terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

A literatura e o pensamento medieval

Quando se fala em literatura clássica, eu posso citar as obras Teogonia [Hesíodo], Ulisses [Homero], Ilíada e Eneida [Virgílio].

A literatura é uma das poucas artes humanas que sobreviveram ao fim do Império Romano e a ascenção do Cristianismo. A literatura na Idade Média não ficou restrita ao domínio da Igreja ou a temas religiosos.

Nessa época apareceu o romance de cavalaria e os poemas épicos. O mais antigo deles é Beowulf que, junto com a Canção dos Nibelungos e a Saga dos Volsungos, consistem em textos baseados em sagas heróicas que registram os resquícios das lendas antigas misturadas com as tinturas cristãs.

Outro grupo são os chamados de Matéria, da França, da Bretanha e de Roma.

Na Matéria de França, pode-se citar as Canções de Gesta e o ciclo Carolíngeo, de onde o personagem Astolfo é originado.

Na Matéria de França consta a história de Roman de Renart [Reynard, o Raposa], a Canção de Rolando e a Canção de Roncesvale.

Na Matéria de Roma, pode-se citar o Romance de Alexandre, o Romance de Tróia, o Romance de Tebas e o Romance de Enéias.

Na Matéria da Bretanha, pode-se citar Mabinogion, o ciclo de Ulster e o Arturiano.

Muitos dos preconceitos e estereótipos dessa época surgiram das versões feitas para o cinema baseadas nessa literatura.

Mesmo assim, pode-se dizer que a literatura reflete a sociedade e a cultura de sua época. Portanto, a literatura medieval é conhecida mais pelos romances de cavalaria, reflexo da organização social, política e econômica em feudos, dominados pelos senhores feudais, que formavam a corte e a aristocracia, consolidadas na figura do rei e no regime monarquista.

Muitos dos romances modernos herdaram essa visão romântica da literatura medieval, como a figura da princesa que espera por seu cavaleiro em sua armadura brilhante para resgatá-la.

O outro lado também é verdadeiro, como o preconceito e estereótipo da figura da madrasta, da bruxa, da fada e do dragão.

Esse era um mundo onde o maniqueísmo cristão separava tudo nessa luta do "Bem" contra o "Mal", onde o cavaleiro era o defensor dos valores e da moral, algo que era extremamente relativo, pelos relatos que lemos na história, a figura do "paladino" ainda é usado na Era Contemporânea por interesses políticos, econômicos e sociais.

O Feudalismo acabou faz séculos, mas a mentalidade da época, não. Basta observar as ideias e ideais esponsorados pelos conservadores, cristãos, de direita, para percebermos ecos desse pensamento arcaico e obsoleto.

Esse sonho de voltar aos "bons tempos", voltar para essa "Era Dourada", é o principal objetivo dos conservadores, dos fundamentalistas cristãos e das organizações de direita.

Um mundo feito para poucos. O mesmo "mundo" que se vê em perigo e ameaçado pela mudança que acontece na sociedade. O mundo que foi idealizado pelas pessoas brancas, cristãs e heterossexuais. O mundo onde a escravidão foi a norma até o século XVIII. O mundo onde ainda é normal agredir e matar uma pessoa somente por ser homossexual. O mundo onde o único "direito" da mulher era o de servir eternamente ao "senhor", seu marido. O mundo onde até o início do século XIX era normal ter 18 horas de trabalho e salário precário. O mundo de pessoas separadas por origens étnicas, sociais, políticas e econômicas. O mundo de privilegiados cercados por milhões de pessoas que sequer eram consideradas humanas.

Em nosso mundo, algumas pessoas corajosas retomaram e ressignificaram o conceito da bruxa.

Dificilmente vai acontecer o mesmo com o dragão. Mas, na falta de um monstro mítico, tirando os monstros criados pelo cinema, os senhores da sociedade souberam inventar alvos para fomentar o pânico moral.

Não tem dragão, mas tem a "ameaça comunista", a "doutrinação marxista", a "agenda lgbt", a "ideologia de gênero" ou qualquer outra insanidade [como o negacionismo da pandemia e as ações contra a vacinação] para disseminar o medo e a insegurança no público. Quando a massa agiu movida pelo medo, nós tivemos a Inquisição e o Holocausto. Esse medo caótico e paranóico é cultivado para que surjam os heróis, os messias, os paladinos que se oferecem para salvar as pessoas. E a cada vez que isso acontece, outras vítimas são imoladas no altar do lucro financeiro.

A humanidade tem muitos desafios a superar, se quiser ser realmente humana.

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