quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Santíssima Trindade ou Triângulo Amoroso

Os reinos da Europa estavam devastados após as nove cruzadas encampadas pelos Cristãos. Mas esse culto cultivado entre escravos e servos ainda não estava saciado de sangue, nem se saciará, pois o Deus ao qual estes servem se alimenta de sangue. A Igreja de Cristo ainda alimentaria esse Deus com as vítimas da Inquisição e nas Guerras Religiosas entre Católicos e Protestantes.

Confusos, perdidos e desorientados, os patriarcas da ciência moderna flertavam com o ocultismo e o esoterismo. A alquimia, que deu os fundamentos da química moderna, foi gerada dentro do Hermetismo e este foi gerado pelo Gnosticismo, tendo o Neoplatonismo em seu DNA.

O Caibalion [1908] lista sete princípios herméticos:

1 – O todo é mente, o Universo é mental.

2 – O que está em cima é como o que está embaixo e o que está embaixo é como está em cima.

3 – Nada está parado, tudo se movimenta, tudo vibra.

4 – Tudo é duplo; tudo tem polos; tudo tem o seu oposto; o igual e o desigual são a mesma coisa; os opostos são idênticos por natureza, mas diferentes em grau; extremos se tocam; todas as verdades são meias-verdades; todos os paradoxos podem ser reconciliados.

5 - Tudo flui, para fora e para dentro; tudo tem suas marés; todas as coisas se levantam e caem; a oscilação do pêndulo se manifesta em tudo; a medida da oscilação à direita é a medida da oscilação à esquerda; o ritmo compensa.

6 - Toda causa tem seu efeito, todo efeito tem sua causa; tudo acontece de acordo com a lei; o acaso é simplesmente o nome dado a uma lei desconhecida; há muitos planos de causalidade, porém nada escapa à lei.

7 - O gênero está em tudo; tudo tem seu princípio masculino e o seu princípio feminino; o gênero se manifesta em todos os planos da existência.

Por conta disso, um dos objetivos da Alquimia visava a união entre o princípio masculino e o princípio feminino, que é expresso no conceito do hermafrodita hermético.

Esse conceito, em algum momento, acabou sendo misturado, sincretizado, com outras doutrinas orientais, tal como o tantra yoga, que deram origem à tão malfadada magia sexual, resquícios de antigos rituais, como o hierogamos e a prostituição sagrada.

Ah, sim, embora seja um assunto pouco comentado, omitido e escondido do público geral, o Paganismo Moderno tenta reconsagrar o corpo, o desejo, o prazer e o sexo. Mesmo na alvejada Bruxaria Moderna [a Wicca Americanizada] existe certo tabu em lidar com esses aspectos considerados da Mão Esquerda. Tanto que o Grande Rito se tornou uma mera encenação simbólica nas vertentes americanizadas da Wicca.

Eu devo ter deixado evidente a minha posição sobre a necessidade de realizar o hierogamos, bem como a minha sustentação da polaridade sagrada.

Eu afirmo, com certo romantismo, senão erotismo, que, quando dois se tornam um, se conecta com o divino. Nós somos seres humanos, distantes, separados ou esquecidos de nossa verdadeira essência e natureza. Por sermos humanos, nós somos imperfeitos e falhos. A união sagrada [pelo sexo] nos faz retornar ao nosso estado original, como filhos e filhas dos Deuses, como “reflexos” [cópias] do divino.

A mitologia sumeriana aponta que nós somos resultado de algum tipo de engenharia genética, onde seres humanoides receberam o DNA dos Annunaki no Edingir [Portal dos Deuses].

A mitologia grega aponta que nós somos resultado da obra de Prometeu, que fez nossos corpos com as cinzas dos Titãs, nos dando a faísca [fogo] divina.

A mitologia das religiões abraãmicas aponta para a Queda do Homem e o Pecado Original. As constantes “reformulações” nos textos sagrados dessas religiões parecem ecoar que o Homem Original foi dividido, ao dizer que Adão passou por uma cisão [teve sua “costela” removida] para que Eva fosse criada.

Mas ela não foi a primeira mulher. Na mística judaica, quando Adão foi formado, este tinha sido formado à imagem e semelhança de Elohim [nome coletivo, significando Filhos de El], portando o Homem Original era hermafrodita, indicando que este mistério precede o Gnosticismo, o Neoplatonismo e o Judaísmo. A outra “metade” desse Humano Original foi chamada de Lilith.

Para o sucesso do Jardim do Éden [uma cópia fajuta do Edingir sumeriano], Adão e Lilith foram separados para procriarem. Mas Lilith se recusou a se submeter a Adão, então ela pronunciou o Santo Nome, o que lhe deu poderes para fugir desse cativeiro.

Aquilo que Lilith pronunciou não foi o Nome do Deus de Israel, foi outro Nome. Nisso há um belo e interessante mistério. Da mesma forma como nós temos diversos nomes, alguns vinculados com o nosso serviço ou posição social, espíritos, entidades e Deuses também possuem seus Nomes. A correta pronúncia e entonação de um Nome, tal como os mantras hindus, causam alterações profundas na formatação do mundo tal como o conhecemos.

De acordo com as lendas judaicas, Lilith foi habitar no Mar Morto que, segundo essa espiritualidade, é um lugar habitado por demônios, o mesmo lugar onde, curiosamente, Cristo esteve antes de iniciar seu ministério.

Mas tem a parte triste e cruel. Quando Lilith rebelou-se e se recusou a viver conforme esse padrão, que nós reconhecemos como patriarcado, o Deus de Israel enviou anjos para caça-la e massacrou seus filhos.

Este Deus repetiria o feito contra os primogênitos do Egito [uma das dez pragas] e contra os recém-nascidos de Judá [os evangelistas colocaram a culpa em Herodes].

As lendas judaicas dizem que, por isso, Lilith tenta se vingar, se alimentando de recém-nascidos e do sêmen de homens.

Mas esta não é a única referência que cita Lilith. Na mitologia sumeriana, Lilith aparece no épico de Gilgamesh, estando associada à arvore huluppu e é descrita como uma criada de Inanna/Ishtar.

Isso indica que este mistério tem raízes mais antigas, o que é esperado, afinal, o pouco que sabemos dos mitos antigos foi transcrito a partir de tradições orais que se perderam nas areias do tempo.

Eu falo abertamente sobre os antigos cultos de Inanna, Ishtar e Astarte, para o escândalo de muitos pagãos modernos ainda presos ao recalque, à opressão/repressão sexual típica das religiões monoteístas. Sendo descrita como criada, ela [Lilith] encaixa perfeitamente na função de sacerdotisa e prostituta sagrada de Inanna, Ishtar e Astarte. Posteriormente, essas Deusas foram adotadas pela civilização grega e romana, recebendo o nome de Afrodite e Vênus. Ainda que possam ser a mesma Deusa, há a possibilidade de serem Deusas distintas, que compartilham uma origem em comum com as Deusas Primordiais, como Tiamat, o que se pode pressupor uma longa dinastia de Deusas descendentes da Grande Deusa.

No grande mistério cósmico, o Universo, tal como conhecemos, é resultado da união sagrada da Deusa com o Deus, por isso eu reafirmo a necessidade de realizar o hierogamos, bem como a minha sustentação da polaridade sagrada.

No mundo contemporâneo, o desafio das sacerdotisas da Deusa consiste em aceitar seu corpo, seu sexo, sua sexualidade, seu corpo, seu desejo, seu prazer como algo normal, natural e saudável. A sacerdotisa incorpora Lilith, no mínimo e, em nudez ritual, celebra a união sagrada com aquele que ela escolhe para ser o sacerdote. A sacerdotisa se empodera, se sacraliza, através de seu corpo, do sexo, não cabendo, então, reprimir, mas sim ressignificar, se apropriar, da pornografia e da prostituição como instrumentos da libertação da humanidade.

Dentro do círculo sagrado, o escolhido é recebido, tendo os olhos vendados e sendo conduzido por uma corda atada em seu pescoço. Diante do altar, o escolhido tem pés e mãos atados, sente em seu peito a ponta fria de uma espada [ou adaga] e ouve a pergunta secreta, cuja resposta provoca a morte e o renascimento. Eis, então, o mistério, pois o escolhido torna-se um [pelo sexo] com a sacerdotisa e a Deusa. Esse é o Triângulo Amoroso ou a Santíssima Trindade do Caminho do Bosque Sagrado.

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