Eu estou analisando um texto de Jacob Falkovich sobre nossa
sociedade sexo-negativa.
Ele pergunta: como isso pode acontecer em nossa cultura que
é tão sexo-positiva?
Isso é interessante e curioso. Pode-se afirmar que nós
estamos em uma cultura sexo-positiva? Se sim, por quê? Se não, por que não,
quais as causas da repressão/opressão sexual? Eu pessoalmente tenho motivos de
sobra para identificar nossa cultura e sociedade como sendo um sistema
sexualmente doente por ter a influência da espiritualidade judaico-cristã, que
vê tudo que concerne ao corpo, ao desejo, ao prazer e ao sexo como algo ruim,
sujo, vulgar e “pecaminoso”.
Jacob comete diversos erros de análise e comparação. As
considerações que ele faz devem ser contextualizadas dentro da história, da
sociedade, da política e da cultura.
Até o início da Era Moderna, o Cristianismo [em suas várias
vertentes] determinou os dogmas e doutrinas que definiram a biopolítica [para
usar um termo do Foucault] dos países. Somente com o advento do Estado Laico a
biopolítica começou a se livrar desse esbulho doutrinário autoritário. Os
países começaram a pensar em políticas para planejamento familiar, prevenção de
doenças venéreas, métodos contraceptivos, inseminação artificial e o reconhecimento
das uniões homoafetivas. Os meios de comunicação de massa, como parte do
sistema, dão espaço para estas questões por causa do potencial mercadológico,
não porque acreditam ou apoiam a causa LGBTQ+.
Ainda assim, a postura de nossa sociedade é dúbia [para não
dizer hipócrita] diante da pornografia e da prostituição. As pessoas que são
profissionais do sexo ainda são estigmatizadas. A despeito de Freud e Kinsey,
ainda vigora uma visão idealista e romântica sobre a sexualidade das crianças e
dos adolescentes. A repressão/opressão sexual resulta em recalque, parafilia, misoginia,
violência física/sexual e feminicídio.
Eu vou traduzir e citar uma definição dada pelo Jacob:
“A Wikipedia define positividade sexual como “uma atitude em
relação à sexualidade humana que considera todas as atividades sexuais
consensuais como fundamentalmente saudáveis e prazerosas”. Isso soa mais como o
que as pessoas querem. Saúde e prazer, sexo que faz você se sentir bem e com o
qual você se sente bem, que deixa todos os participantes em melhor situação,
seus relacionamentos mais fortes, seus corpos e almas nutridos”.
Eu acredito que Jacob deveria estender a citação e incluir
esse trecho do Wikipédia:
“Os termos e o conceito de sexo positivo e sexo negativo são
geralmente atribuídos a Wilhelm Reich. Sua hipótese era que algumas sociedades
veem a expressão sexual como essencialmente boa e saudável, enquanto outras têm
uma visão geralmente negativa da sexualidade e procuram reprimir e controlar a
libido. Outros termos usados para descrever este conceito incluem pró-sexo ou
pró-sexualidade.
O movimento sexual positivo não faz, em geral, distinções
morais ou éticas entre sexo heterossexual ou homossexual , ou masturbação ,
considerando essas escolhas como questões de preferência pessoal. Outras
posições sexualmente positivas incluem aceitação de BDSM e poliamor, bem como
assexualidade . O movimento sexual positivo também está preocupado com o ensino
de educação sexual abrangente e precisa nas escolas”.
Original: https://en.wikipedia.org/wiki/Sex-positive_movement
Wilhelm Reich constituiu uma heresia que pode ser equiparada
ao estudo realizado por Alfred Kinsey.
Jacob segue com suas considerações:
“O problema é que o sexo positivo não resulta apenas de
"ter uma atitude" de que é assim. É o resultado do cultivo de
habilidades físicas e espirituais e do discernimento dessas habilidades nos
outros. Pode ser um esforço intimidante, que requer instrução e encorajamento.
Ambos estão visivelmente ausentes de todas as culturas e subculturas
tradicionais que conheço. Todos eles têm seus próprios critérios, como
consentimento ou matrimônio, para declarar se o sexo é permitido ou não, se é
bom ou ruim. E quando eles entram nos aspectos detalhados do sexo, eles se
concentram quase exclusivamente nos negativos”.
O autor fala de algo que me interessa: o sexo como uma
ferramenta espiritual. Imediata e conjuntamente, é necessário incluir os
conceitos de que o corpo, o desejo e o prazer são sagrados, algo crucial e
determinante no Paganismo Moderno. Mas fica a questão pertinente: nós estamos
em uma sociedade sexo-positiva? Eu creio que não. Mesmo em pleno século XXI,
iniciativas que visam a educação sexual esbarram na resistência, tanto da
sociedade, quanto de grupos conservadores e cristãos. Não é difícil achar
páginas na internet e redes sociais mantidas por esses grupos onde decantam discursos
doutrinários sobre o “perigo” da Ideologia de Gênero e se destilam discursos de
ódio contra a Comunidade LGBTQ+. Essas minorias políticas não conseguem exercer
seus direitos devido à essa ação reacionária dos conservadores e cristãos.
Jacob prossegue, detalhando suas considerações:
“Os conservadores são negativos em relação ao sexo. Eles
falam sobre o sexo como perigoso e corruptor, que deve ser reprimido e regulado
em prol da ordem social e dos ‘valores familiares’. O Cristianismo tradicional
promete que o sexo seria divino se você apenas esperasse até o casamento (e é
heterossexual, monogâmico e não muito excêntrico), mas oferece pouca orientação
sobre como realmente torná-lo assim, ou o que fazer se os recém-casados virgens
descobrirem que o as sexualidades que eles mantiveram reprimidas até o dia feliz
são menos do que compatíveis”.
Tem algo aqui que não ficou explícito: há um vínculo
estreito entre os conservadores e o cristianismo “tradicional” [eu diria
fundamentalista]. Mas Jacob não deve ter estudado a História do Cristianismo.
Houve uma época em que o Cristianismo se posicionava contra o “casamento
tradicional”. Eu acredito que, se vivêssemos em uma sociedade sexo-positiva, o
conservadorismo e o cristianismo fundamentalista seriam somente extravagâncias
de séculos anteriores. A reação contra a união homoafetiva [e o reconhecimento
das pessoas transgênero/intersexuais] e a constante agressividade contra a
Comunidade LGBTQ+ demonstram que esses grupos estão longe de serem meras
extravagâncias obsoletas.
Vejamos qual a consideração do Jacob sobre os
“progressistas”:
“Os progressistas são negativos em relação ao sexo. Eles
apóiam exibições de sexualidade (especialmente por mulheres e minorias
sexuais), mas muitas vezes colocam o próprio ato sob suspeita de assédio,
catação, exploração ou uma miríade de outras formas de violência infinitamente
traumatizante. A visão dworkiniana de que qualquer relação sexual heterossexual
é uma extensão da dominação geral das mulheres pelos homens está presente como
uma tendência em muito feminismo, mesmo quando não é explicitamente declarado.
Tem-se a sensação de que, em uma utopia progressiva, todos ostentam sua
sexualidade como um marcador de identidade, mas ninguém chega a flertar ou
dormir com ninguém”.
Eu creio que as considerações de Jacob estão equivocadas. Eu
não tenho certeza do que ele considera ser um “progressista”, mas ele está
evidentemente confundindo determinados discursos [ideologia] com ações práticas
[biopolítica]. Veja bem, a sexualidade, em especial a feminina, era tabu até o
início da Era Contemporânea e, mesmo depois da dita Revolução Sexual, é curioso
e incompreensível que a obra “50 Tons de Cinza” [praticamente um elogio à
submissão feminina] tenha se tornado um best-seller. Apesar de estarmos no
século XXI, poucos são os países onde existe educação sexual nas escolas. Mesmo
assim, a sociedade ocidental ainda é marcantemente machista, misógina,
patriarcal e heteronormativa. O ponto que Jacob parece ter ignorado é que a
grande maioria dos “homens” recebe educação sexual por revistas adultas
masculinas e pela pornografia industrial. A masculinidade e a feminilidade, os
papéis sociais dessas sexualidades, estão prejudicados com o resquício do
Puritanismo Vitoriano. Aquilo que ele considera como uma “tendência do
feminismo” é amplamente discutido e criticado pelas demais linhas do Feminismo,
então me parece choradeira de homem antifeminista. Eu pessoalmente espero que a
humanidade consiga evoluir para uma Onigamia.
A consideração seguinte do Jacob aponta exatamente para a
consequência de não estarmos em uma sociedade sexo-positiva:
“Masculinistas são sexo negativo. Eles enquadram o sexo não
como uma experiência positiva em si, mas principalmente como uma forma de
marcar pontos na hierarquia competitiva dos homens. Esta visão é compartilhada
tanto por incels que aceitam fatalisticamente seu lugar no porão dessa
hierarquia (mãe) e pelos autoproclamados gurus alfa da manosfera, dizendo a
seus discípulos como o sexo é uma ferramenta usada pelas mulheres para privar
os homens de sua vitalidade e renda. Os artistas do flerte aprendem truques
vulgares para dormir com mulheres desesperadas que fingem se apaixonar por
eles, nenhum dos lados respeitando o outro ou investindo na qualidade da
experiência do outro”.
Eu creio nem ser necessário analisar. Se nós fossemos uma
sociedade sexo-positiva, masculinistas, incels e artistas do flerte seriam
somente um caso de psiquiatria ou de polícia, conforme cada caso.
Vamos às considerações sobre os políticos:
“Os políticos são negativos em relação ao sexo, procurando
principalmente por pedaços de expressão sexual para proibir e regular quando
não estão envolvidos em seus próprios escândalos sexuais (e especialmente
quando estão)”.
O grande erro quando se fala nos políticos é esquecermos de
que eles são pessoas, gente da nossa gente e, portanto, sofrendo dos mesmos
recalques e frustrações criadas e cultivadas pela espiritualidade
judaico-cristã. Como eu disse anteriormente, somente com o advento do Estado
Laico é que os países começaram a pensar em políticas para planejamento
familiar, prevenção de doenças venéreas, métodos contraceptivos, inseminação
artificial e o reconhecimento das uniões homoafetivas. Como parte da política
de saúde pública, os políticos [governantes e deputados] tem o dever de
elaborar formas de prevenir a disseminação de doenças venéreas, formas de
planejamento familiar, formas de controle populacional e formas de combater a
violência sexual. Por pressão de diversos grupos, os políticos tentam achar um
consenso de quais expressões sexuais são permitidas e quais dependem de
regulamentação. Por exemplo, até as últimas décadas do século XX, a
homossexualidade era considerada crime, inclusive nos países do Primeiro Mundo.
Eu ouso dizer que a atual paranoia/histeria [pânico moral] criada em torno da
pedofilia é consequência direta da insistente visão romântica que idealiza a
criança e o adolescente como inocente, ingênuo e assexual.
Vamos às considerações sobre o “mundo corporativo”:
“A cultura corporativa é negativa para o sexo. O funcionário
ideal fica com medo de flertar com qualquer pessoa no trabalho e fica no
escritório até tarde para flertar com alguém de fora”.
Aqui eu creio que recai no mesmo aspecto de estarmos em uma
cultura sexo-negativa, marcada pelo machismo. Os homens ainda são educados para
encenar um determinado papel social onde a mulher tem o dever de ser submissa.
O homem vive em uma sociedade regrada pela supremacia masculina e mesmo assim
se vale de sua posição hierárquica para angariar favores sexuais. Isso só mudou
porque a mulher teve seus direitos garantidos, por meio do que Jacob descreve
como proibição e regulamentação. Como o homem não foi educado e criado dentro
de uma sociedade sexo-positiva, ele vê sua supremacia [sua masculinidade]
“ameaçada”. A mulher só pede respeito. Nós não aprendemos coisa alguma sobre
cavalheirismo e formas civilizadas de cortejamento.
Vejamos as considerações sobre o sistema educacional:
“O sistema educacional é negativo em relação ao sexo,
especialmente quando envolve ‘educação sexual’”.
Eu creio ser redundante. Poucos são os países onde
efetivamente existe um sistema educacional onde esteja incluída a educação
sexual. A conclusão mais óbvia é que essa é uma característica de uma sociedade
sexo-negativa.
Vejamos as considerações sobre a mídia:
“A mídia nega o sexo. Seu interesse lascivo é principalmente
por sexo que viole a lei ou as normas de consentimento, ou que, no mínimo, seja
miserável e traumatizante”.
Eu creio que o autor é muito vago, pois não fala de quais
mídias, nem de quais conteúdos. Como bacharel em Comunicação Social, Propaganda
e Marketing, eu tendo a discordar. Eu tenho que fazer referência ao que se foi
dito quanto aos políticos e às necessidades de elaborar uma biopolítica, certos
comportamentos e expressões sexuais recaem ou na categoria “normais”, ou na
categoria tolerado, ou na categoria criminoso, por circunstâncias que se pode
atribuir como resultado/consequência de não estarmos em uma sociedade
sexo-positiva. Dentro disso, o canal da mídia que explora [comercialmente] o
tópico policial tem a serventia de fomentar o pânico moral que só interessa aos
conservadores e fundamentalistas cristãos. Mas quando consideramos que nestes
mesmos canais existe uma enorme massa de anúncios repletos de erotismo, então a
mídia tenta parecer sexo-positiva, porque isso é potencialmente lucrativo para
o comércio. Esse aspecto fica mais tênue e difuso quando consideramos os
programas de auditório, reality shows, novelas e filmes. E eu nem farei
considerações sobre o caso da internet.
Vejamos as considerações sobre o Capitalismo:
“O capitalismo sabe que sexo vende, mas não está vendendo
sexo a você. Ele te vende sex appeal - as armadilhas que fazem seus colegas (e
você) se considerarem digno de sexo. O valor do sexo é vendido de várias
maneiras: relógios de luxo, vestidos de luxo, diplomas de luxo, crenças de
luxo. As pessoas podem cair na obsessão narcisista de adquirir o valor do sexo
que impede totalmente a intimidade real”.
O autor errou, em muitos aspectos. Afinal, a indústria pornográfica
surgiu e prosperou como parte do capitalismo. O capitalismo manteve a
prostituição como um serviço marginal, entre a tolerância e a criminalização.
Tanto a pornografia quanto a prostituição seguem a cartilha do capitalismo e,
infelizmente, essas expressões sexuais são reduzidas e confundidas como parte
do sistema pelo Feminismo Radical, que ignora ou omite a história. Como eu
havia dito antes, especialmente quando se fala em propaganda, o apelo erótico é
ainda muito evidente então, pelo fetichismo, o sexo ainda [se] vende e muito
bem, como o autor mesmo parece ter notado, mas não conectou os indícios.
O autor tenta apresentar onde existe sexo-positivo em nossa
cultura. Sim, isso pode ser encontrado nas diversas subculturas que, como o
nome mesmo diz, são nichos que acabam sendo igualmente alvo do controle e da
censura. O que existe de sexo-positivo na nossa cultura está estagnado ou
sufocando, com o retorno do Puritanismo Vitoriano e o pânico moral fomentado em
nossa sociedade.
Eu realmente gostaria de concluir esse texto com alguma
esperança, mas nós estamos muito longe de evoluirmos, nossa cultura sequer
amadureceu sexualmente.
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