segunda-feira, 30 de agosto de 2021

A diversidade do jardim

A beleza de um jardim é diretamente proporcional à quantidade de abelhas que a polinizam. Diversas abelhas. Polinizando diversas flores”. – frase de minha autoria.

Eu me lembro dos dias que eu e meu pai conversávamos. Talvez ele o fizesse para tentar quebrar a concha na qual eu me mantive por muitos anos [eu ainda me considero tímido e introvertido]. Talvez ele o fizesse porque se sentia mais à vontade para conversar comigo sobre assuntos complexos e difíceis. Eu não sei por que meu pai quis conversar comigo, por exemplo, sobre a vida no além quando eu ainda era adolescente. Então um dia nós começamos a conversar sobre um assunto que é, infelizmente, muito comum entre paulistanos provincianos: de que São Paulo foi “estragada” pelos nordestinos. Naquele momento, eu ainda não conhecia minha esposa, eu sequer imaginava que conseguiria estar casado. Mas voltemos ao provincianismo paulistano. Se a cópia tupiniquim de Nova Iorque [ou será Gothan?] é grande, nós devemos [e muito] ao trabalho e cultura do povo nordestino. Então, resumindo, eu disse ao meu pai que não era coerente ele reclamar, afinal, ele mesmo era descendente de imigrantes. Levou algum tempo de estudo e pesquisa para eu chegar à conclusão de que nós todos somos descendentes de povos imigrantes e miscigenados, uma realidade histórica e antropológica que deve doer em muito pagão moderno.

A chaga que mais macula o Paganismo Moderno não é que este é um produto do Movimento Romântico do início da Era Moderna. Mas a ingrata influência da supremacia branca e suas ideologias sobre nacionalismo, xenofobia, racismo, misoginia e fascismo. O Paganismo Moderno sofre por ter seus pés nos movimentos da direita [extrema ou alternativa] e não percebe o quanto essa ideologia tem suas origens nas tradições judaico-cristãs. Um bom exemplo disso é Caturo, um pagão português estranho que eu estou tentando entender.

O Caturo é um exemplo típico do homem branco europeu. Ele abraça a ideologia da supremacia branca, recheada de xenofobia, racismo e homofobia, defendida pela direita [extrema e alternativa]. Ele se acha que por ser homem, branco e europeu, com mais direito a morar em Portugal por “pertencer à mesma estirpe” dos Lusitanos, o que denuncia seu delírio ideológico romântico, afinal, os atuais portugueses são descendentes de diversos povos e etnias, todos possuem os mesmos direitos de morar em Portugal. Por consequência e extensão, tudo aquilo que não se encaixa em sua visão romântica idealizada e extremista deve ser combatido.

Foi partindo de uma reportagem falando sobre o lançamento de um jogo chamado “Avatar – Frontiers of Pandora” que eu recordei do filme “Avatar” de 2009 e que promete ter continuação em 2022. Eu meio que faço um “mea culpa”, pois eu não comentei o filme por achar redundante e desnecessário apontar para sua mensagem evidente do quanto é importante ao ser humano se reconectar com a Natureza. Mas o filme tem outras nuances que podem ser levantadas – como o problema da “missão civilizadora” da cultura europeia, cujas consequências são visíveis em nosso tempo – guerras civis, crise migratória e o retorno do fascismo.

Eu vou citar [com edições] a definição dada pelo Wikipédia sobre a “missão civilizadora” da cultura europeia:

“A missão civilizadora [...] é uma justificativa política de intervenção militar e de colonização que visa facilitar a modernização e ocidentalização dos povos indígenas, especialmente no período do século 15 ao século 20. Como um princípio da cultura europeia, o termo foi usado com mais destaque para justificar o colonialismo [europeu] no final do século 15 a meados do século 20. A missão civilizadora era a justificativa cultural para a exploração colonial [de outros povos]. [...] As potências coloniais da Europa ocidental afirmavam que, como nações cristãs, tinham o dever de disseminar a civilização ocidental para o que os europeus consideravam as culturas pagãs e primitivas do mundo oriental. Além da exploração econômica e da imposição do governo imperialista, a ideologia da missão civilizadora exigia a assimilação cultural dos ‘povos primitivos’, como o ‘outro’ não-branco, na colônia subalterna da Europa oriental”.

Original: https://en.wikipedia.org/wiki/Civilizing_mission

Traduzido com Google Tradutor.

A imposição do Cristianismo não parou com os decretos de Constantino e Teodósio. A cristianização imposta foi levada a ferro e fogo pelos reinos que surgiram com a queda do Império Romano. O surgimento dos países tal qual nós conhecemos atualmente deu-se na Era Moderna, com as guerras de unificação, mas é bem possível que o conceito de “nação” e “nacionalismo” tenha surgido na Idade Média, fomentada pelo Cristianismo. O “ser cristão” era importante para se diferenciar do “selvagem”, do “primitivo”, do “bárbaro” e do “pagão”, em um sentido bem étnico [até racial, eu diria].

Voltemos aos crimes cometidos pelo colonialismo europeu, que vão além da aculturação e da imposição religiosa. O colonialismo europeu se caracterizou pela exploração de matéria prima em suas colônias [com raras exceções], as guerras civis que ocorrem na África atualmente são reflexos imediatos da trágica colonização europeia. A situação atual da conservação ambiental deixou de ser uma bandeira da Esquerda ou do Paganismo Moderno para ser uma questão de sobrevivência de nossa espécie.

Ao analisar a postagem que o Caturo fez sobre o filme fica claro essa sua obsessão maníaco-impulsiva. Avatar é ruim porque a mensagem ecológica do filme é de “esquerda liberal”. Avatar é ruim porque é antimilitarista [que, na lógica dele, é de “esquerda”]. Avatar é bom porque fala da “traição racial”.

Se Caturo tivesse realmente prestado atenção ao filme, não teria entregado tão rapidamente seu racismo. O protagonista do filme, Jake Sully, tem sua consciência inserida em um corpo de um Na’vi, mas um corpo clonado, portanto não nativo, nem nascido de Pandora. Ele aceitou o trabalho subalterno para agir como infiltrado entre os Na’vi para descobrir onde ficava a Arvore-Mãe, onde se encontra a maior reserva do mineral Unobtainium. Entretanto, com o decorrer da narrativa, Jake acaba identificando a si mesmo como sendo um Na’vi, uma crise de identidade similar à do Caturo. Jake não é nem humano, nem Na’vi, mas para Caturo o que pesa sobre ele é a tal da “traição da raça”, algo sem sentido, pois mesmo durante o domínio do Nazismo, alemães tiveram a coragem de tentar parar a loucura do Fuhrer. Algo que Caturo deveria tentar entender: existem certas questões éticas e morais que ficam acima da questão da “raça”. Para Caturo, o pior “pecado” de Avatar é a aparência dos Na’vi, de peles azuis [será que ele se dá conta que a cor “azul” está simbolicamente ligada ao divino?], da culpa do branco europeu [que está atestado pela história] e da “santidade” do “outro” [na lógica do Caturo, o imigrante, ou qualquer outro ser humano que sequer merece assim ser considerado por não ser homem, branco e europeu – só tirou da lista a categoria “cristão”, tão típica dos grupos de supremacia branca].

Oh, bem, a preguiça intelectual de Caturo e ignorância histórica dele desconhece que foram os Europeus quem primeiro invadiram os outros povos, desde as Cruzadas, desconhece o Colonialismo Europeu, desconhece que o conceito de racismo [bem como nacionalismo, xenofobia e homofobia] apareceu apenas na Era Moderna. Assim como o Paganismo Moderno e suas contradições inerentes resultantes do Movimento Romântico. Se ele se desse o trabalho de ler e estudar os mitos antigos [e suas interpretações modernas], ele teria se deparado com os mitos sumerianos, nos quais os seres humanos são resultado de uma manipulação genética [e não faltam religiões baseadas em uma interpretação moderna desses mitos no qual a Terra está dominada por uma Ordem Mundial regida por alienígenas], então, a priori, os seres humanos possuem uma origem “alienígena”.

O que me faz voltar ao que eu conversei com o meu pai. Caturo provavelmente acredita nesse delírio que ele pertence a uma “estirpe” pura, mais merecedora dos privilégios, somente por ser homem, branco e europeu. Assim como meu pai, Caturo ignora que é descendente de imigrantes, de povos miscigenados. Os Deuses antigos tinham um forte vínculo com uma região e um povo, mas não no sentido de raça tão mal concebida pelo Caturo. Veja bem: nossa espécie tem a base de sua organização social na família, a unidade básica, desde tempos imemoriais. Da união de famílias, surgiram os clãs; da união dos clãs, surgiram as tribos; da união das tribos, surgiram as cidades. Então é muito necessário e crucial, quando falamos em povos de origem indo-europeia, é que falamos de diversas tribos, que podem ter diversas origens, mas que compartilhavam a mesma linguagem, crença e local de habitação. A partir do momento em que existem como etnia [o que é um conceito bem diferente de “raça”] é que esses povos cultivaram [daí que esse é um aspecto cultural, não genético] essa comunhão com a terra e os Deuses. Uma comunidade que não era excludente, nem segregadora, basta que vejamos o mito de fundação de Roma onde Rômulo, ao escavar ritualisticamente as fundações da cidade, consagrou aquele solo, incluindo todos os demais representantes das outras tribos, como sendo um mesmo povo, com os mesmos Deuses [o panteão Romano é uma mescla de diversas crenças latinas, etruscas, sabinas, umbrianas, etc].

Eu acho que cabe aqui uma autocrítica, pois eu ainda defendo o conceito de que o Cristianismo é inconcebível, porque o Deus Cristão é um Frankenstein teológico. Essa entidade é uma multinacional, sem terra, sem povo, sem qualquer vínculo com as raízes e origens de qualquer povo. Se o Colonialismo Europeu cometeu inúmeros crimes contra a humanidade, mais ainda o Cristianismo. E tem pagão moderno que não se dá conta de que está “importando” certas ideologias que tiveram origem exatamente nas tradições judaico-cristãs.

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