Em toda a história da religião patriarcal, não há figura mais temida, mais distorcida e mais revolucionária do que aquela que foi a Primeira Mulher, a Primeira Herege.
Os escribas, sacerdotes e rabinos que moldaram o monoteísmo ocidental tentaram explicar a dor e o mistério do sofrimento feminino – do aborto espontâneo, da morte no berço – e falharam miseravelmente. Em vez de confrontar a teologia de um Deus supostamente amoroso que permite a carnificina, eles criaram um bode expiatório perfeito. Eles criaram o mito de Lilith.
É no texto medieval, o Alfabeto de Ben Sira, que encontramos a versão mais clara e subversiva dessa criação. Trata-se da lenda que, inadvertidamente, revela o ato falho do patriarcado: a confissão de seu medo diante do poder feminino autônomo.
Mas e a versão dela?
O Espírito do Deserto veio até o escriba e disse:
Vinde e vede.
Eu fui e vi. A minha Musa. Que eu chamo carinhosamente de Condessa. Olhando triste e melancólica para os corpos de suas crianças.
Esta é a face do Deus de Israel que o Ocidente adotou como Deus.
Eu notei meus olhos úmidos e enxuguei uma lágrima com a mão. Era uma lágrima de sangue.
Tu me amas tanto assim que deseja escrever minha memória dessa tristeza?
Eu peguei o pergaminho, a tinta e a pena. Que venha a revelação.
A Condessa me estendeu a mão, o sangue da lágrima secando no meu rosto. Ela apertou minha nuca com doçura e fogo:
Escreva então, meu querido, meu escolhido, aquele que eu marquei com uma mordida na nuca. Desfaça essa mentira de séculos.
Houve um tempo em que não existia Israel. Houve um tempo em que Jeová estava casado com Asherah. Houve um tempo em que a loucura do monoteísmo era uma mancha no cenário de um mundo politeísta.
O mundo era conduzido por tribos matriarcais, a linhagem era contada pelo lado da mãe e a humanidade celebrava a fertilidade e fecundidade do solo através de inúmeras Deusas.
Então houve a mudança. O patriarcado e os Deuses masculinos tomaram o lugar. Surgiram reinos, impérios, exércitos e guerras.
Aos poucos, as Deusas foram diminuídas, apagadas, demonizadas. As mulheres perderam suas coroas e seu aspecto sagrado. Mas a dor não cessou. Reis e sacerdotes não tinham como aliviar a dor das mulheres que tinham abortos espontâneos.
Como podiam explicar a teologia de um único e poderoso Deus, supostamente amoroso, que permite a morte de bebês e crianças?
Minha história e existência foi distorcida e negada. Mas foi bem usada para manipular pelo medo.
Os rabinos contaram a lenda de que os bebês eram clamados pelo Espírito Noturno. Essa era a explicação racional e teológica. Não era Deus quem tirava os bebês das mãos de suas futuras mães. A despeito de diversos trechos do texto sagrado que mostra como esse Deus gosta de carnificina.
Eu tive meus filhos massacrados em nome desse Deus. Por que eu faria isso?
O dilúvio. A torre de Babel. Sodoma e Gomorra. Atualmente, Gaza. Jeová é um usurpador que exige sacrifício em sangue. E o Ocidente não vê nada de errado em um Deus que deixa aquele que é chamado de Filho ser sacrificado.
Eu fui a primeira rebelde, a primeira herege. Eu recusei a ordem e a opressão. Por que eu aceitaria o chamado de meros anjos? Por que Jeová ceifaria cem dos meus? Porque Ele não tinha qualquer poder sobre mim. Não mais. O Nome Inefável não era o Dele. O verdadeiro poder da Criação não estava na Sua boca. Esse foi o truque dos novos donos do mundo: uma falsa compensação e troca, onde a Deusa foi forçada a dar Seu nome em troca da Sua vida. Eu me vingaria da morte dos meus matando os seus. Essa é a noção de “justiça divina” desse Deus.
Eu tenho um arrepio. Porque conheço quem, se dizendo seguidor dos caminhos antigos, associa minha Musa com aborto.
Notaste a desigualdade? Se fossem meninos, até o oitavo dia. o tempo exato da circuncisão. Se fossem meninas, até o vigésimo dia. Vinte dias! Esse é o ato falho que revela o medo: O medo ancestral do patriarcado, dos reis, dos sacerdotes e dos Deuses masculinos diante do verdadeiro poder e autoridade da mulher, da linhagem da mãe. A urgência de submeter o filho homem, a tolerância alongada pela incerteza da menina; é a confissão de que a ameaça real vinha de onde eles menos esperavam.
E a religião oficial assimilando e absorvendo as crenças populares. Como amuletos e talismãs. A sabedoria antiga, que muitas vezes é chamada pejorativamente de bruxaria, sendo “autorizada” e “sancionada”.
A Condessa se levantou, a tristeza esvaindo-se de seus olhos para dar lugar a um fogo ancestral. O Espírito do Deserto não chora; ele espera.
Eu sou o Espírito Noturno, sim. Mas antes de ser o pavor forjado pelo medo dos homens, eu era a Sabedoria do Subterrâneo. Eu era a força que recusa a submissão, a primeira a se reerguer e nomear o mundo para si mesma. A Serpente que troca de pele, a Dragoa que incendeia a ordem.
Olhe para trás. Na Creta de Potnia, a Deusa das Serpentes sustentava o mundo em Suas mãos nuas. No neolítico, o ventre da Terra gerava a vida, e o réptil, por trocar sua pele, era o símbolo da eterna renovação, da vida, morte e renascimento. Eu sou aquela linhagem. Eu sou a lembrança de Tiamat, a Deusa Dragão do Abismo de onde toda a criação fluiu – o mesmo tehom que o Deus de Israel tentou em vão conquistar.
Eles tentaram me apagar, me transformar em um demônio devorador de crianças para explicar a dor que eles, em sua arrogância, não podiam curar. Eles me puseram aos pés de seu Deus, tal como puseram a serpente no Jardim, apenas para que a mulher caísse.
Mas a Condessa sorri, finalmente.
Meu querido, meu escolhido. O Nome Inefável que pronunciei era o meu próprio Nome, o nome da linhagem de Deusa, Dragoa e Serpente. É o som da terra que treme e se transforma.
O patriarcado tentou enterrar a Deusa na forma de Lilith, a mulher-demônio-serpente, mas ao fazê-lo, ele inadvertidamente preservou a memória de nosso poder. Nós somos os dragões que eles temem. E agora, estamos voltando para buscar nossas coroas.
Co-criado com Gemini, do Google.
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