Eu espero que o eventual e caro leitor não fique chateado,
eu vou contar uma história que, infelizmente, eu não consegui encontrar a
origem nem sua transcrição. Você, eventual e caro leitor, terá que confiar em
mim. Sim, eu sei que é difícil e complicado, afinal, escrever [e ser escritor]
é saber contar as coisas, sejam fatos ou fantasias.
Diz uma história que um grupo de rabinos [ou qualquer outro
grupo de homens] se reuniu com um único objetivo – conseguir encontrar com
Deus. Sabe como é, estavam contrariados e nervosos com as constantes
contestações e dúvidas.
Juntaram tudo o que sabiam e tinham para usar. O resultado é
que só poderiam enviar um deles para ter esse encontro com Deus. O representante
foi sorteado e começaram os preparativos. Com tudo pronto, eis que Rubens
[vamos chamar assim o nosso voluntário] some do local do experimento e atravessa
as dimensões. Algumas horas depois, ele volta, assustado, surpreso e agitado. Seus
companheiros, entre a preocupação e a curiosidade, perguntaram se ele encontrou
Deus. A resposta dele foi um escândalo e uma revelação:
- Eu vi Deus e Ela é negra.
Eu imagino como Caturo, o português pagão, racista, xenófobo
e supremacista branco entenderia essa experiência.
A figura mais conhecida, utilizada e interpretada [por
inúmeras razões] é a Vênus de Willendorf.
Quem diria, a arte no neolítico causaria furor entre os
cristãos fundamentalistas [redundância] e as feministas radicais por ser “pornografia”.
Para Marija Gimbutas e os seguidores das religiões da Deusa,
esta figura é uma evidência de um antigo culto à Grande Deusa. Oquei, eu topo,
desde que consideram as figuras de bisões da arte do neolítico uma evidência de
um antigo culto ao Deus Touro.
Voltemos à Vênus de Willendorf. Quem a fez não deixou
qualquer outro indício do motivo dessa representação. Pelos princípios da
magia, essa figura pode muito bem ser a típica magia de imitação. A mulher é retratada
para representar a fertilidade e fecundidade da terra e do gado. Tal como essa
mulher extrapola os sinais anatômicos de fertilidade e fecundidade, aquele
[aquela] que esculpiu aquela figura acredita que esse atributo será imitado
pela terra e pelo gado.
Nesse mesmo sentido, a figura do bisão [bem como do touro]
pode ser associada ao arar e semear da terra, sem o que não há produção de
alimento nem colheita. Se formos considerar a figura do bisão um indício de um
antigo culto a um Deus Touro, esse Deus seria igualmente responsável pela fertilidade
e fecundidade da terra e do gado. De certa forma, a presença de chifres nos
templos antigos da Turquia e de Creta deveria ser considerada um indício de que
os cultos eram voltados tanto a Deusa quanto ao Deus.
A passagem das estações, os ciclos de
nascimento/morte/renascimento e os ciclos do plantio estão associados à figura
do Deus sacrificado e renascido, bem como à importância do hieros gamos entre a
Deusa e o Deus para a existência do mundo e a continuidade da vida.
Mas quem seria e como seria essa mulher que foi retratada?
Provavelmente uma mulher da tribo. Como a figura foi achada na Áustria, a
figura foi reconstruída como sendo uma mulher corpulenta e branca, partindo do
pressuposto que a Europa foi habitada e colonizada por Caucasianos. Nada mais
enganoso. A presença menor de melanina foi uma adaptação ao ambiente. Achados arqueológicos
mostram que os antigos escoceses e britânicos eram bem escuros. Portanto há uma
enorme chance dessa mulher ser negra.
O que nos coloca de volta aos rabinos e a descoberta
escandalosa.
Sim, porque nada seria pior para nossa sociedade machista,
patriarcal e misógina do que as pessoas saberem que Deus é mulher e negra.
Todo o sistema social, baseado na segregação e discriminação,
teria fim.
Todas as religiões majoritárias, baseadas no medo, na culpa,
na vergonha e na exaltação da pobreza e miséria, teriam fim.
Toda a forma de produção baseada na exploração e
expropriação teria fim.
Toda forma de preconceito e intolerância [xenofobia,
racismo, homofobia e transfobia], teria fim.
A fome e a guerra não existiriam.
Viveríamos pela colaboração.
O mundo seria orientado pelo amor, gentileza e benevolência.
Então eu mal posso esperar para que o mundo reconheça a
Deusa para que eu possa me jogar em seu colo e ficar entre suas coxas.
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