Para uma menina canadense que estava descobrindo a Europa, foi uma grande revelação. Minha mente se encheu imediatamente com imagens de horror. Passei o dedo sobre um nome gravado na pedra áspera: Margarethe Kröber, minha eneavó, a avó de nona geração. Ela morrera mais de 300 anos antes, decapitada e queimada na fogueira como feiticeira, em novembro de 1642.
Décadas mais tarde, ainda assombrada por essa história, eu tentei descobrir mais. "O caso dela é particularmente trágico", comentou-me Walter Rummel, especialista local absoluto no assunto. Segundo ele, Winningen é ímpar, por seus volumosos autos de processo, totalizando de mais de 8 mil páginas, serem não só extremamente detalhados, como excepcionalmente bem preservados.
Cotejados com registros tributários, cadastros da igreja e do comércio, os manuscritos abrem uma janela sobre o modo como os aldeões reagiram à ameaça de supostas bruxas em seu meio – e como alguns souberam aproveitar a situação em proveito próprio.
As caças às bruxas da Europa representam um capítulo complicado, e, devido a sua própria natureza, as concepções equivocadas abundam. Acrescentem-se literatura, política feminista radical, a ascensão de movimentos neo-pagãos como a Wicca, e as águas ficam ainda mais turvas.
Dos Irmãos Grimm a O mágico de Oz, a mitologia em torno da figura da bruxa se cristalizou no subconsciente cultural. Mas, para além das imagens tantas vezes tratadas como fato histórico – por exemplo, que na Idade Média as bruxas fossem queimadas na estaca; que parteiras e ruivas fossem os alvos mais prováveis; ou que as perseguições fossem um instrumento da Igreja patriarcalista para subjugar as mulheres – as circunstâncias eram muito mais complexas.
Na Europa do início da Era Moderna, uma constelação de fatores – sociais, políticos, religiosos e climáticos – montou o palco para três séculos de caça à feitiçaria. Em suas pesquisas sobre o período, o especialista Wolfgang Behringer concluiu que as grandes ondas de perseguição estiveram relacionadas à sensível deterioração climática, entre os anos 1306 e 1860, atualmente denominada "Pequena Idade do Gelo".
Devido a uma recorrência de epidemias e desastres naturais, as populações europeias encontravam-se sob enormes pressões sociais e existenciais, e começaram a procurar explicações.
"Partindo do princípio de que a perda de colheitas teve papel importante no desejo de caças às feiticeiras, constatamos que, em sua maioria, elas não foram iniciadas pelo Estado ou a Igreja, mas sim pelo populacho", no que Behringer descreve como uma "forma de protesto" partindo dos cidadãos.
A prática tinha menos a ver com religião do que com formas de assentamento, prossegue: "Praticamente não há caças às bruxas em sociedades nômades, ou se a população é esparsa. A estrutura de aldeia, em que os habitantes moram uns colados nos outros, se vigiam mutuamente e ficam desconfiados se alguma desgraça ocorre, é um cenário mais provável para caças às bruxas, uma vez que os processos por bruxaria costumam ter a ver com subsistência."
Segundo a historiadora Rita Voltmer, autora de diversos livros sobre o assunto, a personagem da bruxa foi repetidamente instrumentalizada e até romantizada por pioneiras feministas, como a americana Matilda Joslyn Gage (1826-1898), e mesmo por propagandistas nazistas, para reforçar o argumento de que a Igreja Católica seria a principal promotora das perseguições.
"Eles todos eram parte desse movimento que adotou a ideia da curandeira-sacerdotisa, de origem às vezes céltica, às vezes germânica, e de que as mulheres louras e ruivas, nossas ancestrais, eram deliberadamente perseguidas pela Igreja Cristã influenciada pelo judaísmo, que se propusera destruir a verdadeira raça germânica."
Atualmente é consenso entre os especialistas que as inquisições fizeram de 50 mil a 60 mil vítimas na Europa, entre 1450 e 1789. E, embora houvesse focos em diversos países, o triste fato é que cerca de 25 mil dessas mortes ocorreram no território da atual Alemanha.
Quase 80% eram mulheres, mas havia variações regionais pronunciadas: em locais como Islândia, Rússia ou a província da Normandia, a grande maioria dos acusados de feitiçaria ou bruxaria era masculina.
Na Alemanha, então parte do Sacro Império Romano, a perseguição de bruxas ganhou uma base legal com o código penal Constitutio Criminalis Carolina (ou Peinliche Gerichtsordnung), promulgado pelo imperador Carlos 5º em 1532, que contava a bruxaria entre os crimes graves.
A partir daí, a caça às bruxas podia se realizar em todo o império em nome da lei e ordem. Na Alemanha, contudo, dividida em numerosas entidades e submetida a pressões e conflitos religiosos provocados pela Reforma, o tecido social criou uma mistura especialmente letal.
Isso nos leva de volta a Winningen, onde, dos 24 homens e mulheres acusados de feitiçaria, apenas três conseguiram defender a própria causa e ser absolvidos, enquanto 19 outros foram executados e dois morreram na prisão.
Minha antepassada Margarethe provinha de uma família bem situada e casou-se com o juiz Zacharias Kröber, portanto ambos pertenciam à elite social da cidade. Registros escritos indicam que ela tinha uma natureza rebelde. Ao ser oficialmente denunciada como bruxa, estava casada há oito anos e tinha dos filhos pequenos.
Acontece que Margarethe não foi a única da família a morrer no Hexenhügel: de fato, a mãe dela foi a primeira moradora de Winningen executada por bruxaria. Posteriormente, sua tia, seu primo e, pouco a pouco, todas as suas irmãs e um cunhado tiveram o mesmo destino.
Era típico dessa região a classe mais alta ser tomada como alvo da caça às bruxas. Porém até mesmo o historiador Rummel concorda que é excepcional esse extermínio sistemático de toda uma geração de esposas da família Kröber: "Feitiçaria era a mais grave acusação possível e, como um reator, irradiava tudo e todos em volta."
Através dos autos dos processos, todos em ornamentada caligrafia do século 17, eu soube que contra minha eneavó pesava uma longa lista de acusações, incluindo participar de um sabá de bruxas, envenenar concidadãos e voar.
Durante anos, Margarethe zombara de todos os boatos em torno de si. Mas um dia foi presa, despida para revista, teve os cabelos raspados e foi interrogada. Ela negou todas as imputações, apelando para que o marido atestasse sua inocência.
Entretanto, numa guinada especialmente lancinante da história – e obviamente para proteger sua posição na comunidade – Zacharias a deixou à própria sorte, alegando que, se ela era uma cristã devota, seu corpo suportaria a tortura. Mais do que isso: devia simplesmente confessar, "porque tu sabes que és uma bruxa".
Fosse como fosse, para extrair-lhe a "confissão", a comissão de inquisidores não a poupou da tortura, recorrendo a instrumentos que causavam lesões por esmagamento, como a "bota", e a submetendo a "enforcamento invertido".
A partir daí, fica duro ler os autos do processo. Os gritos e o sofrimento ("clamat et torturam") são devidamente registrados. Tragicamente, para ela a única saída do tormento era mentir – um pecado mortal, do ponto de vista de uma devota do século 17.
Após dois dias de agonia, Margarethe foi transportada para o local de execução e forçada a implorar o perdão dos cidadãos lá reunidos para assistir a sua morte. Com sua culpa assim aliviada, foi-lhe concedida uma mortre "misericordiosa" por decapitação, antes de seu corpo ser incinerado.
A perversão final veio na forma de uma comilança generalizada: segundo os cadastros, 250 litros de vinho foram levados em carroça até o local da execução. Assim, toda a cidade se tornava cúmplice, enquanto os fornecedores se enriqueciam. A conta da "festa" ficou para o marido da morta.
Enfim: poder, dinheiro, inveja, ressentimento estavam por trás dos processos de bruxaria, que em Winningen sempre se dirigiram contra os escalões mais altos da sociedade.
O último inquérito local, em 1659, não terminou em execução, pois as famílias mobilizaram recursos para revidar as alegações. Era o princípio do fim: o povo simplesmente não conseguia mais crer que tanta gente assim pudesse ser culpada de feitiçaria.
A histeria de caça às bruxas começou a amainar com a reforma das leis relevantes. Na era do Iluminismo, ciência e razão suplantavam a superstição; havia menos escassez de alimentos; e o advento dos sistemas de seguros reduziu o risco de desastres.
A última suposta bruxa da Europa foi decapitada na Suíça em 1782, encerrando assim um capítulo sombrio da história ocidental.
Fonte: https://www.dw.com/pt-br/eu-neta-de-uma-bruxa-queimada-na-fogueira/a-65481440
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