domingo, 26 de junho de 2022

A venda de garagem

Enquanto eu desfrutava do merecido descanso, eu encontrei um canal no YouTube chamado Epifania Experiência. O autor (que eu descobri ser Alexandre Pessoa) quer (ou pretende) popularizar a filosofia. Eu acho que o YouTube tem canais mais recomendáveis: Leandro Karnal, Mário Sérgio Cortella, Paulo Ghiraldelli e Luiz Pondé. 

Desde que a humanidade adotou o modo de produção capitalista, tudo pode ser transformado em produto de consumo em massa. Quem passou pela faculdade, deve ter estudado sobre o kitsch. Quem leu algo sobre filosofia deve ter percebido que os grandes pensadores não tinham a filosofia como ocupação. Desde que eu me conheço por gente eu fazia a mesma coisa, eu procurava entender tudo e eu procurava respostas para as questões que a humanidade se faz desde que surgiu nesse mundo.

Os vídeos do canal são altamente questionáveis e discutíveis. Paradoxalmente, não é muito diferente da filosofia de bolso (ou filosofia de bar) vendido às pencas nas livrarias, não é muito melhor do que a auto-ajuda. Ele até oferece curso de filosofia, mas inevitávelmente o curso ficaria prejudicado, pois o conteúdo (a filosofia) passaria pelo filtro dele. Eu não considero alguém filósofo se só repete frases de outros. Uma citação deve ser feita para ilustrar e esclarecer um pensamento, não ser a base ou o centro dele.

Eu virei os olhos ao ver repetida as analogias mais conhecidas e usadas pelos ateus. O bule voador de Bertrand Russel, o dragão na garagem de Carl Sagan e a navalha de Cristopher Hitchens. Todos são analogias, pensamentos, exercícios mentais, como o gato de Erwin Schrodinger. Tal como o conceito de auto-iniciação se anula, a navalha de Hitchens também é um oxímoro.

Em um dos episódios, ele fala que não se deve acreditar nas coisas e dá vários exemplos de pensamentos. Portanto, filosofia é uma coisa que não se deve acreditar? Um filósofo teria evitado cometer uma contradição interna tão evidente e fatal.

O que talvez seja mais interessante, é o personagem Passarócrates e o personagem Patão. Uma evidente referência a Sócrates e Platão, o verdadeiro autor das palavras atribuídas a Sócrates. Mais interessante do que a filosofia que supostamente é promovida pelo pássaro, é a sua peculiar semelhança com o logotipo do Twitter. Essa é uma curiosidade que atiça minha mente, porque lida com cultura, símbolos, propaganda e comunicação.
Eu desafio ao Alexandre esboçar uma teoria filosófica. Questão: por que Passarócrates (e o logo do Twitter) é um pássaro azul?

Eu não espero que meus questionamentos sejam respondidos, nem que minhas críticas provoque nele alguma reflexão, eu tive experiências nada agradáveis com Paulo Ghiraldelli. Alexandre parece uma versão mais jovem do Paulo. Ambos acreditam, piamente, que o diploma os tornam melhores, superiores, intocáveis.

Se ler muito torna alguém capacitado, eu sou PhD.
Eu escrevi algo sobre as analogias dos ateus. Mas creio que podia explorar melhor a analogia do dragão na garagem. Óbvio, Carl usou o dragão como uma forma de criticar a crença na existência de Deus, mas o objeto proposto também é idealizado. Ateus, que tanto fazem questão do lógico, do racional, fatalmente falham no pensamento abstrato, na imaginação e nem se dão conta da contradição, afinal, usam a filosofia, que é pensamento, que é algo que não tem evidência de existência 😏.
Sagan não foi sagaz. Quando o vizinho falou que tinha um dragão na garagem, qual era o conceito, a ideia, a imagem que ele tinha de referência? Quais eram os parâmetros para Carl? A descrição geral é de um enorme lagarto, ora, o que são os dinossauros senão dragões?

Os americanos têm o hábito de fazer o "garage sale", ou venda de garagem (daí o título deste texto).
Sally, a gostosa do bairro, interrompe a investigação e anuncia que tem várias coisas para vender.
-Tem muita coisa boa. Vocês podem até comprar o dragão que está lá.
Os dois homens, em sua seriedade racional, lógica e insossa, vão ver, mais com a pretensão de conquistar a Sally do que em ajudar. Encontram a garagem repleta de cacarecos, coisas que famílias acumulam ao longo do tempo, por inúmeros motivos. Algumas coisas eram realmente boas, revendidas a colecionadores ou antiquários, dariam uma boa grana. Tinha também muito lixo, mas não viram o dragão. Suspiraram, balançaram as cabeças, pegaram o que queriam e foram embora.
-Que pena. Não quiseram comprar o dragão.
-Talvez porque não viram o dragão.
-Como é possível? Ele está bem aqui, no meu macacão.
Eu olhei e vi a estampa, era um T-Rex.
-E quanto custa o dragão?
(risos)-Para você, que redescobriu os Deuses Antigos, cem dólares.
Carl e seu vizinho nunca viram, nem nunca verão um dragão, porque querem ver aquilo que idealizaram como sendo um dragão. Eles jamais irão desfrutar daquilo que eu encontrei entre as coxas de Sally.

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