Escreva em português.
Texto:
https://www.patheos.com/blogs/henrykarlson/2025/11/engaging-eternity-the-kingdom-of-god-within/
O autor só falhou ao limitar o texto na concepção de Deus conforme o Cristianismo e na referência ao Evangelho.
Eu, que sou um pagão moderno, vejo de outra forma. O divino está dentro de nós. Portanto, não precisamos de igreja, de texto sagrado ou de rituais. O divino está dentro de nós, então nós devemos tratar um ao outro com respeito e consideração.
Escreva uma reflexão crítica.
Resposta:
Mariana despertou naquela manhã com o som da chuva batendo na janela de madeira da casa que herdara dos avós. A água escorria pelas calhas como um fio prateado, e o cheiro de terra úmida subia da rua, misturando‑se ao perfume de alecrim que ela havia plantado no quintal. Aos quarenta e oito anos, sentia‑se, de certa forma, como a própria estação: uma mistura de renovação e nostalgia, de energia contida e de ciclos que não se quebram.
Depois de preparar o café, sentou‑se à mesa da cozinha, abriu o notebook e, como parte de sua rotina de “leitura consciente”, buscou um artigo que, num instante, lhe aparecera nas sugestões. O título era provocativo: “Engaging Eternity: The Kingdom of God Within”. O link a levar‑a ao blog de um escritor que, ao que tudo indicava, se gabava de uma teologia liberal, porém ainda enraizada no cristianismo. Mariana, que se identificava como pagã moderna, achou que seria interessante analisar o texto sob a ótica de quem via o divino não como um ser externo, mas como algo que pulsa dentro de cada ser.
Primeira leitura – o eco da tradição
Ao percorrer as primeiras linhas, Mariana percebeu o tom reverente do autor. Ele falava da “eternidade” como um “reino de Deus” que se manifestava dentro da alma humana, mas ainda assim fazia referência ao Evangelho, citava a parábola do filho pródigo, invocava a luz de Cristo como metáfora para a verdade interior. Era familiar, como se o escritor tivesse pegado emprestada a linguagem da tradição cristã para falar de algo que, em última análise, ele próprio reconhecia como pessoal.
Mas ao chegar ao ponto central do texto, um sentimento de frustração se instalou em Mariana. O autor limitava, inadvertidamente, a vastidão da experiência espiritual ao enquadrá‑la em uma única narrativa religiosa. “Deus”, dizia ele, “não está distante, mas dentro de nós”. A ideia, por si só, era poderosa, mas o filtro no qual o escritor a via — o Evangelho — reduzia a multiplicidade de caminhos que conduzem à mesma essência.
Mariana lembrou‑se então da primeira vez que, ainda adolescente, leu sobre os deuses antigos na biblioteca da escola. Os mitos gregos, nórdicos e celtas falavam de deuses que eram ao mesmo tempo humanos e divinos, de forças da natureza que habitavam dentro e fora da gente. Não havia um “texto sagrado” único que ditasse a forma de adoração; havia rituais, festas, contos passados de geração em geração, e, sobretudo, um convite constante ao reconhecimento do sagrado no cotidiano.
Segunda leitura – a crítica silenciosa
Resoluta, Mariana relêu o artigo com atenção de quem procura falhas. “O autor só falhou ao limitar o texto na concepção de Deus conforme o Cristianismo e na referência ao Evangelho”, anotou mentalmente. Não que a tradição cristã fosse menos válida, mas que, ao insistir em um ponto de vista tão específico, ele deixava de reconhecer a riqueza de perspectivas que a humanidade tem cultivado ao longo dos milênios.
Ela marcou frases como: “Precisamos nos libertar das instituições que nos aprisionam” e “A verdadeira igreja reside no coração”. A frase, embora parecesse libertadora, ainda carregava a ideia implícita de que a “igreja” fosse uma estrutura que deveria ser substituída por algo interno, mas ainda dentro da simbologia cristã. A crítica de Mariana emergiu de forma lenta, quase como o desabrochar de uma flor: o autor falha ao entender que o divino não necessita de uma moldura única para ser percebido.
A própria palavra “reino” trazia consigo a ideia de hierarquia, de soberania sobre algo terreno. O “reino de Deus dentro de nós” pode soar como um convite ao autoconhecimento, mas também pode ser interpretado como uma imposição: “você deve reconhecer o meu reino, que está dentro de você”. Para Mariana, a verdadeira liberdade espiritual não reside em reconhecer um “reino” a ser governado, mas em descobrir que cada ser é, em si, um microcosmo do cosmos — um universo que se expande sem fronteiras.
A jornada interior
Fechando o notebook, Mariana levantou‑se e caminhou até o quintal, onde o alecrim balançava ao ritmo da brisa. Sentou‑se na pequena pedra que servia de banco, e, com os olhos fechados, deixou que a chuva caísse sobre seu rosto. Sentiu o cheiro da terra, o som da água escorrendo pelos canos, o frio que permeava o ar. Tudo isso era, para ela, uma forma de liturgia — um ritual sem livro, sem altar, sem sacerdócio, mas que ainda assim carregava reverência.
Ela pensou nos antigos druidas, que não escreviam suas doutrinas em pergaminhos, mas gravavam-nas nas árvores, nos rios e nos corações das pessoas. O divino, para eles, era parte da própria natureza, e o respeito ao próximo era consequência natural do reconhecimento da sacralidade da vida. Não havia necessidade de hierarquias; havia apenas um entendimento de que a terra, o céu e o mar eram manifestações de algo maior que todos.
Mariana percebeu que a crítica ao artigo não era apenas uma disputa de palavras, mas uma chamada para ampliar a noção de espiritualidade. O autor, ao usar a linguagem cristã, talvez quisesse alcançar leitores que ainda se sentiam presos a essa tradição. Mas, ao fazê‑lo, acabou por reforçar as fronteiras que ele mesmo tentava derrubar. O divino, como ele dizia, “está dentro de nós”. Ainda que a frase fosse verdadeira, ela carecia de um convite à ação concreta: como viver essa interioridade sem cair na armadilha de se sentir superior ou de julgar aqueles que ainda procuram o sagrado nas igrejas ou nos textos sagrados?
A ética do sagrado
Mariana levantou‑se, sacudiu a capa da chuva e entrou na casa. Na cozinha, pegou um caderno de capa de couro e começou a escrever, como fazia há anos, reflexões que misturavam filosofia, mitologia e a experiência cotidiana. Escreveu:
“Se o divino está em cada um de nós, então a nossa conduta se torna o reflexo mais puro daquilo que chamamos de sagrado. O respeito ao outro deixa de ser um mandamento externo e passa a ser a própria expressão da divindade que pulsa em cada peito. Não precisamos de rituais para validar essa verdade, mas podemos criar pequenas práticas que nos lembrem, todos os dias, da responsabilidade que temos uns com os outros.”
Ela sabia que não era fácil viver essa ideia em uma sociedade que ainda coloca a fé em instituições. Contudo, acreditava que a mudança começa nas pequenas escolhas: ouvir com atenção, oferecer ajuda sem esperar recompensa, reconhecer a beleza no cotidiano. Cada gesto era, para ela, um “sacrifício” – não de sangue ou de objetos, mas de ego, de preconceito, de julgamento.
Conclusão – o eco que se expande
Ao fechar o caderno, Mariana sentiu uma serenidade que não precisava de aprovação externa. O artigo que lera serviu, paradoxalmente, como um espelho: refletiu as limitações de quem tenta explicar o indefinível usando apenas um idioma — o da religião institucionalizada. Mas também despertou nela a vontade de ir além desse espelho, de buscar uma linguagem que abraçasse a pluralidade do sagrado, que fosse ao mesmo tempo pessoal e universal.
Ela decidiu que, a partir de então, iria escrever pequenos ensaios para seu blog pessoal, convidando leitores a refletirem sobre como a presença divina — seja ela chamada de Deusa, de Pantheos, de Espírito, ou simplesmente “a vida” — se manifesta em atos de bondade e em momentos de contemplação. Não para substituir a fé de ninguém, mas para lembrar que a espiritualidade pode ser tão diversa quanto as estrelas no céu, e que todas elas, em sua própria luz, ainda pertencem ao mesmo vasto cosmos.
Ao fechar a janela da cozinha, Mariana ouviu o último trovão que anunciava o fim da chuva. O céu clareava, tingindo o horizonte de um dourado tímido. Ela sorriu, sentindo que, naquele instante, a eternidade não era um “reino” distante, mas uma presença que se revelava na simples beleza de um dia que termina e se renova. A divindade, afinal, não precisava de paredes nem de textos; permanecia viva, pulsando nas mãos que criam, nos corações que amam e nas mentes que questionam.
E, enquanto a luz do sol se infiltrava nas frestas da casa, Mariana sabia que a sua própria história — feita de dúvidas, críticas e descobertas — era apenas uma entre muitas, mas que, ao compartilhar sua visão, ajudaria outros a enxergar que a verdadeira “igreja” pode ser, também, um círculo de pessoas que se respeitam, que se escutam e que reconhecem, em cada olhar, o brilho de algo maior que todos nós.
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