segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Cultura armamentista foi importada

“Armamentistas querem importar ao Brasil o amor que setores da população dos EUA têm pelas armas”, é a frase que abre o documentário “Armamentistas do Brasil são inspirados pela NRA (National Rifle Association)”, dirigido pela jornalista Leah Varjacques e lançado neste mês pela revista VICE no YouTube.

A 'insubordinação civil' traz o mote para a revista dos EUA: as semelhantes entre o terror bolsonarista de 8 de janeiro com a Invasão do Capitólio de Washington, em 6 de janeiro de 2021, quando apoiadores de Donald Trump tentaram mantê-lo na Casa Branca à força. Além disso, é importante lembrar que tanto Jair como The Donald são investigados como mentores dos atos de seus seguidores.

Mardqueu Silvio França Filho, famoso influenciador digital armamentista conhecido como ‘Samurai Caçador’. Ele dá algumas pistas sobre como os armamentistas veem os EUA dentro do âmbito da questão.

“Nós brasileiros temos nos EUA uma referência de liberdade. Sou um cara, como qualquer outro brasileiro, que se filiou ao Proarmas e viu ali uma maneira de se organizar para buscar direitos. Ter a possibilidade de eleger representantes armamentistas no poder faz com que a gente possa, lá na frente, garantir através de leis uma segurança jurídica que possa ser passada para as gerações futuras,” explicou.

No entanto, como no Brasil não havia o direito ao porte de armas por civis previsto na constituição, Bolsonaro deu um ‘jeitinho’ logo que assumiu em 2019 e, com uma série de decretos, flexibilizou as regras de porte de armas. Hoje em dia, basta ter dinheiro suficiente para conseguir adquirir os mais variados armamentos no país. E um pouco de paciência, é verdade, pois o trâmite exige alguma burocracia, como inscrever-se em um clube de tiro, tomar aulas de manuseio de armas e, enfim, tirar uma licença de CAC (caçador, atirador esportivo ou colecionador).

Na contagem geral, somando armas registradas por civis, forças de segurança e estimativas de armas ilegais, Brasil tem aproximadamente 4 milhões de armas contra 393 milhões dos EUA. Com as políticas do último período é possível notar – e o documentário chama atenção para isso – que o potencial desse mercado é enorme no país.

Até 2005 o movimento armamentista era praticamente inexistente no Brasil. À época, no primeiro mandato de Lula, o governo federal convocou os eleitores para votar em um plebiscito que buscava proibir a venda de armas no país e desarmar a população. A medida tinha amplo apoio quando foi lançada.

De acordo com depoimentos coletados à época pela imprensa nacional e reproduzidos no documentário, pessoas comuns apoiavam o desarmamento por duas razões. Em primeiro lugar por claramente dar condições para conter a violência urbana e, em segundo lugar, para que a sociedade não vivesse um caos social no qual todos estariam armados e resolvendo seus problemas à bala, como em um filme de bangue-bangue.

“A NRA notou essa dificuldade e passou a ajudar o lobby armamentista brasileiro com estratégias para lutar contra o desarmamento [em 2005]. Entre essas estratégias, na própria campanha do plebiscito, começou a introjetar a ideia de que portar armas teria relação com a liberdade individual dos cidadãos e com o combate à violência urbana”, explica a VICE. A campanha deu resultado, inverteu as previsões, fazendo com que o “não”, defendido pelos armamentistas, vencesse com pouco menos de 60 milhões de votos (64%), contra 33 milhões do “sim” (36%).

“A ideia de que civis devem ter direito a se armar é totalmente importada no Brasil”, explicou Robert Muggah, cientista político canadense que estuda o controle de armas no Brasil. Para ele a cultura armamentista brasileira é 100% influenciada pelos armamentistas dos EUA.

“A cultura armamentista brasileira foi inventada e importada pelos defensores de armas dos EUA. A NRA veio ao Brasil apoiar as campanhas pró-armas, trazendo um discurso que ninguém nunca tinha visto no país. A razão é que a NRA entende a importância das regras internacionais, que podem afetar os seus interesses domésticos. E isso não se trata apenas de liberar armas, mas de aumentar sua influência política. A família Bolsonaro entende que esse é um grande grupo de eleitores, do qual pode se aproveitar em eleições futuras, e tem atuado de maneira bem sucedida nesse sentido”, declarou o pesquisador.

Ao contrário do que pensam os mais otimistas, o bolsonarismo – e em especial a sua vertente armada – não desaparecerão com o fim do governo de Jair Bolsonaro ou com sua eventual prisão. Aparentemente o objetivo da NRA de fomentar uma versão brasileira da cultura armamentista dos EUA obteve sucesso e teremos longos anos para reverter o problema por aqui.

“O Brasil já era um dos países com mais homicídios no mundo. Ao introduzir tanto armamento na sociedade, seja legal ou ilegal, foi criado um problema para o Brasil que pode durar gerações. Com ou sem Bolsonaro devemos ver o movimento armamentista continuamente aumentando sua influência política, muito além da presidência”, concluiu Muggah.

Fonte (citado parcialmente): https://revistaforum.com.br/brasil/2023/2/22/documentario-mostra-que-cultura-armamentista-brasileira-foi-totalmente-importada-dos-eua-131780.html

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