Este pagão que vos escreve contou outrora como é
incongruente o Brasil ser um Estado Laico, mas ainda ter um calendário marcado
por festas e feriados católicos. Esta é uma das poucas épocas do ano que eu
fico alegre e melancólico. Alegre por que eu posso celebrar o equinócio de
outono, Ostara, Mabon. Melancólico por que indefectivelmente nesta data são
publicados textos de ateus e cristãos falando da Páscoa.
O ateu alega que Cristo é “apenas” mais um mito do Deus
Ressuscitado, como muitos outros. Eu devo anotar que o ateu recorre a essa
releitura da religião comparada exatamente para “provar” que toda religião é um
absurdo, não por que eles gostem ou tenham alguma simpatia pelo Paganismo.
Diversos escritores pagãos modernos, inclusive com conhecimento acadêmico,
refutaram essa análise superficial, tendenciosa e desonesta. Não que nós
estejamos querendo fazer uma apologia ao Cristianismo, mesmo por que muitos
escritores cristãos tentam fazê-lo, mas sem a mesma eficácia.
O ateu cita Osíris, Dioniso, Attis, Adônis, Mithra e Dummuzi
como semelhantes a Cristo. Uma análise mais criteriosa dos mitos e dos Deuses
desmonta essa crítica. No entanto, se vamos aprofundar o escrutínio dos mitos e
dos Deuses, o mesmo critério deve ser aplicado ao Cristo.
Eu vou partir de alguns argumentos colocados em textos
cristãos.
1 – Nenhum destes Deuses sabia que iria morrer.
Uma afirmação sem bases nem provas. Os Deuses sabem que
podem e vão morrer. A questão do sacrifício de um Deus, seja provocado ou
oferecido, é outra.
2 – Nenhum destes Deuses queria morrer.
O cristão supõe que Cristo se ofereceu voluntariamente ao
sacrifício. No entanto uma leitura criteriosa dos Evangelhos mostra que Cristo
hesitou na véspera de seu sacrifício. Ele pediu a Deus que tirasse o cálice,
mas que fosse feita a vontade de Deus, não a vontade dele. Considerando que
Cristo veio à terra com esse propósito, seu sacrifício era inevitável, não há
escolha.
3 – Nenhum destes Deuses ressuscitaram pelo seu poder.
Lendo a Bíblia, que para os cristãos é um texto sagrado,
inspirado por Deus, podemos ver que mesmo Cristo não ressuscitou pelo seu
poder. A Bíblia diz que Deus é quem tem o poder. A Bíblia afirma em diversas
partes que Deus é Uno.
4 – Nenhum destes Deuses morreu por alguém.
Novamente, temos que ler a Bíblia. Em diversas partes da
Bíblia se fala que o pecado somente pode ser expiado pelo pecador, que o pecado
do pai não passa ao filho e do filho não passa ao pai. Temos que nos ater à
função do sacrifício, que é a expiação do pecado, não visa o indivíduo, mas a
purificação de um ato. A purificação dos atos estava presente em todas as
religiões antigas.
5 – Nenhum destes Deuses morreu pelo pecado.
A pergunta que não se faz é por que Cristo deveria morrer
por nossos pecados. Como ou por que o sacrifício de um Eleito, um Escolhido, um
Mensageiro de Deus, deve dar seu sangue. O cristão preguiçoso não deve ler o Levítico,
nem deve conhecer profundamente as profecias referentes ao Ha-Massiah. Na
doutrina cristã, todos são pecadores por causa da herança maldita, mas isso não
se sustenta. Na doutrina cristã, Cristo foi o sacrifício perfeito para a
expiação do pecado de todos, mas isso não se sustenta. A expiação coletiva por
um cordeiro está no Levítico. Mas esta expiação era prescrita ao povo de Israel
e devia ser executada por um rabino, em um templo. A vinda do Messias, do
Cristo, está nas Profecias, mas uma leitura criteriosa das mesmas mostra que
Yeshua Ben Yoseph não preenchia os pré-requisitos para ser o Cristo. Uma
leitura criteriosa dos Evangelhos reforça a noção de que Cristo havia vindo
para salvar o povo Judeu e nenhum outro. O que os cristãos evitam falar é a
noção da necessidade de um sacrifício humano para expiar os pecados. Um sacrifício
de sangue somente é eficiente dentro de uma lógica ritualística, onde a vitima
a ser imolada possui características específicas. Um sacrifício de sangue é
algo que é polêmico até mesmo entre pagãos modernos.
6 – Nenhum destes Deuses morreram uma vez.
Considerando que os cristãos constantemente celebram a morte
e ressureição de Cristo desde que surgiram, Cristo tem morrido mais do que uma
vez.
7 – Nenhum destes Deuses tem historicidade.
Os cristãos consideram como historicidade de Cristo as citações
ao título “Crestos” em textos antigos. Por esse mesmo critério, os Deuses
Antigos possuem muito mais historicidade, considerando que seus nomes estão em
diversas obras, textos, leis, edifícios, obras e estátuas dos tempos antigos. Uma
análise historiográfica, entretanto, derruba por inteiro essa pretensão absurda
dos cristãos.
8 - Nenhum destes Deuses morreram como Cristo.
A primazia de morrer crucificado não é exclusiva de Cristo. Mesmo
assim, não há diferença alguma na forma como um Deus, um Profeta, um Avatar ou
Mensageiro será morto para que ele cumpra com sua missão. Todo sacrifício
demanda uma enorme dose de entrega, altruísmo e aceitação.
9 – Nenhum destes Deuses foram vencedores.
A ressurreição de Cristo é tida como uma vitória sobre a
morte. No entanto ainda morremos, a vitória de Cristo foi em vão. A ressureição
de Cristo é tida como vitória sobre o pecado. No entanto, ainda somos
pecadores, senão o Cristianismo sequer teria se tornado uma religião de massas,
a vitória de Cristo foi em vão. O cristão não pode dizer que Cristo venceu a
morte por que, se não tivesse morrido, Cristo não poderia entregar o caminho
para a salvação.
O que é difícil e necessário falar é a razão para a estação.
Como toda religião, o Cristianismo foi influenciado e assimilou muitas das
ideias, símbolos, princípios e datas das religiões anteriores, como também desenvolveu
algo inédito e original. Temos mais razões para perceber as similaridades do
que as disparidades. Como toda ideia e ideal, o Cristianismo se tornou uma arma
quando chegou ao poder, quando o ser humano se tornou fundamentalista. Esse absolutismo
pode acontecer com qualquer ideia e ideal, até mesmo o Humanismo e o Ateísmo. Quando
lemos textos de ateus militantes, temos uma boa amostra disso. Mesmo o
descrente que possui alguma espiritualidade reconhece que o outono e a
primavera são estações que provocam mudanças, no mundo e em nós. Esta é a razão
da estação. Nós celebramos o renascimento, a ressurreição cíclica da vida. Neste
sentido, Cristo é semelhante aos Deuses Pagãos. Cristo é semelhante aos Deuses
por que teve que nascer, viver e morrer como homem. Cristo é semelhante aos
Deuses por que sabia que sua encarnação tinha um propósito, uma missão e que fugir
não era uma opção. Cristo é semelhante aos Deuses por que sua morte nos mostrou
que da morte há renovação. Cristo é semelhante aos Deuses por que nos mostrou
que mesmo diante da dor, do sofrimento, da fatalidade, nós temos que servir aos
Deuses. Cristo é semelhante aos Deuses por que vivenciou aquilo que acreditava
e aceitou morrer por seus ideais. Cristo é semelhante aos Deuses por que fez de
si mesmo um exemplo, na esperança de que a humanidade entendesse e visse que o
potencial divino está em todos nós.
Cada vez que um cristão ataca outra religião, cada vez que discrimina
outro ser humano por suas escolhas, cada ato de violência, cada palavra cheia
de ódio, cada discurso repleto de preconceitos, cada atitude intolerante, faz
com que o sacrifício de Cristo tenha sido em vão.
Quando o ateu desumaniza outra pessoa simplesmente por ter
uma crença, faz com que os sacrifícios de muitos humanistas tenham sido em vão.
O Graal está cheio. Apenas os homens de boa vontade poderão
beber dele. Quer você comemore a Pascoa, a Pessach, o Equinócio de Outono, Ostara
ou Mabon, domingo foi o dia de celebrar o renascimento, a renovação. Vinde e
vede, pois Ela é a Taça do Vinho da Vida
e Ele é o Senhor da Vida, da Morte e da Ressurreição.
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