A forma como nos comportamos em uma cerimonia, em um ritual,
denota muito como vemos e interpretamos o divino, o sagrado e o sacerdócio.
Jason Mankey escreveu no Patheos um artigo comentando sobre
se devemos sentar ou ficar em pé em um ritual. Eu incluiria se nós devemos usar
roupas ou se nós devemos estar em nudez ritual.
Nas religiões majoritárias, os celebrantes ficam sentados,
ajoelhados, curvados, denotando sua postura submissa ao sacerdote, ao divino.
Nos rituais do Paganismo, antigo e moderno, o celebrante e o sacerdote atuam
ativamente nas cerimônias, nos postamos em pé e saudamos o divino olhando nos
olhos, denotando nossa postura como filhos do divino. Não há submissão, medo,
vergonha, culpa, seja diante do sacerdote, seja diante do divino.
Dentre os assuntos que são evitados de explicar ao público
em geral, por gerar muitas polemicas e controvérsias, é a nudez ritual.
Há um motivo para a nudez ritual que vem da Carga da Deusa:
“Sereis livres da escravidão e, como sinal de que são livres, estarão despidos
nos rituais”. Nisso cabe uma reflexão e aprofundamento. Sobretudo quando vemos
como ainda existe a escravidão e o tabu quanto à nudez.
Então como entendemos a escravidão e a liberdade? O que isso
tem a ver com nudez?
Não devemos confundir a escravidão enquanto característica
social da escravidão enquanto questão política. Nós não podemos estudar,
entender ou analisar os povos antigos com uma visão provinciana. A escravidão
como questão política é um fato histórico que começou acontecer na Colonização.
Na Antiguidade, os escravos geralmente aceitavam sua condição e a estrutura
social permitia que tivessem propriedades, incluindo comprar a alforria, casar,
ganhar salário com serviços extras, tornar-se funcionário público e até mesmo
receber o nome da família de seu proprietário, com os mesmos direitos de um
patrício. A escravidão tornou-se um sistema horrível e horrendo quando começou
a Colonização.
Nesse sentido, a escravidão dos tempos antigos estava mais
para servidão. Com esse mesmo sentido, podemos entender a escravidão dos tempos
modernos como a submissão, por meio do sequestro, pelo desterramento, pelo uso
da força. Os servos aceitavam sabiam que servir era o propósito de sua
existência; os escravos eram forçados a se contentar com sua situação, sem
questionamento, sem protesto, por que lhes era negada qualquer humanidade ou
direito.
A escravidão é então uma negação da humanidade e do direito
de um indivíduo. A escravidão tira da pessoa sua humanidade, seu direito, sua
origem, sua ancestralidade, sua natureza. Então devemos entender que a
escravidão existe dentro de algumas organizações religiosas.
Assim como impérios seculares surgiram e foram mantidos pela
espada, não pela aclamação ou linhagem; assim impérios religiosos surgiram e
foram mantidos pela espada, pelo medo, pela imposição de uma doutrina e dogma. No
tocante às religiões abraãmicas, a doutrina de pecado, de culpa, a demonização
do corpo, do desejo, do prazer e da nudez, é uma das doutrinas fundamentais
para a manutenção desse totalitarismo eclesiástico.
Mas nudez não é apenas tirar as roupas do corpo, mas remover
as cascas que adquirimos ao longo da vida que impede nosso desenvolvimento. Afinal,
nascemos e vivemos em um mundo, um tempo, uma sociedade, que nos impõem tantas
regras, limitações e tabus que muitas vezes esquecemos que somos humanos, que
somos uma mesma espécie, que somos todos irmãos e irmãs. Podemos e temos que
redescobrir nossas raízes, origens e ancestrais, pois assim redescobriremos os
Deuses de nosso povo, sem esquecer que somos uma grande família.
As restrições não são apenas roupas. Dogmas, doutrinas,
imposições políticas e sociais são restrições artificiais. A nudez ritual é uma
declaração de independência inclusive da subserviência aos sacerdotes, que
merecem nossa reverência, não nossa submissão. Um sacerdote está mais próximo do
divino, mas não lhe pertence o monopólio ou o privilégio do acesso ao mundo
espiritual, nem suas palavras são uma verdade revelada.
Nós nos reunimos em um círculo, em assembleia, em nudez
ritual. Este é um mistério wiccano que poucos irão falar. Para entrar em um
círculo, você deve ser um iniciado. A iniciação é o início do sacerdócio. Ali,
em assembleia, você irá encontrar sua gente, seus iguais. A ausência de roupas
apenas intensifica quanta vaidade existem em roupas cerimoniais, bênçãos, unções,
iniciações, graus. A nudez ritual nos despe de toda autoridade, real ou alegada.
Diante do divino, estamos todos nus, somos todos iguais.
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