Houve um tempo em que design significava apenas o que ele realmente é: o processo de elaboração de objetos, sistemas ou outros produtos. Um dia, descobriram — e corromperam — a palavra. Tudo virou design. No salão de beleza, agora só há nail designers, designers de sobrancelha, hair designers. A apropriação indébita do termo chegou à cozinha: inventaram um tal de food design, o que, na minha época, se chamava fazer o prato.
Assim é com "quântica", ramo da física que estuda objetos menores que o átomo. Desenvolvida a partir de estudos dos alemães Max Planck e Albert Einstein, a mecânica quântica fala de um mundo não só invisível, mas difícil de se imaginar. Nesse estranho universo, um objeto pode ocupar dois lugares ao mesmo tempo, apresentar-se em estados diferentes; isso sem falar nas propriedades "espelhadas" em partículas distantes.
A natureza é estranha, e temos de aceitar isso, disse o físico norte-americano Richard Feynman: "Espero que você possa aceitar a Natureza como ela é — absurda". (É dele também a piada: "Se você acha que entendeu a mecânica quântica, é porque não entendeu nada).
Se não temos a obrigação de conversar sobre física quântica como se fosse algo tão óbvio quanto a forma redonda da Terra, podemos, porém, dizer, com certeza, o que a mecânica quântica não é. E aqui voltamos à apropriação indébita de palavras, como design.
Especialmente a partir dos anos 1960-1970, auge da Nova Era, começou uma história de "cura quântica", "psicologia quântica", "espiritualidade quântica", "vibração quântica". Nem mesmo os deturpadores dessa área do conhecimento sabem explicar direito o que querem dizer, mas um chegou ao absurdo de definir em um livro: "A ciência quântica revela a interface entre espírito e matéria, apontando para a verdadeira espiritualidade".
Se o princípio da fé é justamente crer sem necessidade de provas, por que tentar se apropriar de uma teoria da física para "comprovar" conceitos que não são foco dessa disciplina? Meu palpite é que muitos charlatões deturpam a ciência — e a espiritualidade — para vender práticas pseudocurativas, como os "medicamentos quânticos". Valem-se dos incômodos do corpo e da mente para prometer "curas científicas".
Uma das partes mais fáceis (talvez a única) da mecânica quântica, porém, é o conhecimento de que as propriedades das partículas subatômicas só são verdadeiras quando interagem apenas entre elas. Então, mesmo que existisse um "óleo quântico", ele não agiria sobre um tumor. É como em Las Vegas: o que acontece no mundo quântico fica no mundo quântico.
A espiritualidade deve ser respeitada, e a ciência, também. São campos distintos e, por isso mesmo, sequer rivalizam, como muitos querem. A mecânica quântica jamais vai (e nem quer) explicar estados de alteração da consciência, sensação da presença de um ser superior, clarividências. Não porque essas experiências não existam, mas porque não é da competência da física prová-las ou rechaçá-las.
Fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2024/07/amp/6909045-bobagem-quantica.html
Nota: outra palavra apropriada e deturpada é "arquétipo". Muito usado, principalmente por farsantes e vigaristas. Em nosso meio.
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