Na ocasião, Merz disse que o governo havia reduzido os pedidos de refúgio em 60% em relação ao ano anterior, mas que “ainda há esse problema na paisagem urbana” – frase que ele associou à necessidade de intensificar deportações em massa.
Questionado depois sobre o que quis dizer, o chanceler respondeu de modo evasivo: “Pergunte às suas filhas. Presumo que receberá uma resposta muito clara e contundente".
"Nós somos as filhas"
A fala acendeu uma crise política e provocou protestos em todo o país, com destaque para as manifestações em Berlim. No último domingo (19), milhares foram às ruas com cartazes que diziam “Nós somos a paisagem urbana" e palavras de ordem clamando pelo Brandmauer – um conceito na política alemã de isolar a extrema direita.
Já na noite de terça-feira (21), milhares de mulheres, principalmente jovens, protestaram diante da sede do CDU na capital alemã aos gritos de "nós somos as filhas", em referência à frase de Merz que, questionado sobre a declaração considerada racista, respondeu dizendo para "perguntar às suas filhas" sobre o que ele estava se referindo.
“Nós somos mais de 40 milhões de filhas neste país. Temos um interesse genuíno em garantir nossa segurança. O que não aceitamos é sermos usadas como desculpa para declarações discriminatórias, racistas e profundamente ofensivas”, declarou a ativista Luisa Neubauer, uma das organizadoras do protesto. “O problema não é a paisagem urbana. É o racismo", diziam as manifestantes.
A líder da bancada da Esquerda (Die Linke) no Bundestag (o parlamento alemão), Heidi Reichinnek, acusou Merz de manipular politicamente o medo das mulheres para disseminar preconceitos.
"O chanceler federal Friedrich Merz instrumentaliza as mulheres para seu racismo descarado. Quando as mulheres caminham sozinhas para casa à noite, elas não têm medo de migrantes, elas têm medo de homens: o problema é uma masculinidade violenta e que ultrapassa limites".
De dentro da própria União Democrata-Cristã (CDU), partido de Merz, houve desconforto. O eurodeputado Dennis Radtke advertiu que o chanceler, ao sugerir que deportações resolveriam questões urbanas, “cria expectativas irrealistas e ignora a complexidade de problemas como pobreza, dependência química e falta de moradia”. Já o ex-governador da Renânia do Norte-Vestfália, Armin Laschet, classificou a fala como “nebulosa” e alertou que “essa ambiguidade só fortalece o AfD”.
Apesar das cobranças, Merz se recusou a se desculpar. Durante visita oficial a Baden-Württemberg, afirmou:
“Não tenho nada a retirar. Este tema não tem relevância para mim hoje e não terá no restante do dia".
A resposta, percebida como arrogante e insensível, intensificou o clima de repúdio.
Ecoando a extrema direita
A controvérsia surge em um momento delicado para a política alemã. O partido Alternativa para a Alemanha (AfD), de extrema direita e associado a ideias neonazistas, vem crescendo de forma consistente e já lidera em vários estados do leste, beneficiado por uma combinação de fatores: descontentamento econômico, problemas com a política migratória, discurso punitivista sobre segurança, além de euroceticismo e ataques às instituições e à imprensa. A legenda explora casos pontuais de violência para generalizar suspeitas sobre pessoas não brancas e com origem migrante, e capitaliza frustrações com serviços públicos e moradia para propor soluções simplistas.
Nesse cenário, a tentativa de Merz de “endurecer o tom” para reconquistar o eleitorado conservador que migrou para a AfD repete a retórica extremista e legitima seus quadros de referência, abrindo fraturas na coalizão de governo e na própria CDU. Como advertiu Laschet, “só nomear problemas não enfraquece a AfD; solucioná-los, sim”.
Enquanto isso, nas ruas, o recado é outro – e veio das mulheres. Como resumiu um dos cartazes erguidos em frente à sede da CDU: “Nós não somos o problema da cidade. Nós somos a cidade.”
Fonte: https://revistaforum.com.br/global/2025/10/22/nos-somos-as-filhas-chanceler-alemo-alvo-de-protestos-apos-flerte-com-extrema-direita-190323.html
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