domingo, 2 de março de 2025

Não há demônios

Por Pai Paulo de Oxalá.

O culto aos Orixás está conectado à natureza, pois são eles que conduzem as forças vitais do Ayé (Terra). Eles representam os elementos essenciais da existência — o vento, a água, o fogo e a terra — e, através da emanação dessas energias, nos guiam, protegem, e nos fortalecem diante das adversidades.

Nós, das religiões de matriz africana, não cultuamos o que o cristianismo chama de demônio, figura que, dentro da lógica cristã, representa o mal absoluto. Nossas tradições são fundamentadas no amor, na ética e na fé ancestral, e é lamentável ver pessoas que desconhecem nossa espiritualidade propagarem falas equivocadas e oportunistas. Sofremos preconceito, perseguição e intolerância por causa de um personagem que sequer faz parte do nosso culto.

Quanto ao samba e às escolas de samba, suas raízes estão nos terreiros, e sua existência é sinônimo de resistência, fé e cultura. Como disse o carnavalesco e apresentador Milton Cunha em entrevista ao jornal O Globo: “Escola de samba é filha, tributária do batuque. Gostem ou não, meu amor.”

É curioso perceber como tantas pessoas que hoje tentam desqualificar o carnaval já se beneficiaram dele. Quantas figuras irrelevantes ou esquecidas se reinventam às custas da folia, tornando-se musas e musos graças à força das escolas de samba! Essas mesmas escolas, além de exaltar os Orixás, defendem a fé que nos foi trazida por reis e rainhas africanos que sofreram para que hoje conhecêssemos a grandeza dessas divindades.

As comunidades das escolas de samba são berços de religiosidade, abrigando Babalorixás, Yalorixás, Ogans, Ekedes e inúmeros filhos e filhas de santo. Portanto, por que certas pessoas se acham no direito de falar sobre aquilo que desconhecem? Por que atacam nossa fé enquanto ignoram o papel fundamental que as religiões afro-brasileiras desempenham na cultura, na arte e na identidade do nosso povo?

O verdadeiro mal está na intolerância, na ignorância e na falta de respeito. E, contra isso, seguimos firmes, dançando, cantando e celebrando a herança dos nossos ancestrais.

Portanto, é feio falar daquilo que lhe serviu.

Axé para todos!

Fonte: https://extra.globo.com/google/amp/blogs/pai-paulo-de-oxala/post/2025/02/no-culto-aos-orixas-nao-ha-demonios.ghtml

Riley sumiu


A claridade da manhã entrava pelas frestas da minha janela, pintando poeira dourada no ar. O lençol estava emaranhado, um testemunho silencioso da noite anterior, uma noite tão intensa que ainda ecoava em meus ossos. Riley não estava na cama. Pânico, puro e visceral, me agarrou. Riley, minha Riley, a hiena antropomórfica de olhos verdes e cabelos cacheados alaranjados, a criatura de músculos definidos e sorriso de tirar o fôlego que eu havia… criado? Sim, criado. Mas a noite passada, a noite passada havia transpassado a barreira tênue entre ficção e realidade de uma forma que me deixava nauseado de medo e excitado de uma forma que eu não conseguia explicar, ou mesmo processar completamente.

Eu, um escritor, havia feito amor com minha personagem. Uma heresia literária, um ato de loucura que me prometia a ruína absoluta. Ou assim eu pensava. A responsabilidade disso? Onde eu me enquadrava? Era um crime? Uma doença mental? A ideia de chamar a polícia me assombrava, mas o pavor de algo pior me paralisava.

As perguntas martelavam minha cabeça como um martelo pneumático. Onde ela havia ido? Quem a havia visto? Havia alguém que pudesse me denunciar? Alguém que pudesse entendê-la, que não a visse como uma aberração? O pavor me corroía. Ela era alta, impossivelmente atlética, e a memória do seu corpo nu – tão real e palpável quanto o meu – me deixava ofegante.

Quase disquei 190, as mãos tremendo tanto que os números borravam na tela. Mas então, a fechadura da porta girou e Riley entrou, o sol da manhã banhando seus cabelos numa glória alaranjada. Ela estava diferente, com um arranhão minúsculo no braço, e um gatinho miando em sua mochila.

“Oi”, ela disse, a voz rouca como a minha, carregada de sono e satisfação. Ela sorriu, um sorriso que me derreteu como manteiga ao sol.

As perguntas jorraram de mim, incontroláveis, um dilúvio de preocupação e culpa. “Riley! Meu Deus! Onde você estava? Alguém te viu? Te assediou? A polícia te parou?”

Ela riu, um som baixo e profundo que me encheu de um alívio tão intenso que quase me fez desmaiar. “Relaxa, anjo. Só dei uma volta no quarteirão. Vi alguns bêbados, um cachorro urrando na lua, e resgatei esse gatinho de um bueiro.” Ela acariciou o felino, que ronronava confortavelmente.

Meu alívio foi tão eufórico que quase me fez chorar. Ela estava bem. Ilesa. Ela existia fora do meu computador, fora das minhas páginas. Ela era real. Mas como?

“Mas… mas ninguém te estranhou? Ninguém te… te olhou diferente? Uma hiena… andando pela rua?”

Ela deu de ombros, o gesto perfeitamente humano. “Olharam, sim. Algumas pessoas até me acharam interessante. Mas ninguém me incomodou. Acho que as pessoas estão mais acostumadas ao extraordinário do que imaginamos.”

Então, ela sorriu novamente, um sorriso malicioso que me deixou o coração batendo forte. “E então? Vamos passear? Como um casal de verdade?”

A ideia era um turbilhão de emoções conflitantes. O perigo, a possibilidade de exposição, o risco… tudo aflorava em minha mente.

“Riley, é arriscado. Posso te colocar em perigo.”

Ela se aproximou, seu toque tão quente e real quanto a memória recente da nossa união. “Arriscado? Você, meu querido escritor, não hesitou em me colocar em todas as posições possíveis naquela maratona de sexo. E agora está me tratando como se eu fosse um objeto frágil? Isso lembra muito a minha mãe, com suas preocupações excessivas.” Ela riu, apertando minha mão.

Eu não pude contestar. Ela tinha razão. A noite passada não havia sido um sonho. O meu corpo, a minha alma, haviam ansiado por ela, a haviam recebido, a haviam integrado. Havia uma realidade tangível e inegável em sua existência.

E então, com um sorriso travesso, ela me puxou para fora do apartamento. A rua era um desafio, sim, mas com Riley ao meu lado, de mão dada, a sensação de perigo era ofuscada pela extraordinária beleza daquilo que estava acontecendo. E eu, um simples escritor, estava vivendo um conto de fadas surreal e perigosamente real. Uma aventura que eu nunca ousaria escrever, mas que estava vivendo com toda a intensidade que a vida podia oferecer. E talvez, só talvez, essa fosse a mais interessante das minhas histórias.

Criado com Toolbaz.
Arte gerada por IA.

sábado, 1 de março de 2025

Show de intolerância religiosa


Joana Prado, conhecida na década de 90 como Feiticeira, compartilhou um vídeo em suas redes sociais em que faz críticas moralistas e preconceituosas ao Carnaval. Ela e o marido, o ex-lutador de MMA, Vitor Belfort, afirmam que a festa popular envolve rituais de outras religiões e invocação aos demônios, além de manifestar intolerância religiosa.

"Envolve muito a cultura da macumba, envolve uma cultura espírita. Não é um lugar que pode misturar", afirma Belfort. "Existe ali um culto aos orixás, uma consagração a Deuses, onde a invocação aos demônios acontece. Existe mesmo uma festa toda voltada para a carne, e a gente vê muito nítido, a exposição do corpo, as baterias, os tambores e todo o envolvimento", completa Joana.

A ex-dançarina, que foi capa da revista Playboy duas vezes e musa da Acadêmicos do Salgueiro no desfile de 2000, disse ainda que o Carnaval enaltece uma cultura que é contrária à vontade de Deus. "Imoralidade, excessos, idolatria e um afastamento dos princípios bíblicos. Como cristãos, somos chamados a viver de maneira santa e separada do mundo. O carnaval pode até parecer 'só uma festa', mas será que convém para alguém que foi comprado pelo sangue de Cristo?".

Os comentários do casal viralizaram e receberam uma saraivada de críticas nas redes.

Fonte: https://revistaforum.com.br/cultura/2025/2/26/video-joana-prado-feiticeira-vitor-belfort-do-show-de-intolerncia-religiosa-174811.html

Nota: o hilário é que depois que toma uma invertida, fica choramingando, pedindo "liberdade de expressão"...😤

Nasce um vilão

A memória lateja, um nó doloroso na garganta seca. Aquele castelo, Tissue, que outrora ecoava com as risadas infantis de Lord Fluffybutt III, agora retinha o cheiro acre do poder e da loucura. Antes, eram brincadeiras inocentes, travessuras que eu, Frau Holda, então com dezesseis anos, limpava com um sorriso cansado, mesmo quando ele me exigia favores que transcendiam o serviço de uma governanta. Eu era sua escrava, sim, mas também, de uma forma doentia que só a adolescência compreende, sua confidente.

Sua ascensão ao poder alterou tudo. A notícia da coroação dos seus pais, o Rei e a Rainha de Plunderia, chegou como um vendaval. De repente, as roupas de veludo e as brincadeiras de criança deram lugar a armaduras pesadas e a um olhar vazio, mas intenso. Ele mudou. O menino que eu conhecia se esvaía como areia entre os dedos.

A transformação foi gradual, sinistras rachaduras na fachada de um jovem nobre. Primeiro, foram os discursos estranhos, sussurros ao espelho sobre um “destino glorioso”. Depois, os acessos de fúria, incontroláveis, que deixavam rastros de objetos quebrados e servos apavorados. E então, a Revelação.

Lembro-me do dia com uma clareza terrível. Ele emergiu do seu quarto, os olhos brilhando com uma luz quase sobrenatural. Vestido com um roupão de seda escarlate, ele me encarou, o rosto contorcido num misto de êxtase e loucura. Ele falava do Grande Fofo, uma entidade divina de pelúcia, segundo ele, que lhe havia sussurrado no sono.

"Holda," ele sibilou, a voz rouca e diferente, "o Grande Fofo me escolheu. É meu destino dominar Aerthos! Ou, quem sabe, Illumina inteira! Eu serei o governante supremo! Tudo se curvará perante a minha glória!"

As palavras ecoaram naquela sala opulenta, e eu, imobilizada pelo medo e por uma estranha fascinação, vi minha juventude se desfazer diante de mim. O menino que eu conhecia, que eu servi até na mais profunda intimidade, estava perdido. Substituído por um monarca delirante, obcecado por poder e por uma divindade de pelúcia.

Nos meses seguintes, o castelo se tornou um caldeirão de preparativos para uma guerra sem sentido. Eu, a governanta, me vi imersa num turbilhão de intrigas, servindo às vontades de um homem que estava rasgando a sua própria sanidade e o seu reino com as próprias mãos. Aquele trabalho não era mais limpar o sangue de um nariz machucado. Era limpar o sangue de ambições insanas, a cada dia. O cheiro de poder, tão diferente e tão nauseante comparado ao cheiro de infâncias e promessas quebradas.

O Grande Fofo, aquele bendito Grande Fofo… um bicho de pelúcia com olhos de vidro que ele abraçava como se fosse a própria encarnação da divindade. Assisti, impotente, ao surgimento de um tirano, forjado não pela ambição, mas pela loucura, alimentado por uma entidade de pano e algodão. E eu, Frau Holda, continuava ali, presa na teia da lealdade, do medo e da perversa intimidade que me ligava ao meu Lord Fluffybutt III, enquanto o mundo se preparava para a sua chegada sangrenta.

Criado com Toolbaz.

Uma volta no quarteirão


Meu nome é Riley, e eu sou, tecnicamente, um fenômeno. Uma hiena antropomórfica, gênero fluido, intersexual e pansexual que surgiu de um portal mágico – ou talvez só um defeito na continuidade espaço-temporal – e caiu no quarto de um cara que se autodenomina meu “criador”. Ele é um escritor, um daqueles tipos que acham que a vida imita a arte, só que, no caso, a arte imitou muito bem a vida, considerando a noite que tivemos.

Digamos apenas que ele tem um talento considerável com a caligrafia… e outras coisas. Depois de uma maratona de sexo que me deixou com os músculos doloridos – e o coração ligeiramente mais cheio – acordei sozinha. O cara, vamos chamá-lo de… “Escritor”, estava exausto, um amontoado de pelos e travesseiros. Aproveitei a oportunidade. Afinal, quem precisa de um tutorial de “como ser humano” quando você pode ter um tour guiado pelo quarteirão?

Saí do quarto com a mesma naturalidade de uma gata saindo de uma caixa de papelão. A roupa? Roubei uma camiseta dele. Ficou um pouco larga, mas quem liga? Meu corpo atlético – coxas grossas, músculos definidos, seios médios que eu adoro exibir - se sentia maravilhosamente livre daquela cama macia demais. Os cabelos alaranjados e cacheados balançavam alegremente com meus passos firmes enquanto eu descia as escadas, meus olhos verdes absorvendo tudo o que era novo e fascinante.

A primeira coisa que me chocou foi o asfalto. No meu mundo, o chão era areia, pedras e mato. O asfalto era estranho, frio e liso sob minhas patas – adaptado agora para pés, de tão convincente que era esta forma humana. Os carros zuniam como abelhas furiosas, e os sons eram uma sinfonia estranha e deliciosa de buzinas, motores e risadas humanas.

Uma velhinha com um cachorro da raça poodle passou por mim. O poodle me cheirou, estranhou e latiu. A velhinha, porém, me olhou com um sorriso amável.

"Que criatura interessante," ela murmurou para si mesma, enquanto o poodle continuava a latir frenéticamente. "Aposto que seu dono deve se orgulhar."

Eu sorri. Isso era novo pra mim: ser admirada, não temida. Na minha terra natal, um encontro casual como este teria terminado com os meus dentes marcando seu tornozelo. Aqui, era apenas um comentário simpático.

Meu passeio continuou. Fiquei maravilhada com a variedade de cores, cheiros e sons. Uma pizzaria exalou um aroma tão delicioso que meu estômago roncou alto o suficiente para chamar a atenção de um grupo de adolescentes. Eles me olharam de cima a baixo com uma mistura de surpresa e fascínio, um garoto até tentou me dar um pedaço da pizza. Eu recusei educadamente, mas agradeci a gentileza. Afinal, boas maneiras são essenciais, mesmo que você seja uma hiena antropomórfica.

Mais adiante, vi um casal se beijando apaixonadamente em um banco de praça. O afeto deles era tão intenso que me fez sentir... bem, um pouco nostálgica pela noite anterior com o Escritor. Ele tinha mãos hábeis e uma boca ainda mais hábil, capaz de me fazer rir e gemer ao mesmo tempo.

De repente, um grupo de homens, visivelmente alcoolizados, começou a me seguir, trocando comentários grosseiros e assoviando. Meu humor mudou instantaneamente. Minha natureza selvagem, reprimida por horas de exploração urbana cordial, voltou à tona. Senti uma vontade incontrolável de mostrar a eles o real significado de "fúria animal".

Mas aí, uma garotinha pequena, com um vestido rosa e tranças loiras, correu em minha direção. Ela apontou para um gato preto que estava no topo de uma árvore, miando desesperadamente. A criancinha parecia assustada. Instantâneo, meu instinto protetor se sobrepôs à minha raiva.

Eu olhei para cima. O gato estava preso. Ignorei os bêbados, a um passo de lhes ensinar uma lição memorável, e com um salto ágil e leve – anos de prática na savana me deram um equilíbrio invejável - subi na árvore e resgatei o felino.

A garotinha, ao ver o gato em meus braços, me abraçou fortemente. Os bêbados, visivelmente intimidado, se afastaram. Eu desci da árvore, devolvi o gato para a menina, e continuei meu passeio, agora com a sensação de ter feito algo realmente significativo.

Naquele dia, aprendi que ser uma hiena antropomórfica fora do lugar não é apenas uma aventura, mas uma oportunidade incrível de conhecer o mundo e, quem sabe, salvar um gatinho ou dois no caminho. E, sim, que alguns humanos são idiotas, mas que outros são incrivelmente amáveis e gentis. Eu voltarei para o quarto do Escritor, mas não antes de explorar todos os cantos e recantos deste fascinante… e às vezes perturbador… mundo humano.

Criado com Toolbaz
Arte gerada por IA.