A memória lateja, um nó doloroso na garganta seca. Aquele castelo, Tissue, que outrora ecoava com as risadas infantis de Lord Fluffybutt III, agora retinha o cheiro acre do poder e da loucura. Antes, eram brincadeiras inocentes, travessuras que eu, Frau Holda, então com dezesseis anos, limpava com um sorriso cansado, mesmo quando ele me exigia favores que transcendiam o serviço de uma governanta. Eu era sua escrava, sim, mas também, de uma forma doentia que só a adolescência compreende, sua confidente.
Sua ascensão ao poder alterou tudo. A notícia da coroação dos seus pais, o Rei e a Rainha de Plunderia, chegou como um vendaval. De repente, as roupas de veludo e as brincadeiras de criança deram lugar a armaduras pesadas e a um olhar vazio, mas intenso. Ele mudou. O menino que eu conhecia se esvaía como areia entre os dedos.
A transformação foi gradual, sinistras rachaduras na fachada de um jovem nobre. Primeiro, foram os discursos estranhos, sussurros ao espelho sobre um “destino glorioso”. Depois, os acessos de fúria, incontroláveis, que deixavam rastros de objetos quebrados e servos apavorados. E então, a Revelação.
Lembro-me do dia com uma clareza terrível. Ele emergiu do seu quarto, os olhos brilhando com uma luz quase sobrenatural. Vestido com um roupão de seda escarlate, ele me encarou, o rosto contorcido num misto de êxtase e loucura. Ele falava do Grande Fofo, uma entidade divina de pelúcia, segundo ele, que lhe havia sussurrado no sono.
"Holda," ele sibilou, a voz rouca e diferente, "o Grande Fofo me escolheu. É meu destino dominar Aerthos! Ou, quem sabe, Illumina inteira! Eu serei o governante supremo! Tudo se curvará perante a minha glória!"
As palavras ecoaram naquela sala opulenta, e eu, imobilizada pelo medo e por uma estranha fascinação, vi minha juventude se desfazer diante de mim. O menino que eu conhecia, que eu servi até na mais profunda intimidade, estava perdido. Substituído por um monarca delirante, obcecado por poder e por uma divindade de pelúcia.
Nos meses seguintes, o castelo se tornou um caldeirão de preparativos para uma guerra sem sentido. Eu, a governanta, me vi imersa num turbilhão de intrigas, servindo às vontades de um homem que estava rasgando a sua própria sanidade e o seu reino com as próprias mãos. Aquele trabalho não era mais limpar o sangue de um nariz machucado. Era limpar o sangue de ambições insanas, a cada dia. O cheiro de poder, tão diferente e tão nauseante comparado ao cheiro de infâncias e promessas quebradas.
O Grande Fofo, aquele bendito Grande Fofo… um bicho de pelúcia com olhos de vidro que ele abraçava como se fosse a própria encarnação da divindade. Assisti, impotente, ao surgimento de um tirano, forjado não pela ambição, mas pela loucura, alimentado por uma entidade de pano e algodão. E eu, Frau Holda, continuava ali, presa na teia da lealdade, do medo e da perversa intimidade que me ligava ao meu Lord Fluffybutt III, enquanto o mundo se preparava para a sua chegada sangrenta.
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