John Halstead publicou dois textos no Patheos que são
complementares: “My god may be blind, but I’m not” e “I worship the Blind God”.
Os textos falam de dois lados de um mesmo problema, por assim dizer, tanto de
descrentes quanto de crentes.
O texto fala de cegueira, mas podemos incluir a surdez e a
mudez. Então podemos falar que há um problema de comunicação entre nós e o
divino. Atribui-se, com bastante frequência, que o ateu tem “deficiência
espiritual”. Inclusive este pagão que vos escreve.
De acordo com John, o ateu não é incapaz de sentir ou de
perceber da mesma forma que teístas sentem e percebem. John afirma que ateus
também têm experiências religiosas.
Por outro lado, temos diversos textos ateus que perguntam,
com certa ironia, sarcasmo, cinismo – se o divino ouve nossas preces, por que
não respondem?
Depois de tantos ataques dos Cavaleiros do Neoateísmo contra
a religião em geral, fica difícil compreender que o ateu possui algum tipo de
experiência religiosa. Sobretudo por que o ateu não manifesta, ao menos
publicamente, principalmente entre seus iguais, sobre tais experiências ou de
como interpretou tais eventos.
A provocação mais comum do ateu pode bem ilustrar meu
argumento – o crente é ateu dos outros Deuses. Não é difícil encontrar páginas
cristãs criticando outras religiões, as colocando como erros de pessoas que
estão cegas ao verdadeiro Deus, da verdadeira religião. Igualmente não é
difícil encontrar textos cristãos dizendo que os Deuses Antigos são meras
fábulas, ou que são demônios. Igualmente não é difícil encontrar páginas de
católicos e evangélicos se atacando, com as mesmas acusações. Não é mero acaso
que existam páginas de muçulmanos e judeus, atacando o cristão, ou se atacando
mutuamente, por discordarem da forma como percebem e interpretam o divino.
Eu não conheço outras religiões o suficiente para saber se
existe este tipo de comportamento. Eu conheço bem a Comunidade Pagã, local e
internacional. Nós somos um balaio de gatos. Brigamos entre nós e fazemos um
estardalhaço. Eu mesmo tenho minhas diferenças com as religiões da Deusa e o
Dianismo.
Então podemos concluir que a questão está na forma de como
percebemos e interpretamos as experiências espirituais e de como, a partir
delas, percebemos e interpretamos o divino. Para o ateu, a evidência, o fato, a
experiência, as fórmulas e as leis científicas, tomam o lugar da revelação, da
epifania, do arrebatamento e da presença do divino.
“Deus desceu até o Paraíso e caminhou pelos gramados. Adão e
os outros animais estavam dormindo e não perceberam sua presença — caso
estivessem acordados, não teriam reparado que cada animal enxergava Deus de uma
forma diferente. Ele era o Deus de Adão quando passou perto da caverna de Adão,
era o Deus dos macacos quando passou perto da floresta, era o Deus dos leões
quando passou pelas savanas”. [Papo de Homem]
O ateu não recusa a experiência espiritual ou a existência
do divino, mas a presunção, a arrogância de um determinado grupo em atribuir a
si o monopólio e o privilégio sobre o conhecimento do divino. Para o ateu, a
experiência espiritual, bem como a crença e a religião, devem permanecer
pessoais. Então a briga do ateu é contra as organizações religiosas, não contra
a religião ou a espiritualidade. Pena que essa luta muitas vezes se torna tão
intolerante e fundamentalista quanto essas organizações religiosas.
Os chistes, piadas e textos ateus são feitos para questionar
a autoridade de tais organizações religiosas, não para questionar a experiência
espiritual, pois estariam negando suas próprias experiências espirituais. Então
quando o ateu pergunta do porque o divino não responde nossas preces, ele não
está duvidando da existência do divino, da espiritualidade ou dos milagres, mas
está questionando a presunção de uma organização religiosa quando esta usa
estas manifestações como provas de que a crença que representam ou que sua
percepção e interpretação do divino são as certas, são a única verdade.
Ainda assim é mister lembrar que a humanidade é importante
para o divino, mas não é o mais importante. Nós sabemos que a Terra não é o
centro do universo, assim como o sol também não é, só nos falta aceitar o fato
que o homem não é o centro do universo.
Eu posso pressupor que todo ser humano tem algum tipo de
experiência espiritual e que a percebe e a interpreta conforme seu entendimento
e conhecimento. Quando uma pessoa, crente ou descrente, ignora fatos,
evidências, circunstâncias ou eventos e passa a fazer uma análise simplista ou
generalizante sobre algum tipo de experiência espiritual ou religião, ainda que
seja sobre a sua experiência, ainda que seja uma opinião pessoal, o erro começa
quando existe presunção e arrogância.
Ainda que possamos falar melhor do que outros, ainda que
possamos ouvir melhor que outros, ainda que possamos ver melhor que outros,
continuaremos sendo deficientes em compreender e transmitir corretamente a
realidade divina. Como na fábula dos cegos que tocam o elefante, percebemos
apenas parte do divino. Continuaremos a ser cegos conduzindo cegos.
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