro qual é sua opinião sobre a relação Estado/religião e quais suas intenções caso seja eleito Presidente da República. No início deste ano, ele disse:
– Deus acima de tudo. Não tem essa historinha de estado laico não. O estado é cristão e a minoria que for contra, que se mude. As minorias têm que se curvar para as maiorias.
A eleição de Bolsonaro seria a “cereja do bolo” nesse longo sonho de controle político da nação por parte dos evangélicos mais fundamentalistas, de se tornarem players do jogo político no país. Essa frase deixa clara a possibilidade da implementação de uma teocracia no país, apoiada por milhões de brasileiros radicalizados e um grupo cheio de poder político, econômico e midiático.
Se você se preocupa, acha possível uma ditadura militar no Brasil, uma teocracia evangélica é muito mais provável, porque ela já está em curso, é abertamente declarada e a cada ano se torna mais e mais real. É uma bomba prestes a explodir e destruir o que há de liberdades civis, políticas no Brasil… em nome de Deus! Essa é a maior ameaça antidemocrática nesse país.
Fonte (citado parcialmente): https://aventar.eu/2017/10/23/a-ameaca-de-uma-teocracia-evangelica-no-brasil-uma-analise-introdutoria/amp/
Nota: o artigo foi publicado há cinco anos atrás, mas continua verdadeiro e atual. Enquanto caminhamos para o pleito eleitoral, o atual presidente tem dado contínuas demonstrações de seu caráter fascista, neonazista, conservador e cristão fundamentalista.
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