sábado, 4 de abril de 2015

Posturas em rituais

A forma como nos comportamos em uma cerimonia, em um ritual, denota muito como vemos e interpretamos o divino, o sagrado e o sacerdócio.
Jason Mankey escreveu no Patheos um artigo comentando sobre se devemos sentar ou ficar em pé em um ritual. Eu incluiria se nós devemos usar roupas ou se nós devemos estar em nudez ritual.
Nas religiões majoritárias, os celebrantes ficam sentados, ajoelhados, curvados, denotando sua postura submissa ao sacerdote, ao divino. Nos rituais do Paganismo, antigo e moderno, o celebrante e o sacerdote atuam ativamente nas cerimônias, nos postamos em pé e saudamos o divino olhando nos olhos, denotando nossa postura como filhos do divino. Não há submissão, medo, vergonha, culpa, seja diante do sacerdote, seja diante do divino.
Dentre os assuntos que são evitados de explicar ao público em geral, por gerar muitas polemicas e controvérsias, é a nudez ritual.
Há um motivo para a nudez ritual que vem da Carga da Deusa: “Sereis livres da escravidão e, como sinal de que são livres, estarão despidos nos rituais”. Nisso cabe uma reflexão e aprofundamento. Sobretudo quando vemos como ainda existe a escravidão e o tabu quanto à nudez.
Então como entendemos a escravidão e a liberdade? O que isso tem a ver com nudez?
Não devemos confundir a escravidão enquanto característica social da escravidão enquanto questão política. Nós não podemos estudar, entender ou analisar os povos antigos com uma visão provinciana. A escravidão como questão política é um fato histórico que começou acontecer na Colonização. Na Antiguidade, os escravos geralmente aceitavam sua condição e a estrutura social permitia que tivessem propriedades, incluindo comprar a alforria, casar, ganhar salário com serviços extras, tornar-se funcionário público e até mesmo receber o nome da família de seu proprietário, com os mesmos direitos de um patrício. A escravidão tornou-se um sistema horrível e horrendo quando começou a Colonização.
Nesse sentido, a escravidão dos tempos antigos estava mais para servidão. Com esse mesmo sentido, podemos entender a escravidão dos tempos modernos como a submissão, por meio do sequestro, pelo desterramento, pelo uso da força. Os servos aceitavam sabiam que servir era o propósito de sua existência; os escravos eram forçados a se contentar com sua situação, sem questionamento, sem protesto, por que lhes era negada qualquer humanidade ou direito.
A escravidão é então uma negação da humanidade e do direito de um indivíduo. A escravidão tira da pessoa sua humanidade, seu direito, sua origem, sua ancestralidade, sua natureza. Então devemos entender que a escravidão existe dentro de algumas organizações religiosas.
Assim como impérios seculares surgiram e foram mantidos pela espada, não pela aclamação ou linhagem; assim impérios religiosos surgiram e foram mantidos pela espada, pelo medo, pela imposição de uma doutrina e dogma. No tocante às religiões abraãmicas, a doutrina de pecado, de culpa, a demonização do corpo, do desejo, do prazer e da nudez, é uma das doutrinas fundamentais para a manutenção desse totalitarismo eclesiástico.
Mas nudez não é apenas tirar as roupas do corpo, mas remover as cascas que adquirimos ao longo da vida que impede nosso desenvolvimento. Afinal, nascemos e vivemos em um mundo, um tempo, uma sociedade, que nos impõem tantas regras, limitações e tabus que muitas vezes esquecemos que somos humanos, que somos uma mesma espécie, que somos todos irmãos e irmãs. Podemos e temos que redescobrir nossas raízes, origens e ancestrais, pois assim redescobriremos os Deuses de nosso povo, sem esquecer que somos uma grande família.
As restrições não são apenas roupas. Dogmas, doutrinas, imposições políticas e sociais são restrições artificiais. A nudez ritual é uma declaração de independência inclusive da subserviência aos sacerdotes, que merecem nossa reverência, não nossa submissão. Um sacerdote está mais próximo do divino, mas não lhe pertence o monopólio ou o privilégio do acesso ao mundo espiritual, nem suas palavras são uma verdade revelada.
Nós nos reunimos em um círculo, em assembleia, em nudez ritual. Este é um mistério wiccano que poucos irão falar. Para entrar em um círculo, você deve ser um iniciado. A iniciação é o início do sacerdócio. Ali, em assembleia, você irá encontrar sua gente, seus iguais. A ausência de roupas apenas intensifica quanta vaidade existem em roupas cerimoniais, bênçãos, unções, iniciações, graus. A nudez ritual nos despe de toda autoridade, real ou alegada. Diante do divino, estamos todos nus, somos todos iguais.

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