domingo, 19 de março de 2023

Juristas que atropelam a lei

Eu tento levar a sério o artigo onde a Anajure comemora seu sucesso em remover uma campanha do governo da Bahia contra a intolerância religiosa.

A associação descreve a ação:

"A razão do pedido se dá em função do post ter tom preconceituoso contra cristãos, e, inclusive, ter gerado inúmeras reações negativas."

Analisemos o mérito do pleito.
A campanha do governo da Bahia apenas expressou uma realidade social: a intolerância religiosa (e o racismo religioso) que procede dos cristãos, não faltam páginas e jornais voltados à comunidade evangélica que atestam isso. Então não é preconceito.

Tentando embasar o absurdo de sua petição, apresentam o seguinte argumento:

"Em seu pedido de remoção, a ANAJURE menciona que a liberdade religiosa encontra proteção em diplomas normativos diversos, como a Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH), o Pacto de San José da Costa Rica e a Constituição Federal de 1988. De modo elucidativo, a DUDH dispõe que 'todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto em público ou em particular'".

Juristas que parecem desconhecer a lei e a justiça. A Declaração Universal dos Direitos Humanos não é um privilégio ou monopólio do Cristianismo. Ou seja, todos têm os mesmos direitos de liberdade religiosa. E o Estado tem o dever de resguardar esse direito contra uma ação ou palavra que ofenda, diminua ou impeça o exercício desse direito.

O argumento apresentado na sequência serve como analogia para refutar o pleito:

"A ANAJURE também destaca que a liberdade religiosa envolve a proteção ao proselitismo, de forma que a mera tentativa de convencimento do outro não constitui, por si só, uma intolerância. O abuso desse direito, entretanto, teria lugar apenas em ocasiões nas quais o discurso fosse utilizado de forma coercitiva ou em meio a agressões ao ouvinte. Afirmar, todavia, que alguém precisa de Jesus não é uma ameaça, uma agressão nem um menosprezo, considerando que os cristãos entendem que todos são necessitados de Cristo."

Interpretação equivocada e tendenciosa. A liberdade religiosa não protege o proselitismo. Afinal, a prática do proselitismo é baseada na convicção de que só há uma única religião certa e que todos devem ser convertidos, o que constitui uma ofensa, uma agressão, uma arrogância e uma prepotência. O proselitismo é um crime contra a liberdade religiosa. O seu conteúdo, por si só, é intolerante e coercitivo, como a mensagem da associação admite ao afirmar "que todos são necessitados de Cristo."

Enfim, fazem um péssimo arremedo:

"Ademais, a entidade reforça que o Estado brasileiro adota a laicidade, nos termos do art. 19, inciso I, da Constituição Federal, do que resulta a obrigação de não embaraçar as atividades religiosas. Isso também abrange a liberdade teológica dos religiosos, de modo que não cabe ao Estado tomar para si a função de sacerdote e decidir estabelecer quais crenças são válidas ou não, numa espécie de criação de uma teologia própria."

O Estado tem a obrigação de garantir os direitos de todos. Quando o hábito de um grupo afronta a lei, o Estado, sendo laico, não pode se eximir de aplicar a lei, mesmo que esse seja o grupo de uma religião majoritária. Afinal, a intolerância religiosa parte da comunidade evangélica exatamente estabelecendo quais crenças (e sexualidades) são válidas, uma afronta e ofensa aos direitos dos outros.

A Anajure deve sofrer o mesmo mal de Janaína Paschoal. Aquilo que fala sobre lei e justiça só vale quando aplicado aos interesses próprios.

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