“A beleza de um jardim é diretamente proporcional à quantidade
de abelhas que a polinizam. Diversas abelhas. Polinizando diversas flores”.
– frase de minha autoria.
Eu me
lembro dos dias que eu e meu pai conversávamos. Talvez ele o fizesse para
tentar quebrar a concha na qual eu me mantive por muitos anos [eu ainda me
considero tímido e introvertido]. Talvez ele o fizesse porque se sentia mais à
vontade para conversar comigo sobre assuntos complexos e difíceis. Eu não sei por
que meu pai quis conversar comigo, por exemplo, sobre a vida no além quando eu
ainda era adolescente. Então um dia nós começamos a conversar sobre um assunto
que é, infelizmente, muito comum entre paulistanos provincianos: de que São
Paulo foi “estragada” pelos nordestinos. Naquele momento, eu ainda não conhecia
minha esposa, eu sequer imaginava que conseguiria estar casado. Mas voltemos ao
provincianismo paulistano. Se a cópia tupiniquim de Nova Iorque [ou será
Gothan?] é grande, nós devemos [e muito] ao trabalho e cultura do povo
nordestino. Então, resumindo, eu disse ao meu pai que não era coerente ele
reclamar, afinal, ele mesmo era descendente de imigrantes. Levou algum tempo de
estudo e pesquisa para eu chegar à conclusão de que nós todos somos
descendentes de povos imigrantes e miscigenados, uma realidade histórica e
antropológica que deve doer em muito pagão moderno.
A
chaga que mais macula o Paganismo Moderno não é que este é um produto do
Movimento Romântico do início da Era Moderna. Mas a ingrata influência da
supremacia branca e suas ideologias sobre nacionalismo, xenofobia, racismo,
misoginia e fascismo. O Paganismo Moderno sofre por ter seus pés nos movimentos
da direita [extrema ou alternativa] e não percebe o quanto essa ideologia tem
suas origens nas tradições judaico-cristãs. Um bom exemplo disso é Caturo, um
pagão português estranho que eu estou tentando entender.
O Caturo é um exemplo típico do homem branco europeu. Ele abraça
a ideologia da supremacia branca, recheada de xenofobia, racismo e homofobia, defendida
pela direita [extrema e alternativa]. Ele se acha que por ser homem, branco e europeu, com mais direito a morar em Portugal por “pertencer à mesma estirpe”
dos Lusitanos, o que denuncia seu delírio ideológico romântico, afinal, os
atuais portugueses são descendentes de diversos povos e etnias, todos possuem
os mesmos direitos de morar em Portugal. Por consequência e extensão, tudo
aquilo que não se encaixa em sua visão romântica idealizada e extremista deve
ser combatido.
Foi
partindo de uma reportagem falando sobre o lançamento de um jogo chamado “Avatar
– Frontiers of Pandora” que eu recordei do filme “Avatar” de 2009 e que promete
ter continuação em 2022. Eu meio que faço um “mea culpa”, pois eu não comentei
o filme por achar redundante e desnecessário apontar para sua mensagem evidente
do quanto é importante ao ser humano se reconectar com a Natureza. Mas o filme
tem outras nuances que podem ser levantadas – como o problema da “missão
civilizadora” da cultura europeia, cujas consequências são visíveis em nosso
tempo – guerras civis, crise migratória e o retorno do fascismo.
Eu
vou citar [com edições] a definição dada pelo Wikipédia sobre a “missão
civilizadora” da cultura europeia:
“A
missão civilizadora [...] é uma justificativa política de intervenção militar e
de colonização que visa facilitar a modernização e ocidentalização dos povos
indígenas, especialmente no período do século 15 ao século 20. Como um
princípio da cultura europeia, o termo foi usado com mais destaque para
justificar o colonialismo [europeu] no final do século 15 a meados do século
20. A missão civilizadora era a justificativa cultural para a exploração
colonial [de outros povos]. [...] As potências coloniais da Europa ocidental
afirmavam que, como nações cristãs, tinham o dever de disseminar a civilização
ocidental para o que os europeus consideravam as culturas pagãs e primitivas do
mundo oriental. Além da exploração econômica e da imposição do governo
imperialista, a ideologia da missão civilizadora exigia a assimilação cultural
dos ‘povos primitivos’, como o ‘outro’ não-branco, na colônia subalterna da
Europa oriental”.
Original:
https://en.wikipedia.org/wiki/Civilizing_mission
Traduzido
com Google Tradutor.
A
imposição do Cristianismo não parou com os decretos de Constantino e Teodósio.
A cristianização imposta foi levada a ferro e fogo pelos reinos que surgiram
com a queda do Império Romano. O surgimento dos países tal qual nós conhecemos
atualmente deu-se na Era Moderna, com as guerras de unificação, mas é bem
possível que o conceito de “nação” e “nacionalismo” tenha surgido na Idade
Média, fomentada pelo Cristianismo. O “ser cristão” era importante para se
diferenciar do “selvagem”, do “primitivo”, do “bárbaro” e do “pagão”, em um sentido
bem étnico [até racial, eu diria].
Voltemos
aos crimes cometidos pelo colonialismo europeu, que vão além da aculturação e
da imposição religiosa. O colonialismo europeu se caracterizou pela exploração
de matéria prima em suas colônias [com raras exceções], as guerras civis que
ocorrem na África atualmente são reflexos imediatos da trágica colonização europeia.
A situação atual da conservação ambiental deixou de ser uma bandeira da
Esquerda ou do Paganismo Moderno para ser uma questão de sobrevivência de nossa
espécie.
Ao
analisar a postagem que o Caturo fez sobre o filme fica claro essa sua obsessão
maníaco-impulsiva. Avatar é ruim porque a mensagem ecológica do filme é de “esquerda
liberal”. Avatar é ruim porque é antimilitarista [que, na lógica dele, é de “esquerda”].
Avatar é bom porque fala da “traição racial”.
Se
Caturo tivesse realmente prestado atenção ao filme, não teria entregado tão
rapidamente seu racismo. O protagonista do filme, Jake Sully, tem sua consciência
inserida em um corpo de um Na’vi, mas um corpo clonado, portanto não nativo,
nem nascido de Pandora. Ele aceitou o trabalho subalterno para agir como
infiltrado entre os Na’vi para descobrir onde ficava a Arvore-Mãe, onde se
encontra a maior reserva do mineral Unobtainium. Entretanto, com o decorrer
da narrativa, Jake acaba identificando a si mesmo como sendo um Na’vi, uma
crise de identidade similar à do Caturo. Jake não é nem humano, nem Na’vi, mas
para Caturo o que pesa sobre ele é a tal da “traição da raça”, algo sem
sentido, pois mesmo durante o domínio do Nazismo, alemães tiveram a coragem de
tentar parar a loucura do Fuhrer. Algo que Caturo deveria tentar entender:
existem certas questões éticas e morais que ficam acima da questão da “raça”.
Para Caturo, o pior “pecado” de Avatar é a aparência dos Na’vi, de peles azuis
[será que ele se dá conta que a cor “azul” está simbolicamente ligada ao
divino?], da culpa do branco europeu [que está atestado pela história] e da “santidade”
do “outro” [na lógica do Caturo, o imigrante, ou qualquer outro ser humano que
sequer merece assim ser considerado por não ser homem, branco e europeu – só tirou
da lista a categoria “cristão”, tão típica dos grupos de supremacia branca].
Oh,
bem, a preguiça intelectual de Caturo e ignorância histórica dele desconhece
que foram os Europeus quem primeiro invadiram os outros povos, desde as
Cruzadas, desconhece o Colonialismo Europeu, desconhece que o conceito de
racismo [bem como nacionalismo, xenofobia e homofobia] apareceu apenas na Era
Moderna. Assim como o Paganismo Moderno e suas contradições inerentes
resultantes do Movimento Romântico. Se ele se desse o trabalho de ler e estudar
os mitos antigos [e suas interpretações modernas], ele teria se deparado com os
mitos sumerianos, nos quais os seres humanos são resultado de uma manipulação
genética [e não faltam religiões baseadas em uma interpretação moderna desses
mitos no qual a Terra está dominada por uma Ordem Mundial regida por
alienígenas], então, a priori, os seres humanos possuem uma origem “alienígena”.
O
que me faz voltar ao que eu conversei com o meu pai. Caturo provavelmente
acredita nesse delírio que ele pertence a uma “estirpe” pura, mais merecedora
dos privilégios, somente por ser homem, branco e europeu. Assim como meu pai,
Caturo ignora que é descendente de imigrantes, de povos miscigenados. Os Deuses
antigos tinham um forte vínculo com uma região e um povo, mas não no sentido de
raça tão mal concebida pelo Caturo. Veja bem: nossa espécie tem a base de sua
organização social na família, a unidade básica, desde tempos imemoriais. Da
união de famílias, surgiram os clãs; da união dos clãs, surgiram as tribos; da
união das tribos, surgiram as cidades. Então é muito necessário e crucial,
quando falamos em povos de origem indo-europeia, é que falamos de diversas
tribos, que podem ter diversas origens, mas que compartilhavam a mesma
linguagem, crença e local de habitação. A partir do momento em que existem
como etnia [o que é um conceito bem diferente de “raça”] é que esses povos cultivaram
[daí que esse é um aspecto cultural, não genético] essa comunhão com a terra e
os Deuses. Uma comunidade que não era excludente, nem segregadora, basta que
vejamos o mito de fundação de Roma onde Rômulo, ao escavar ritualisticamente as
fundações da cidade, consagrou aquele solo, incluindo todos os demais
representantes das outras tribos, como sendo um mesmo povo, com os mesmos
Deuses [o panteão Romano é uma mescla de diversas crenças latinas, etruscas, sabinas,
umbrianas, etc].
Eu
acho que cabe aqui uma autocrítica, pois eu ainda defendo o conceito de que o
Cristianismo é inconcebível, porque o Deus Cristão é um Frankenstein teológico. Essa
entidade é uma multinacional, sem terra, sem povo, sem qualquer vínculo com as raízes
e origens de qualquer povo. Se o Colonialismo Europeu cometeu inúmeros crimes
contra a humanidade, mais ainda o Cristianismo. E tem pagão moderno que não se
dá conta de que está “importando” certas ideologias que tiveram origem
exatamente nas tradições judaico-cristãs.
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