quinta-feira, 12 de junho de 2025

A farsa da direita

Desde o surgimento das teorias de Karl Marx no século XIX, o comunismo passou a ser alvo de intensas críticas — tanto do ponto de vista econômico quanto político e moral. Essas críticas se intensificaram ao longo do século XX, especialmente com a eclosão das revoluções comunistas e o surgimento de regimes inspirados no marxismo-leninismo, como a União Soviética, a China maoísta, a Coreia do Norte, entre outros.

Durante a Guerra Fria, o confronto ideológico entre o bloco socialista e o bloco capitalista acirrou ainda mais os ataques ao comunismo. A propaganda anticomunista tornou-se uma poderosa ferramenta política, especialmente no Ocidente, onde o campo de esquerda era frequentemente associado a autoritarismo, censura, perseguições e desrespeito aos direitos humanos.

Com a queda do Muro de Berlim em 1989, o colapso da União Soviética em 1991 e o fim da Guerra Fria, muitos viram nesse momento a confirmação do "fracasso definitivo" do comunismo como alternativa ao capitalismo. O triunfo geopolítico do Ocidente foi interpretado por alguns pensadores — como Francis Fukuyama — como o “fim da história”, em que o liberalismo capitalista se consolidaria como o modelo dominante e superior.

Esse novo cenário fortaleceu uma onda de obras revisionistas e críticas ao passado comunista, muitas vezes de forma generalizante e ideologicamente carregada.

Nesse contexto, surgiu em 1997 o Livro Negro do Comunismo, coordenado pelo historiador francês Stéphane Courtois e escrito em colaboração com diversos outros autores, como Nicolas Werth e Jean-Louis Panné. A obra causou forte impacto ao propor um balanço dos crimes cometidos por regimes comunistas no século XX, como os da URSS, China, Camboja, Coreia do Norte, Cuba, entre outros.

O livro causou controvérsia desde seu lançamento, principalmente por duas razões:

A comparação direta com o nazismo: Courtois afirma já no prefácio que o comunismo teria sido responsável por mais mortes do que o nazismo, e que, portanto, deveria ser considerado igualmente ou até mais condenável. Ele estimou o número de mortos em 100 milhões, mas a própria contagem é vista como arbitrária e questionável.

As críticas dos próprios autores: Curiosamente, vários dos coautores do livro se distanciaram das conclusões de Courtois. O historiador Nicolas Werth, por exemplo, afirmou que o número de 100 milhões de mortos era inflado e que Courtois parecia ter uma "obsessão ideológica" por equiparar o comunismo ao nazismo a qualquer custo.

Além disso, o autor afirma que o comunismo é ainda pior que o tráfico de escravizados transatlântico, já que esta matou "apenas" 10 milhões de pessoas, enquanto o comunismo teria matado 10 vezes mais.

As comparações são desonestas e tendenciosas, já que se aplicadas as mesmas medidas para o regime capitalista o número de mortes seria pelo menos 20 vezes maior.

Além disso, o livro banaliza o horror que foi o Holocausto, considerando que as comparações do comunismo com o nazismo são absurdas, já que o nazismo é uma ideologia racista.

Além disso, algumas das afirmações feitas na obra — como a ideia de que o comunismo teria sido "pior que a escravidão" ou que todos os regimes socialistas podem ser tratados como iguais — foram amplamente criticadas por historiadores e cientistas políticos.

O exemplo da Guerra do Vietnã é desconcertante também, tendo em vista que a intervenção americana no país matou mais de 1 milhão de vietnamitas.

A questão do Holodomor
Uma das partes mais polêmicas do Livro Negro do Comunismo é a abordagem sobre o Holodomor, a grande fome que devastou a Ucrânia entre 1932 e 1933, durante o regime de Josef Stálin na União Soviética. O número de mortos é impreciso. O evento é reconhecido por diversos países como um genocídio deliberado contra o povo ucraniano, embora essa interpretação ainda seja objeto de intenso debate acadêmico.

No Livro Negro, o Holodomor é apresentado como parte das políticas repressivas do regime soviético, mas nem todos os autores envolvidos na obra concordam sobre o caráter intencional da tragédia. Um dos principais colaboradores, Nicolas Werth, responsável por grande parte do capítulo sobre a União Soviética, afirmou publicamente que não considera o Holodomor um genocídio deliberado, mas sim uma consequência trágica de políticas incompetentes da coletivização promovida por Stalin.

O Livro Negro é um punhado de fontes questionáveis, afirmações infundadas e resultado de um século de uma guerra ideológica muito bem sucedida. Até hoje o livro é referência - seja para repreender o "terrível" regime ou criticar as falácias repetidas incansavelmente ao longo dos anos.

Fonte: https://revistaforum.com.br/historia/2025/6/8/livro-negro-do-comunismo-as-farsas-da-obra-que-foi-renegada-pelos-proprios-autores-181033.html

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