domingo, 19 de fevereiro de 2023

O processo

Não, eu não estou falando do livro do Kafka.

Notícia veiculada em diversas páginas cristãs (junto com delírio, teorias de conspiração e fundamentalismo).

"Mãe cristã processa escola que obrigou filho de 4 anos a participar de evento LGBTQ+".

Ou essa, de uma página cristã fundamentalista, conservadora e reacionária, que fala em "liberdade religiosa" como se isso fosse uma justificativa e permissão para cometer o crime de homofobia.

ONU poderá restringir liberdade religiosa para defender agenda LGBT.

Alguém pode avisar ao dono da página que a declaração universal dos direitos humanos é para todos e que não pode ser usada para suprimir o direito dos outros nem acobertar crime de calúnia, injúria, difamação ou homofobia?

Na corte municipal de Squaredom, eu entro com uma pasta recheada de papéis. Eu consigo sentir o olhar judicioso das pessoas em minha direção. Eu não posso criticá-los, eu mesmo dei razões de sobra.

Eu ignoro a massa ignorante e falo com o funcionário do protocolo:

- Eu quero dar entrada nesta ação.

- Pois não. Qual a petição?

- Eu quero processar a igreja por obrigar meu filho a participar do grupo de estudo da Bíblia.

O funcionário torce o rosto, revelando que eu estou peticionando uma causa perdida.
Talvez eu tivesse o mesmo destino do personagem K (do livro citado) se eu entrasse com uma petição contra a igreja por interferirem no meu direito de liberdade de expressão e de religião ou no direito de liberdade de expressão e de sexualidade da comunidade LGBT.

Pode não dar em coisa alguma. Pode incomodar os fanáticos fundamentalistas. Pode fazer com que os cristãos progressistas saiam da inércia e comecem a fazer algo. Pode fazer com que o público comece a se posicionar contra esse absurdo.

Eu suspiro, porque nada disso vai me dar uma família, uma comunidade ou uma alta sacerdotisa. Eu fiquei tanto tempo acostumado a ser ignorado ou desprezado que reajo com desconfiança quando recebo alguma atenção ou carinho.
Eu estendi minha mão aos meus irmãos e fiquei no vácuo.
Eu estendi minha mão aos meus familiares e continuei sendo ignorado.
Eu estendi minha mão a uma pessoa que eu aceitei como minha amiga e sacerdotisa e não fui perdoado.
Eu ainda luto para tentar juntar meus pedaços depois de uma péssima experiência. Eu ainda luto para ter perdão, reconhecimento, respeito e até amor. Eu terei que continuar essa caminhada por mim mesmo, fazendo o que deve ser feito, porque isso é o certo.
A boa notícia é que, pela estatística, isso acaba em trinta anos. Quando acabar, eu estarei no meio do santo dos santos que fica entre as coxas da Deusa? 

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