quarta-feira, 17 de junho de 2009

A atitude religiosa dos Indo-Europeus

«A relação submissa e escravizante do homem com Deus é especialmente característica da religiosidade dos povos semíticos. Os nomes Baal, Moloch, Rabbat e outros, salientam todos a omnipotência do Senhor Deus sobre homens escravizados, as suas criaturas, que rastejam perante Ele.
Para os Indo-Europeus, pelo contrário, o culto de Deus significava a adoração da Deidade, o encorajamento e o cultivo de todos os impulsos da veneração (...).
Na linguagem semítica, a palavra "adoração" vem da raiz "abad", que significa "ser escravo". Hannah (I Samuel, i. 11) implora a Jeová, o Deus tribal hebraico, para lhe dar a ela, sua escrava, um filho. David (II Samuel, vii. 20) chama a si mesmo um escravo do seu Deus, tal como Salomão (I Reis, iii. 7). A essência de Jeová é o terror (Exodus, xxiii. 27; Isaias, viii. 13), mas isto nunca foi verdade para os Deuses indo-europeus. O Hino a Zeus do estoico Kleanthes of Assos, donde Paulo (Actos, xvii. 28) tirou palavras para se ajustar ao estilo religioso helénico, contradizem completamente, por exemplo, a religiosidade do 90º Salmo.
Na Cristandade, a atitude do fiel perante Deus é livremente interpretada com o termo "humilis", e portanto humildade, significando literalmente que uma mente de escravo ou de servidão à tribo é exigida como a essência da religiosidade. Mas isto é não indo-europeu no estilo, um efeito da religiosidade oriental. Pelo facto de não ser um escravo perante um Deus omnipotente, o Indo-Europeu reza quase sempre, não ajoelhado ou prostrado, mas de pé, com os olhos a mirar o alto e os braços erguidos ao céu.
Como homem completo com honra intocada, o honesto Indo-Europeu permanece erguido perante o seu Deus ou Deuses. Não é indo-europeia nenhuma religiosidade que tira algo ao homem para o fazer parecer mais pequeno perante uma Deidade que se tornou todo-poderosa e opressiva. Não é verdadeiramente indo-europeia nenhuma religião que declara ser o mundo e homem coisas sem valor, baixas e impuras, nem procura redimir o homem perante valores sobrehumanos ou sobreterrenos. Onde quer que "este mundo" seja abandonado, e em seu lugar se coloque o "outro mundo" como bem eterno, aí o campo da religiosidade indo-europeia é abandonado. Porque a religiosidade indo-europeia é deste mundo, e este facto determina as suas formas essenciais de expressão. Por conseguinte, é por vezes difícil para nós compreender actualmente a sua grandeza, porque estamos acostumados a medir a religiosidade com valores tirados da vida religiosa oriental e decididamente não indo-europeia, e especialmente do Cristianismo medieval e moderno. Segue-se portanto que a nossa perspectiva sobre a religiosidade indo-europeia tem de sofrer do mesmo modo que sofreria a perspectiva sobre a estrutura das línguas indo-europeias se estas fossem descritas nos termos da características das línguas semitas. Estamos hoje acostumados a procurar a verdadeira religiosidade apenas em termos de "outro mundo" e a considerar a religiosidade deste mundo como subdesenvolvida ou de algum modo incompleta - um estádio atrasado no caminho para algo de mais valioso. Por conseguinte, as ideias religiosas judaico-cristãs que nos foram transmitidas impedem-nos de reconhecer a grandeza da religiosidade indo-europeia, pelo que em estudos de religião comparada os valores religiosos indo-europeus são uma e outra vez representados como cientificamente menos importantes, pois que os proponentes destes pontos de vista aceitaram inconscientemente o ideal dos valores espirituais orientais como padrão para todo o valor religioso. Esta crítica é também aplicável ao estudo de Rudolf Otto intitulado "O Sagrado". Deste modo, a grandeza e integralidade do mundo indo-europeu nunca é reconhecida.
Quem quer que queira medir a religiosidade pelo grau do rebaixamento do homem perante o Divino, ou por quão questionável, desvalorizado ou até manchado "este mundo" é perante o "outro mundo", e quem quer que queira medir a religiosidade pelo grau em que o homem sente a cisão entre o corpo transitório e a alma indestrutível, entre a carne (sarx) e o espírito (pneuma) - quem quer que procure fazer isto, terá de declarar que a religiosidade dos Indo-Europeus é verdadeiramente empobrecida e tosca.
Os Deuses e os homens não são, aos olhos dos Indo-Europeus, seres sem comparação, distantes uns dos outros, especialmente no caso dos Helenos, a quem os Deuses apareciam como homens imortais com grandes almas (cf. Aristóteles: Metaphysics, III, 2, 997b), enquanto acreditavam que os homens, como formas correctas de um Genus nobre, também possuíam algo de divino e portanto podiam clamar uma proximidade com o estatuto divino - o "divino Agamemnon". Na natureza do homem em si mesma, tal como a Deidade quer, estão possibilidades, eventualmente divinas na origem, "diogenes", e assim todos os povos indo-europeus assumiram a encarnação de valores nacionais aristocráticos em famílias humanas, o the kalok’agathia.
A religião indo-europeia não é escravatura, não contém nenhuma das súplicas de um escravo rebaixado perante o seu Senhor todo-poderoso, mas em vez disso notabiliza-se por uma realização confiante de uma comunidade que inclui Deuses e homens. Platão fala no seu "Banquete" (188c) de uma "comunidade mútua (philia) entre Deuses e homens." O Teutão está certo da amizade do seu Deus (...), e com os Helenos na "Odisseia" (XXIV, 514) a mesma certeza é expressada em termos de "amizade dos Deuses" (theoi philoi). No Bhagavad Gita, dos Indianos (IV, 3), o Deus Krishna chama ao homem Arjuna seu amigo. A mais elevada Deidade, como Zeus, é honrada com o título de "Pai dos Deuses e dos homens" - como um pai familiar, Zeus Herkeios, não como um déspota. Esta ideia é também expressa nos nomes dos Deuses: Djaus Pitar com os Indianos e Júpiter com os Romanos. O nome do Deus indiano Mitra, que no Irão é Mithra, significa "Amigo". O Mazdeísmo, fundado por Zaratustra, chamou ao homem que actua de acordo com a moral um amigo de Ahura Mazda, o Deus Universal, que na época dos Aqueménidas se tornou no Deus do Império Persa. De acordo com Platão (Leis, IV, 716), o homem de moderação e auto-controlo é acima de tudo um "amigo de Deus".(...)
Mas a inteligência e compreensão humanas têm os seus limites, enquanto as da Deidade são ilimitadas, daí que os Indo-Euroeus, e particularmente os Helenos, tenham sentido profundamente a sua dependência dos Deuses. A recomendação "Conhece-te a ti mesmo", inscrita no vestíbulo do templo de Apolo, lembrava ao homem as suas limitações quando perante a Deidade. Na sua quinta Ode Ístmica, Píndaro avisava "Não lutes para ser Zeus!"(...)
A tentação e o perigo da presunção humana era aparentemente familiar aos Indo-Europeus, talvez pelo mesmo motivo de que sempre se sentiram tão próximos dos seus Deuses (...). O medo da hubris, ou arrogância, vem do fundo da alma helénica, e perante a hubris o homem é admoestado para se manter no seu lugar na ordem intemporal do mundo, à qual também os Deuses Se ajustam. É destino do Indo-Europeu permanecer orgulhosamente, com confiança e determinação aristocráticas, mas sempre consciente das suas próprias limitações, cara a cara com a infinitude dos Deuses - e nenhuma estirpe humana experimentou este sentido de destino mais profundamente do que os Indo-Europeus: o grande elemento da tragédia na poesia dos povos indo-europeus brota da tensão resultante deste sentido de destino. (...)»
In «A Atitude Religiosa dos Indo-Europeus», do Professor Hans F. K. Günther.
“Os homens sabiam que os Deuses que serviam não os poderiam livrar do perigo e da calamidade, e não Lhes exigiam isso. Não encontramos nos mitos nenhum sentido de amargura perante a dureza e injustiça da vida, mas em vez disso um espírito de heróica resignação: a humanidade nasceu para os sarilhos, mas a coragem, a aventura e as maravilhas da vida são motivo de agradecimento, para serem usufruídos enquanto a vida nos é garantida. As grandes dádivas dos Deuses são a prontidão para enfrentar o mundo tal como ele é, a sorte que mantém os homens nos seus lugares e a oportunidade para alcançar a glória, que é a única que sobrevive à morte.»
In «Deuses e Mitos do Norte da Europa» (1964, p. 218), de H. R. Ellis Davidson.
Fonte: Gladius

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