Para o embaraço dos descrentes, muitos dos patriarcas da Ciência tinham sua espiritualidade e estavam envolvidos com o esoterismo. Nisso os descrentes se assemelham aos cristãos: pinçam aquilo que interessa e ignoram aquilo que não interessa para seu argumento/discurso.
Blaise Pascal é um destes. De todos os trabalhos que ele fez, o que inclui probabilidade, só lembram dele quando é para elogiar ou criticar o que foi chamado de "Aposta de Pascal".
No original: "Let us then examine this point,
and say, "God is, or He is not." But to which side shall we incline? Reason can decide nothing here.
There is an infinite chaos which separated us. A game is being played at the extremity of this infinite
distance where heads or tails will turn up. What will you wager? According to reason, you can do
neither the one thing nor the other; according to reason, you can defend neither of the propositions."
Outro que é igualmente lembrado é Ockham e o seu Princípio da Economia. Curiosamente, esse princípio foi nomeado assim, postumamente, pelo filósofo Johannes Clauberg, como homenagem ao frade Guilherme de Ockham, por onde o princípio ficou conhecido como Navalha de Ockham. Notem que o homenageado era um frade, um monge, um religioso e sua "regra" é usada na Ciência e seu princípio é utilizado pelos descrentes sem crise de consciência.
Tanto o que Pascal disse quanto o que Ockham disse podem ser definidos como "leis epigramáticas", vejamos o conceito, segundo o Wikipédia:
Lei epigramática é uma lei construída e enunciada a partir de uma percepção, observação ou ideia que, mesmo não sendo necessariamente verdadeira, alcança o status de lei como se comprovadamente o fosse. Essas leis geralmente possuem um tom sarcástico e satírico, sendo também mordazes e espirituosas. [Wikipédia]
Na mesma tipificação recai a "Navalha de Hitchens": o ônus da prova sobre a veracidade de uma alegação é de quem faz a alegação.
Ou a alegação [original de Carl Sagan] que diz: "Alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias".
São apenas alegações que não tem evidências, mas são aceitas pelos descrentes como se fossem verdades.
Mas voltemos a Pascal, afinal, o coitado é julgado por uma frase dentro de um de seus trabalhos. Ele escreveu conforme sua época, sua cultura e sua educação, então ele não teve o privilégio que nós temos hoje, com o conhecimento adquirido, de saber que as Escrituras Sagradas são repletas de contradições, interpolações, fraudes, traduções malfeitas e erros [científicos, históricos, arqueológicos, etc].
O coitado vem de tempos em tempos na Cafeteria Pantheon beber ambrosia, para tentar esquecer o que escreveu. Eu o sirvo, como de costume. Ele está bem loquaz e, pelo bafo, eu percebo que ele deve ter bebido bastante em outro lugar.
[hic]- Espectro, traga absinto. O melhor que você tiver.
- Perdoe minha indiscrição, senhor Pascal, mas eu acho que o senhor bebeu o suficiente por hoje.
[hic]- Isso é problema meu. Eu, digo, nós estamos mortos. Nada mais pode acontecer.
- Quer apostar?
[bravo]- Está tirando onda da minha cara? [hic] Quando eu escrevi meus pensamentos, eram apenas isso, pensamentos. [hic] Eu não tinha a menor ideia do que eu estava escrevendo.
- Talvez o senhor possa corrigir isso, utilizando alguma comunicação com o Mundo Humano.
[hic]- Eu pensei nisso, mas as linhas de comunicações com o Mundo Humano foi monopolizado pela Kardeck S/A. [hic] E para ser sincero, eu acho pouco provável que alguém vá dar crédito ao que eu tenho a dizer.
- Eu estou disposto a escrever.
[hic]- Por sua conta e risco.
- Eu aceito.
[hic]- Então, quando eu cheguei aqui, a primeira coisa que aconteceu foi um choque. Não era nada parecido com que eu achava que seria.
- Isso acontece com todos, senhor Pascal.
[hic]- Eu demorei um tempo para entender e me ambientar. [hic] Quando isso aconteceu, foi inevitável sentir vergonha do que eu escrevi. [hic] Então eu vi que aqui tem um cassino. [hic] Ora, eu sou o inventor da probabilidade, então eu estava certo de que iria estourar a banca.
- Senhor Pascal, todos nós demoramos a entender e nos ambientar para a realidade do Mundo dos Mortos, mas uma das coisas que aprendemos é ter cautela com a Fortuna.
[hic]- Eu sei, droga. Mas me deixei levar pelo orgulho. O cassino mostra bem o quanto eu estava enganado, o quanto qualquer um que fale desse mundo estará enganado.
- Um cassino é um estabelecimento onde se pode encontrar diversos jogos para tentar a sorte. Em suma, as chances começam em saber que tem o estabelecimento e se eu vou entrar. Entrando, eu tenho diversas opções de jogos, cada qual com suas mecânicas, regras e chances. Escolhido o jogo, deve-se saber as regras, as mecânicas e as chances. Escolhido o jogo, só então há a proposição de se apostar algo, visando um ganho. Para meu desespero, o dinheiro que eu tinha [sim, aqui tem moeda corrente, banco, comércio, etc] foi todo perdido e eu ainda perdi o montante que a casa "gentilmente" me ofereceu para continuar a apostar. Isso eu nunca previ, quando eu escrevi meus pensamentos. Eu jamais sequer pensei que não há necessidade alguma sequer de apostar, uma vez que o destino de todos é o Mundo dos Mortos. Eu jamais sequer pensei nas inúmeras opções que cada alma pode percorrer. Eu jamais sequer pensei nas inúmeras instituições que cuidam desse aporte. Eu jamais pensei nas inúmeras entidades responsáveis por esse transporte. Agora eu estou quebrado e endividado.
Eu balancei a cabeça, dei de ombros e servi o melhor absinto que nós tínhamos. Outras almas forma se juntando a ele nessa bebedeira, almas de descrentes, almas de crentes, todas confusas e perdidas. Eu, simples e ordinário espectro, sigo com minha vida dupla, como encarnado e como desencarnado. Se me cabe como consolo, eu sei que posso passar a bebedeira e ressaca no colo daquela que não ouso dizer o Nome.
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