quinta-feira, 18 de junho de 2009

Exemplo de debate sadio

Recentemente foi publicado na Folha de SPaulo um artigo de Luis Felipe Pondé entitulado "Uivando para a lua", um texto interessante e crítico que merece ser lido para os (neo)pagãos refletirem.
Ato contínuo, eu escrevi ao Ombudsman da Folha os meus comentários sobre tal artigo:
eu gostaria de comentar o (mal) gosto do comentarista Luiz Felipe Ponde em seu artigo "Uivando para a lua": para o autor, o tempo de existência de uma crença é sua garantia. muito bem, com esse padrão, o Cristianismo não tem mais de mil anos, se considerarmos que ele se modificou ao longo da história, da cultura e do local onde este foi implantado. para o autor, os neopagãos falam muitas bobagens, mas muitos cristãos têm sua quota de bobagem, basta ouvir os neopentecostais. para o autor, os pagãos cometeram muitos crimes. mas nenhuma crença pagã pregou o "amor ao próximo", nem ordenou "oferecer a outra face". apenas o Cristianismo foi o autor de diversas guerras, massacres, genocídios, injustiças e aculturamento, em larga escala, por onde passou. eu recomendo ao autor e aos cristãos que saibam um pouco mais sobre a nossa religião e sobre a própria religião. os cristãos não são melhores do que os neopagãos.[email enviado em 14/06]
Eu gostei e muito da resposta do autor do artigo [Luis Felipe Pondé] que me respondeu de forma muito mais educada e inteligente do que as respostas que eu recebi de católicos:
Agradeço seu email e sua atenção. Tudo que falei no artigo é fundamentado em observação empírica conhecida: assimilações rápidas de outros sitemas culturais muitas vezes deturpadas inclusive apresentando uma visão equivocada da idade média e do próprio desempenho de cristãos medievais. Nada foi inventado por mim. Material colhido sobre o assunto desde 1997 sustenta a discussão. Quanto ao fato, apontado por você acerca de absurdos no cristianismo (que não é minha religião), você tem razão sim. Pode-se falar muito de sua história e sua contemporaneidade: abusos políticos, financeiros, etc. Afirmo isso no artigo, lembra-se? "Toda religião tem sua carga de sordidez". E, caro leitor, não é comum atacarmos o cristianismo? Filmes ridículos como "Codigo da Vinci" não adulteram a história da Igreja sob palmas de muita gente? Talvez você tenha estranhado o tom crítico do artigo porque outras religiões não estão acostumadas a serem objetos de criticas atualmente. Por exemplo, dizia eu: parte do erro está na construção de que paganismos antigos tenham sido "mais justos" do que quaisquer outras religiões. Esta construção de um passado dourado destruído por malvados é falsa historicamente. Por outro lado, como digo no artigo, pessoas de sensibilidade pagã devem cuidar para não serem vítimas de aproveitadores - o que pode acontecer com qualquer religião. Quanto ao cristianismo ter menos de 1000 anos, isso é verdade apenas se você não levar em conta que ele se constituiu como entidade histórica há 2000 mil anos. Quanto ao neopaganismo, crescendo em meio a uma sociedade de indústria cultural, sofre muito mais com modismos, além de também sofrer com a ausência radical de elementos arqueológicos e culturais - essa perda de substância cultural de continuidade provavelmente é responsável por soar como uma religião radicalmente nova, além do fato, evidente, que a sociedade que a produziu milênios atrás cessou de existir em seus determinantes culturais e simbólicos: não somos mais uma sociedade de culto à terra ou a uma entidade chamada 'natureza', sabemos que esta é tão cruel qualquer "deus patriarcal". Provavelmente se observarmos o nascimento de qualquer sistema religioso, algo de ridículo deverá surgir. Se você tem isso em mente, tem razão. Este tema me interessa e permaneço aberto para diálogo.
Obrigado.
Luiz Felipe Pondé. Colunista Ilustrada Folha de S Paulo.[resposta recebida por email em 18/06]
Sim, caros eventuais leitores, essa é a forma ideal de se debater. Devemos nos ater ao tema em questão e não nos deixar levar pela emoção, nem tentar transformar um debate em uma questão de honra, nem levar para o lado pessoal. Luis usou a melhor descrição para a existência por 2 mil do Cristianismo: entidade histórica, ou seja, o registro da existência do mesmo em sua totalidade.
Também há a questão do preconceito existente no tocante à Idade Média, sem dúvida houve diversas melhorias, aperfeiçoamentos e aprimoramentos, mas a base continua sendo provinda da Idade Antiga, que é vista com muito mais preconceito.
Desde a época da Renascença há esse "passatempo" de criticar o Cristianismo, com razões, como a obra de La Sagesse [Jesus Cristo Nunca Existiu] ou sem razões, como as teorias de conspirações que recheiam as obras de Dan Brown [Código DaVinci, Anjos e Demônios].
O neopaganismo pode e deve ser criticado, especialmente suas falhas e lacunas, desde que seja feito com argumentos racionais. O neopagão tem o desafio de ser melhor que o cristão, quando vê sua crença ser criticada ou quando é criticado, refletir sobre as críticas, pesquisando e comparando diversas fontes para entender melhor a história do Paganismo e sua própria religião. O maior desafio para os Neopagãos está em reconstruir, resgatar os aspectos da religião nativa/original/popular/antiga, juntando novamente os pedaços dessa cultura, crença e simbolismo Pagãos que sobrevive feito fantasma dentro da cultura oficial. Esse objetivo não pode ser realizado sem que tenhamos uma visão objetiva e crítica da história, temos que ter a coragem de ver/entender/perceber que na época anterior ao Cristianismo nunca existiu uma Era Dourada. Nossos antepassados também cometeram muitos erros, massacres, guerras e absurdos. Nós estamos demonstrando ser ingênuos ao dourar a realidade da Natureza. Nós permitimos ser incompreendidos e discriminados ao deixar pessoas inescrupulosas transformem nossa crença em um produto comercial ou um palco para agendas pessoais ou para atingir objetivos mesquinhos como ganância, poder e fortuna.
Se queremos ser respeitados e reconhecidos, não podemos dar espaço para o ridículo.

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