quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Eletrons versus fadas

A real diferença entre elétrons e fadas é que para os elétrons acumulamos uma coleção de regras pequenas e específicas sobre como se comportam sob certas circunstâncias. Essas regras nos permitem fazer previsões muito específicas sobre o comportamento do elétron, e sobre o resultado dessas observações.
A palavra “sob certas circunstâncias” indica que a teoria somente se sustenta de forma precária, em outras condições a teoria desaparece por completo. A física quântica é um campo bem delicado, nesse sentido. Pior, as teorias da física quântica ainda não possuem comprovação científica, mas ainda assim dá-se crédito, acredita-se em tais teorias.
Fadas são muito mais arbitrárias. Uma fada sabe o que tem de ser feito. Não pudemos encontrar nenhuma regra útil para predizer como uma fada irá se comportar em determinadas circunstâncias, ou até mesmo nos informar quando uma fada estará envolvida numa observação em particular. Por muitas, muitas décadas não foi possível, aos humanos, testar um conjunto razoável de regras de previsões de fadas, ou encontrar onde estão os erros dessas regras e substitui-los por um conjunto melhor de regras.
Toda a polêmica e celeuma sobre a existência ou não dos Deuses e outras entidades se resumem a essa necessidade neurótica e patológica do ser humano de querer controlar tudo. Toda a busca do método cientifico se resume em coletar provas, evidências e, a partir destas amostras, elaborar uma explicação, uma teoria. Da teoria, tudo se torna previsível, controlável. Quando algo não se encaixa nesse padrão, é ignorado. Quando algo não se comporta da forma como se convencionou, é temido. O que é ignorado é descartado como evidência e o que é temido tem sua existência negada. Coisas e fenômenos físicos podem ser previsíveis porque o comportamento é oriundo de condições naturais, entretanto o comportamento de personas não pode ser previsível porque é oriundo de opções subjetivas. Se a existência das fadas é suspeita por ser imprevisível, muito mais são os seres humanos, mas nem por isso duvidamos de nossa existência.
Há pessoas que acreditam que somente verdades são verdades científicas, mas isso é essencialmente uma fé religiosa individual.
Há pessoas que acreditam que apenas verdades científicas são verdades e isto também é essencialmente uma fé religiosa individual.
Há uma enorme diferença entre dizer que não se acredita em Deus e afirmar que não existe Deus. Assim como há uma enorme diferença entre o método científico e filosofia. A percepção da ciência é material e isto separa por contraste das afirmações de ordem filosófica que se faz a partir da ciência. Os cientistas e os ateus ainda não se perguntaram se não há evidências da existência dos Deuses ou se a nossa percepção [humana e limitada] está convenientemente filtrando os conceitos e ideias de como concebemos do mundo para não admitir que há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia.
Baseado no texto de Gabriel Bassi, “Por que acreditamos em elétrons, mas não em fadas”, Sociedade Racionalista USP

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

A estrutura do universo

Eu estou lendo o excelente livro “Deep Ancestors - Practicing the Religion of the Proto Indo Europeans”, de Ceisiwr Serith, ADF Publishing. A informação vem em boa hora, considerando os arriscados arroubos de neopagãos sobre extirpe ou sobre a nossa origem Indo-Européia. Aliviado desde a introdução, eu concordo com o autor que quando se fala de nossas origens, falamos em termos culturais e históricos, jamais em termos étnicos. O próprio termo Indo-Europeu é bem vago e indica uma procedência bem asiática, levando em conta que Indo é uma região da atual Índia. Europeu é igualmente um termo vago, visto que as fronteiras geográficas do que se convém ser a Europa foi formulada na Era Moderna, em sua forma original a Europa inclui regiões limítrofes que englobam o Mediterrâneo [um contraste por natureza], Norte da África, Ásia Menor, Oriente Médio e os Balcans.

O livro trata das origens de inúmeras formas de religião [as religiões dos povos Indo-Europeus] que tem em comum uma cosmogonia, uma teologia e virtudes. Neste sentido foi primordial ler no livro o profundo sentido desses ancestrais de que a cosmologia e a teologia não estão separadas. Em suas características, esta religião primordial tem a Axis Mundi, a árvore do Mundo, como a coluna central do Cosmos. O que intriga é o conceito de que o Cosmos, o Universo, que é a Axis Mundi manifestada, é formado da interação entre Caos e Ordem.

O conceito de que a estrutura do universo é como uma árvore, com seus ramos e raízes, arvore esta que é alimentada pela água de um poço, água que é constantemente reposta e renovada pelos frutos que a árvore derrama, dá uma boa noção do “xártus”. Tal como uma árvore, o xártus é orgânico, cresce e estende-se conforme acontece a interação entre Caos e Ordem. Os ramos entremeiam a todas as coisas e seres, o que inclui os Deuses. Ora comparado ao fluxo de um rio, xártus é mais o estado atual do momento, decorrente do que aconteceu anteriormente, antevendo uma miríade de possíveis vir-a-ser. Como corpo vivo do Cosmos, xártus é a Lei Divina, que se subdivide em dhétis, yéwesā, swārtus e swédos. Dhéthis é o comportamento humano, as leis sociais; yéwesā é a regra ritualística, swārtus é o xártus individual e swédos é a ética, estudo e prática da forma certa de viver, no caminho que nos leva à Virtude, estar de acordo com o xártus.

Os Deuses mantém o xártus e nem poderiam fazer diferente, pois a natureza e as leis divinas são, da mesma forma, estruturas do universo, do xártus. Tudo é um reflexo da estrutura do universo, mesmo idéias abstratas, tudo que pode ser percebido ou concebido tem uma correlação, uma correspondência com essa estrutura do universo, portanto, pessoal, portanto divino. O que nos leva ao campo das leis e virtudes humanas, de como percebemos a estrutura do universo, de como percebemos a existência das forças da natureza [manifestação divina], de como percebemos a organização social, de como percebemos o nosso papel nesse cenário e de como tudo isso se correlaciona e interage.

Nessa Era Contemporânea, falar em Virtude e de suas formas, como Verdade, Justiça, Hospitalidade, Caridade, Coragem, Lealdade, Temperança, Excelência, Responsabilidade, Dever, Piedade, Conhecimento, Amor, entre outros, deve soar pedante e perigoso lembrar que valores morais reais antecedem e precedem nossa limitada humanidade, principalmente quando colocamos nossos assuntos pessoais e particulares acima dos assuntos públicos, da convivência em comunidade, de nossa essência humana, de nosso potencial divino.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Sobre Deuses, humanidade e moralidade

"Se partirmos do pressuposto de que Deus, como ser divino, vê o futuro e aceita o mal que os seres humanos fazem, eu excluo que ele seja sumamente bom. Não pode ser bom um Deus que não renuncia criar um mundo assim. E se não pode renunciar a isso ele não é a suma autoridade, não é Deus." 
- Boris Pahor

Quem sofreu atrocidades tem razões de sobra para condenar moralmente o sofrimento que passaram. Entretanto, seus algozes também encontraram formas de justificarem moralmente seus atos, tal é a inconstância humana.

Eu vejo o texto como o típico texto de ateu toddynho. 1. Eu sofro 2. Deus deve ser bom 3. Mas se eu sofro, então Deus não é bom 4. Então eu sou ateu. O sofrimento humano fez com que se questionasse a moral dos Deuses. Não há qualquer correlação entre sofrimento e moralidade. O que se pode discutir é a ética de certos atos humanos, visto que a moral humana serve às nossas conveniências. Todo nosso sentido de moral e ética foram desenvolvidos por povos antigos graças a este sentido humano quanto à existência dos Deuses. Portanto, quando condenamos moralmente atos humanos como Cruzadas, Inquisição, Genocídio, o fazemos porque tal sentido nos foi dado. Portanto, a responsabilidade sobre tais atos é do ser humano, não dos Deuses.

O ser humano é uma criatura peculiar. Tem padrões de comportamento que, ora são vistos como sendo "bons", ora são vistos como "ruins". Tem necessidades e desejos, como toda criatura vivente, mas detesta ser contrariada ou ignorada. Formulou os conceitos de "bem" e "mal", dividiu e categorizou o mundo dentro dessa dicotomia discutível. Qualquer circunstância, pessoa ou entidade que não se encaixa ou não se enquadra nessas concepções são questionadas, atacadas, acusadas e condenadas.
Recorrer a exemplos circunstanciais não é argumento suficiente para afirmar que "se Deus pode ver o futuro e aceita o mal, então Deus não é bom". Esse é uma falácia de petição de principio. E uma péssima remixagem do Paradoxo de Epicuro.

O paradoxo de Epicuro é um desafio aos teístas, não porque questiona o problema do mal - fato, ação, circunstância - mas porque questiona a presunção das crenças humanas ao atribuir a um (ou mais) Deus(es) a Bondade, a Justiça, a Onipotência, a Onipresença e a Onisciência.
O paradoxo deixa de ser um desafio simplesmente refutando a premissa de que um (ou mais) Deus(es) deve(m) ser bom(ns), justo(s), onipotente(s), onipresente(s) e onisciente(s). Na concepção dos povos antigos, conservada nos mitos, os Deuses demonstravam ter um comportamento assombrosamente humano. Mesmo os Deuses seguiam determinados padrões de ética e moral.

Diz o ateu: "A moral e ética sempre existiram, faz parte da consciência humana desde lá dos primeiros agrupamentos sociais". Então a moral e a ética existiram sempre? Então maior é a responsabilidade do homem em não observá-las. Ao afirmar que moral e ética existiram sempre, atribui-se um componente sobrenatural a este conjunto de preceitos. Então o senso de moral e ética não é humana, mas divina e é anterior ao homem, sua organização social e a sua percepção como ser senciente.

Existem dois tipos de "sofrimento". Aqueles que são naturais e os que são adquiridos.
Naturais acontecem por que perdemos nossa ligação com Deus. Adquiridos acontecem pelo meio ou tipo de vida que construímos.
O engraçado é que nos rebelamos contra essas coisas que nós mesmos construímos e culpamos a Deus. Em alguns casos crônicos, acreditamos que nos bastamos a nós mesmos.
Deus nos dá em abundância. Se existe fome ou miséria, é o Homem que a causa, para ter mais dinheiro, poder, influencia social... Nós construímos esse meio, esse tipo de vida. Nós somos os responsáveis.

Não precisava ser assim. O mundo não é nosso inimigo, mas nós mesmos. Deus está onde sempre esteve e não mudou. Somos nós que mudamos. Acabamos prisioneiros de um mundo construído por nossas ilusões. Ou seja, nos falta disciplina com responsabilidade e consciência sobre nossos atos e omissões.

Quando sofre, o homem quer culpar alguém, não se pergunta o que fez para chegar nisso. Evidente, o homem sabe disso e cria uma organização religiosa que se sustenta explorando essa necessidade humana de jogar a responsabilidade no "bode expiatório".
Temos um enorme potencial. Mas pelo mundo que nós construímos, ao preferir viver essa ilusão - essa falsa imagem - como se fosse real, perdemos nossa ligação com essa Fonte - Deus - por isso vivemos sempre insatisfeitos. Por estarmos sempre insatisfeitos e tomando a ilusão como real, fazemos coisas que tem consequências terríveis: miséria, fome, guerra. E o que o homem faz quando vê sofrimento e miséria criados, construídos por ele? Se revolta contra Deus e muitos, ao invés de assumir sua responsabilidade com consciência, tentam negar o divino.
Pelo controle consciente e responsável, deixamos de querer/fazer coisas desnecessárias, deixamos de causar/sofrer ações prejudiciais, passamos a ter uma ação correta em relação a nós mesmos, em relação à nossa comunidade e em relação ao divino.
O problema não está nas coisas, mas do que fazemos delas. Deus nos deu o conhecimento, a consciência e a capacidade. Infelizmente usamos para prejudicar nosso irmão.

A existência dos Deuses, independente de sua crença ou descrença, tem incumbências e preocupações mais amplas e mais cruciais do que satisfazer as nossas necessidades efêmeras. O homem, diante dos Deuses, é uma parte importante, mas não a mais importante. Dor, fome e sofrimento são parte da natureza, seria contraditório se isso não fizesse parte da nossa existência.

"Os deuses de fato existem e é evidente o conhecimento que temos deles; já a imagem que deles faz a maioria das pessoas, essa não existe: as pessoas não costumam preservar a noção a noção que têm dos deuses. Ímpio não é quem rejeita os deuses em que a maioria crê, mas sim quem atribui aos deuses os falsos juízos dessa maioria. Com efeito, os juízos do povo a respeito dos deuses não se baseiam em noções inatas, mas em opiniões falsas. Daí a crença de que eles causam os maiores malefícios aos maus e os maiores benefícios aos bons. Irmanados pelas suas próprias virtudes, eles só aceitam a convivência com os seus semelhantes e consideram estranho tudo que seja diferente deles". [Epicuro – Carta a Menescau]

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Palo, a religião afro-cubana

Introdução

Palo, uma das quatro principais religiões de origem africana ainda praticada em Cuba, juntamente com Santeria, Abakuá e Arará, desenvolveu entre seus praticantes uma forma de necromancia chamada Nganga, ainda encontrada em várias partes do oeste da África Central.[1]
Esta religião tem um forte componente ancestral e tradicional, é uma religião iniciática e sacerdotal. Usa de cânticos, danças, desenhos [firmas] e oferendas para os mais variados fins. Tem um sistema oracular, chamado chomolongo ou diloggun ou ibbo, cada uma das 16 posições das conchas [ou búzios] são chamadas de oddu, grosseiramente chamado de adivinhação quando o correto é divinação.

A Regra de Palo

Os cultos de origem do Congo, ou provenientes da cultura banto, também chamados de cultos paleros, tem sua origem da região subsaariana da África, sendo os cultos mais antigos de Cuba, pois chegaram ao país com os primeiros carregamentos de escravos provindos do Congo.
A Regra do Palo se fundamenta no caldeirão que contém o "nfumbe o nkise"
(morto) e no poder mágico das árvores do monte, donde vem o qualificativo de "palero", ainda que empreguem os poderes mágicos de outros elementos da natureza como pedras, terras, animais, etc. O "caldeirão de palos" está regido por um poder sobrenatural no qual se concentra toda a força do bruxo.
Esta religião tem um forte componente espiritual e nela faz-se culto permanente aos antepassados.
A Regra de Palo tem três vertentes principais: Palo Mayombe, Palo Monte, Palo Kimbisa e Palo Briyumba. Estas vertentes encontram-se desenvolvidas na região ocidental do país ainda que em outras regiões algumas vertentes sejam mais importantes.
O Palo tem características próprias que a fazem uma religião independente nas quais se podem encontrar soluções aos problemas da vida prática e espiritual, por mais graves que estes problemas possam ser, sempre e quando o fundamento responde e se façam total e corretamente as obras [oferendas] indicadas.

As prendas

O resguardo é qualquer tipo de objeto preparado pelo "palero" para proteção e benefício de uma pessoa.
O fundamento é uma prenda maior, feita com o caldeirão, também chamado de "nganga o nkise". Estas prendas em geral são feitas de barro ou ferro, ainda que inicialmente fossem constituídas por um envoltório de saco que contem a carga magica dominada pelo Padre [Tata] ou Madre [Yayi].
Cada caldeirão é preparado segundo o tratado do santo ou "mpungo" que conterá e se encarregará do mesmo ainda que o poder do caldeirão reside no "nfumbe".
O fundamento deve ser colocado em um lugar separado da casa, ou pelo menos que tenha privacidade. A prenda deve receber a atenção necessária de seu dono que poderá consultar, realizar cerimonias e trabalhos, celebrar festas e dará "de comer" em cada aniversário que é o ritual principal de fechamento.
As prendas podem ser herdadas quando morre seu dono, se estas desejem ficar com algum afilhado ou parente. Neste caso a prenda será objeto de veneração e atenção deste herdeiro. Do contrário, há de se perguntar a quem a prenda quer ir, para que isto se cumpra.
Receber um fundamento é um compromisso muito sério para o qual deve se preparar.[2]

Árvores Sagradas

O nome "palo" provém da palavra "pau", ou seja, os troncos de árvores sagradas são o material principal na religião Palo, utilizadas nas prendas e nos fundamentos [assentamentos]. Estes troncos tem diversas listas, conforme a tradição, mas usualmente são chamados de palo amargo, palo vence batalla, palo jina, palo namo, palo dulce, palo hueso, palo jabon, palo guasimo, palo muerto, palo aceituno, palo ramon, palo una de gato, palo gayaba, palo pino, palo amansa guapo, palo jobovan palo canpeche, palo ojancho, palo guaramo, palo guama, palo cocuyo, palo espuelade gallo, palo santo, palo camito, palo tocino, palo mulato, palo torcido, palo negro, palo bomba, palo caballero, palo cambia voz, palo cajá, palo clavo, palo jeringa, palo diablo, palo malambo, palo moro, palo manga sayas, palo ven a mi, palo justicia, palo cambia rubra, palo abre caminho, palo espanta muerto, palo espanta policia.[3]

Os Deuses

Chamados de Nkisis são: Burufinda, Lucero [diversos], Tiembla Tierra , Siete Rayos, Madre de Agua, Mama Chola, Zarabanda, Pata En Llaga, Centella Ndoki.[4]
Chamados de Mpungos são: Lucero Mundo, Sarabanda son Briyumba, Sobayende/Cobayende, Gurunfinda, Tiembla Tierra, Siete Rayos Punto Firme, Madre de Agua, Chola Unwemwe, Centella Ndoke, Cubre Monte, Cabo de
Guerra.[5]
No livro Palo Mayombe, de Carlos Galdiano Montenegro, os Deuses são: El Cristo Negro, Los Espiritus Intranquilos, Santisima Muerte, San Simon, El Cristo Rey, Madre de la Luna, Madre de Agua, Santisima Pedra de Iman, Francisco de los Siete Rayos, Mama Chola.

Conclusão e bibliografia

Por suas práticas e origens, esta religião pode ser considerada uma "religião de bruxos", uma das poucas que ainda se mantém intacta, não se tornou um produto de massa, como infelizmente ocorre com muitas práticas e crenças.

[1] The Book on Palo, Baba Raul Canizares, pg 2.
[2] Trabajando com la Nganga, pg 4 – 9.
[3] Lista baseada no livro Palo Mayombe, de Carlos Galdiano Montenegro, pg 104 – 113.
[4] Lista baseada no livro El Libro de Palo, pg 28 – 63.
[5] Lista baseada no livro Tratado de Nfunbe, de Tata Nkisy Malongo, pg 42 – 43.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Kindoki

Pouca coisa se escreveu sobre a autêntica Bruxaria Africana, pois a essência da verdadeira Bruxaria não pode ser codificada ou transmitida de uma forma totalmente racional. A Bruxaria, como é entendida nas culturas de base africana e latina pelo mundo, não é sinônimo de religião ou misticismo, no sentido convencional.
A Bruxaria é considerada como parte da vida e da existência diária para milhões ao redor do mundo. A Bruxaria é essa expressão mágica que faz a si mesma entendida e permaneceu intacta através das eras. Ela é uma essência elusiva e tem sua própria sensação estranha. Aqueles que entendem essa afirmação tiveram uma indescritível noção do crepúsculo, da energia onírica da verdadeira bruxa. Essa Bruxaria que eu falo tem permanecido praticamente inalterada em muitas partes do mundo e sem dúvida será um pouco difícil para ocidentais perceber sua extensão.
A bruxa africana é considerada uma pessoa que vive fora das normas sociais e as práticas com que elas se envolvem são consideradas uma atividade criminosa. Kindoki, um termo comparável com Bruxaria, é tanto uma magia necromante bem como um poder natural manifestado por uma pessoa seleta.
Dizem que Kindoki é uma forma de mau-olhado, concebido como um poder de causar não intencionalmente uma maldição aos adversários ou inimigos. No reino do Kindoki, pode-se perceber algumas correlações com outras religiões de matriz africana. Isto é particularmente verdade com relação a Palo, ainda que Palo Mayombe ou Palo Monte seja uma religião de matriz do Congo, com uma forte tradição ancestral e rituais e processos cerimoniais únicos. Enquanto Kindoki usa elementos do Palo, este está relacionado com outro apenas de forma superficial.
Bruxaria e Kindoki podem ser empregados por qualquer bruxa por qualquer razão e seu propósito está mais nas necessidades e desejos pessoais do que em qualquer sistema abstrato de moral altruísta. Tanto Bruxaria quanto Kindoki empregam espíritos, embora Kindoki confie mais na presteza e eficiência dos espíritos dos mortos, enquanto Bruxaria enfatiza o trabalho com entidades elementais e demoníacas.
Dogmas religiosos e regras arcaicas não são importantes na Bruxaria, uma vez que a verdadeira energia mágica é derivada do processo criativo individual da bruxa e a conexão delas com essas forças com as quais se relacionam. Bruxaria e Kindoki são compatíveis, visto que misturam livremente os elementos mágicos de várias estruturas de sistemas e crenças. A bruxa não vê as coisas estritamente em termos de "bem" ou "mal", as bruxas tendem a ver apenas o poder no mundo e as ferramentas de seu comércio mágico como meros recursos usados para canalizar esse poder. Os muitos elementos da natureza são estas manifestações materiais que estão mais conectadas a este imenso oceano de poder e são combinados e usados de formas bem especificas para manipular, tanto para o bem quanto para o mal, de acordo com a vontade da bruxa.
Fonte: Kindoki – A Manual of African Witchcraft and Brujeria, de Afefe Ogo, Dark Harvest Occult Publishers, pg. 05 a 11.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Desrazões dos cristãos

1. O "casamento" homossexual não é casamento.
1. Casamento é o vínculo estabelecido entre duas pessoas, mediante o reconhecimento governamental, religioso ou social e que pressupõe uma relação interpessoal de intimidade, cuja representação arquetípica é a coabitação, embora possa ser visto por muitos como um contrato.
Em direito, é chamado "cônjuge" às pessoas que fazem parte de um casamento. O termo é neutro e pode se referir a homens e mulheres, sem distinção entre os sexos.
Há uma grande variedade, dependendo de fatores culturais, nas regras sociais que regem a seleção de um parceiro para o casamento. Há uma variação no quanto a seleção de parceiros é uma decisão individual pelos próprios parceiros ou de uma decisão coletiva por parte de seus parentes, existindo uma variedade das regras que regulam quais parceiros são opções válidas.[wikipédia]

2. O "casamento" homossexual viola a Lei Natural.
2. Quando se fala em "Lei Natural", deve-se considerar aquilo que ocorre na natureza, não a doutrina de Tomás de Aquino, que argumenta que a "Lei Natural" é a "Lei de Deus".

3. O "casamento" homossexual sempre nega à criança ou um pai ou uma mãe.
3. Estudos indicam que crianças adotadas por casais homossexuais não apresentam distúrbios nem alterações de comportamento.

4. O "casamento" homossexual valida e promove o estilo de vida homossexual.
4. O reconhecimento do casamento inclusivo é um ato necessário e humano, não irá substituir nem proibir o casamento heterossexual.

5. O "casamento" homossexual transforma um erro moral num Direito Civil.
5. O conceito moral de um grupo não pode servir de base para a discriminação e o preconceito contra os direitos de outro grupo. Os movimentos por direitos civis são a expressão de que nem tudo que é moral é ético.

6. O "casamento" homossexual não cria uma família, mas uma união naturalmente estéril.
6. Existem diversos casais heterossexuais que não produzem progênie. Se necessariamente a procriação é condição obrigatória e necessária para que o casamento seja "legítimo", então estes casais tornar-se-iam ilegais, pela ótica cristã.

7. O "casamento" homossexual desvirtua a razão pela qual o Estado beneficia o casamento.
7. A função do Estado não é beneficiar o casamento, mas o de reconhecer, dentro dos termos da lei e justiça, as implicações oriundas dessa união.

8. O "casamento" homossexual impõe a sua aceitação por toda a sociedade.
8. A aceitação do casamento homossexual pela sociedade  é o ato mais humano e necessário, visto que estas pessoas são humanas e merecem ter seus direitos reconhecidos e respeitados.

9. O "casamento" homossexual é a vanguarda da revolução sexual.
9. No Cristianismo, temas como sexualidade, relacionamentos, desejo, prazer, são tabus. Houve uma época que a Igreja era contra o casamento heterossexual. O Cristianismo contém doutrinas que interessam apenas aos que esta religião professam, não pode ser modelo, norma, ou padrão de um Estado de Direito.

10. O "casamento" homossexual ofende a Deus.
10. O cristão recorre ao conceito equivocado de que a homossexualidade ofende a Deus. Ora, se o Deus Cristão é o Criador e existe a homossexualidade, então estas pessoas também são criaturas criadas por esse Deus. De acordo com a bíblia, Deus criou a ambos, macho e fêmea [Gen 1:27], o que pode ser lido que o primeiro ser humano era hermafrodita. De acordo com os evangelhos, o casamento é algo condenado [1 Co 7:1, 7:27; Mt 19:10-12]. Portanto, não se pode usar a bíblia ou os evangelhos para embasar o preconceito e a discriminação.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Religiosidade no Neolítico - II

Durante a constituição do modelo de cidade-Estado, que dominará o Mediterrâneo pelos próximos séculos [4000-3500 a.C em diante], veremos nascer criações fundamentais do ser humano. Apesar de constatar-se a domesticação de plantas selvagens do próprio local em regiões afastadas do Levante, as áreas ao redor do Crescente Fértil necessitavam do que era inicialmente produzido nessa área geográfica. A disseminação das culturas do sudoeste asiático "foi logo seguida pela de outras inovações que nasciam no Crescente Fértil ou perto dele, entre elas a roda, a escrita, técnicas de metalurgia, ordenha, árvores frutíferas e produção de vinho e cerveja." 1

Nas cidades-Estado hieráticas, o mundo sagrado das divindades era muito mais do que um ideal a se aspirar, mas, antes disso, um protótipo, um arquétipo da vida na terra. Os próprios deuses haviam ensinado as técnicas de construção das cidades aos homens e, por conta disso, concebia-se que tudo no mundo era uma réplica frágil de alguma contraparte divina, ou seja, as pessoas e objetos da realidade sagrada tinham suas imitações no mundo material 2. Foi por volta do terceiro milênio AEC que surgiu "o profissional em tempo integral, iniciado e estritamente arregimentado, sacerdote de templo." 3

As cidades de Ur, de onde veio o Patriarca Abraão, Kish, Erech, Nipur, Shuruppak, Sipar e Lagash foram os palcos privilegiados dessa nova forma de se enxergar a realidade. Do alto das maravilhosas torres-templos chamadas zigurates os sacerdotes podiam admirar o cortejo das sete esferas eternas: Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter, Saturno, a Lua e o poderoso Sol, os mensageiros da lei e ordem universais. O número sete torna-se objeto de especial reverência por conta das sete “estrelas” errantes das quais derivou a semana 4. Toda a cidade é uma cópia na terra da ordem do Cosmos e, de acordo com a concepção matemática de inspiração astronômica que dava suporte a essa consonância mágica, o universo (macrocosmos) unia-se à comunidade (mesocosmos) e esta, por sua vez, ligava-se ao ser individual (microcosmos) 5.

"Pois há uma lei, um rei, um Estado e um universo. E além dos muros de nossa pequena cidade-estado estão as trevas; mas dentro dela reina a ordem, planejada de toda a eternidade para o homem, suportada pelo pivô do rei, que em sua imitação sagrada da lua (…) é a lua terrena (…). Sua rainha é o sol. A sacerdotisa virgem que o acompanhará na morte e será a noiva em sua ressurreição é o planeta Vênus. E seus quatro primeiros ministros de Estado – os senhores das finanças e da guerra, o primeiro-ministro e o carrasco – encarnam os poderes, respectivamente, dos planetas Mercúrio, Marte, Júpiter e Saturno." 6

Quando o rei ou a rainha morriam, eram acompanhados à sepultura por todos os membros que refletiam a ordem celeste. Nesse mundo arcaico o verdadeiro caráter dos seres não estava em sua personalidade individual, mas em sua representação arquetípica. O rei é o bom pastor e seus súditos seu rebanho; ou é o agricultor dos deuses (como Adão em Gênesis 2:15) que dá vida aos campos; também pode ser o mestre das artes, o portador da cultura (que nas mitologias é o aquele que traz o fogo, símbolo da sabedoria, à comunidade) que constrói a cidade 7.

Pode-se estranhar um rei lua ao invés de uma rainha, mas nesse perído (anterior à invasão acádia de 2500 a.C) na esfera do sagrado A era B, o masculino era feminino e a morte era indissociável da vida. A divindade Lua, ao contrário do Sol que era sempre o mesmo, exemplificava a lei universal do devir com seu crescimento, decrescimento, desaparecimento e renascimento. Ela era aquela que se situava para além dos pares de opostos da existência sensível, relembrando o mundo do mito antes do primeiro assassinato ou da primeira relação sexual. A serpente, o símbolo lunar junto do chifre do touro, mordendo a cauda na forma de Ouroboros, simbolizava o eterno retorno e os pares de opostos unidos, pois sua boca era como uma vagina recebendo o órgão sexual masculino. A sociedade da cidade-Estado hierática era matrifocal 8, mas o entendimento da importância do homem na procriação durante a época de sedentarização e domesticação de animais tornou-se mais evidente por meio da observação do desenvolvimento dos rebanhos.

"Em consequência desta situação encontramos a Deusa-Mãe acompanhada de um ser masculino, um filho ou um irmão que a acompanha nos ritos da fertilidade e com os quais se une. Nos mitos e ritos trata-se de um deus jovem que há de morrer para logo renascer. No entanto, é a Grande Deusa quem cria a vida e governa a morte, mas agora reconhece-se muito melhor a participação masculina na procriação. As núpcias sagradas (hierogamias) e outros ritos similares festejados durante o quarto e terceiro milênios expressavam estas crenças. Até que a deusa se tivesse unido ao jovem deus e houvesse tido lugar a morte e o renascimento deste, não podia recomeçar o ciclo anual das estações. A sexualidade da Deusa é sagrada." 9

O consorte, filho de parto virginal ou irmão da Deusa era o "Filho Legítimo do Abismo”, ou "O Filho do Abismo que se Levanta” 10 ; aquele que representa a energia geradora que se autoconsome; o deus-touro com o chifre em forma de lua o qual entra no mundo subterrâneo e é resgatado por sua esposa, a deusa nua em forma de serpente que copula com a serpente monstro e renova as forças do mundo 11, após três dias de trevas. É Baal e Anat, "Ístar e Tammuz, Vênus e Adônis, Ísis e Osíris, Maria e Jesus." 12

Esse deus da colheita é em muitos casos o deus da morte. Ao morrer e retornar à vida, personifica o processo universal no qual vida e morte estão inexoravelmente ligadas. O culto do deus morto é simbolizado pela carnificina porque a vida nunca vence completamente. O antigo mito sumério de Inanna, sua parte ctônica Ereshkigala e Dumuzi 13 deixa essa questão bem clara. Inanna desce ao submundo para usurpar a irmã Ereshkigala, rainha das profundezas e da vida. Fracassa, e os Sete Juízes subterrâneos (contrapartes ctônicas das sete esferas celestes) a condenam à morte. Volta à terra acompanhada de demônios que forçam Dumuzi a ocupar o lugar de Inanna por este ter traído a esposa. Doravante, passa seis meses com Ereshkigala, nos quais a terra sofre a estiagem, e seis com Inanna, quando os grãos brotam e a colheita acontece.

A agricultura não era uma atividade pacífica e sim uma batalha constante contra as intempéries, esterilidade, fome e seca. A mitologia neolítica é violenta e as forças sacras da morte precisavam ser vencidas para que o alimento pudesse ser produzido. A semente penetra a terra e morre para dar origem à vegetação, os "implementos agrícolas mais parecem armas, o cereal deve ser reduzido a pó, as uvas, amassadas até a extração de sua polpa antes de se tornarem vinho". 14

A grande mãe não era generosa e gentil; ao contrário, suas raízes remontam à Grande Deusa, senhora dos animais e fonte da vida; a que dá à luz constantemente por meio da morte do marido Animal. Nascida do ressentimento inconsciente da mulher em decorrência dos perigos pelos quais o caçador precisava passar, exigia grande derramamento de sangue para sua manutenção. A mulher, apesar de assegurar a sobrevivência da tribo por ser a fonte de nova vida, precisava do "interminável sacrifício de homens e animais" 15 para sua alimentação e a das suas crianças. Sua evolução, a Deusa Mãe, também precisava da morte do consorte o qual, como os alimentos de origem agrária, era esquartejado e mutilado antes de ressuscitar com a colheita.

"O imaginário sexual do plantio não significa que os povos percebiam a agricultura como um caso amoroso romântico com a natureza. A própria reprodução humana era extremamente perigosa para mãe e filho. Do mesmo modo, lavrar os campos exigia trabalho árduo, estafante. No Gênese, (…), a perda da condição paradisíaca inicial é vivida como prática da agricultura. No Éden os primeiros seres humanos cuidavam do jardim divino sem fazer esforço algum. Após a Queda, a mulher passa a parir os filhos entre dores, e o homem a tirar o sustento da terra com o suor de sua fronte. (Gênese 3:16-19)" 16

No mundo antigo, a deusa era representada por um monte de terra o qual era o omphalos, o umbigo e ponto de início do mundo. Esse axis mundi era o centro dos quatro cantos do mundo, como a árvore da vida e os quatro rios da Gênesis (Gênesis 2:9-14), no qual a realidade divina e humana se encontravam.

"(…) é o centro do círculo simbólico do universo, o Ponto Imóvel da lenda do Buda, em torno do qual, pode-se dizer, o mundo gira. Sob esse ponto, encontra-se a cabeça, suporte da terra, da serpente cósmica, o dragão, que simboliza as águas do abismo, a energia e a substância divinas, criadoras de vida, do demiurgo, o aspecto gerador do mundo do ser imortal. A árvore da vida, isto é, o próprio universo, cresce nesse ponto. Está enraizada na escuridão e sustentada por ela; o pássaro dourado do sol está empoleirado em sua copa; uma fonte, poço inexaurível, borbulha a seus pés." 17

Notas:

1 - DIAMOND, Jared. Armas,germes e aço. Os destinos das sociedades humanas. Rio de Janeiro: Record, 2007. p. 183
2 - ARMSTRONG, Karen. Uma história de Deus. São Paulo: Editora Schwarcz, 2008. p.18
3 - CAMPBELL, Joseph. As Máscaras de Deus. Mitologia Primitiva. São Paulo: Palas Athena, 2005. p. 126
4 - BOYER, Carl B. História da Matemática. . São Paulo: Blucher, 2001. p. 36
5 - CAMPBELL, Joseph. As Máscaras de Deus. Mitologia Primitiva. São Paulo: Palas Athena, 2005. p. 327
6 - idem, ibidem. p. 327
7 - idem, ibidem. p.331-334
8 - Apesar das crítica feitas à ideia de “matriarcado primitivo” de Johann Jakob Bachofen, não entraremos aqui no mérito da pertinência ou não do termo e das críticas ao mesmo. Todavia, os conceitos de sociedade “matrifocal” ou “matricêntrica” referindo-se a comunidades centralizadas na figura da mulher será utilizado juntamente ao termo "matriarcado".
9 - MOREIRA, Ana Maria Mendes. A mulher, o divino e a criação. Colóquio internacional "A Criação". Convento dos Dominicanos. Lisboa, 2001. Versão online http://triplov.com/creatio/moreira.htm
10- CAMPBELL, Joseph. As Máscaras de Deus. Mitologia Primitiva. São Paulo: Palas Athena, 2005. p. 333
11- idem, ibidem. p. 337
12- CAMPBELL, Joseph. As Máscaras de Deus. Mitologia Primitiva. Pgs. 123-124. São Paulo: Palas Athena, 2005.
13- BARBAS, Helena. (tradução). Descida de Inanna aos Infernos in: A saga de Inanna (antologia de poemas).http://www.helenabarbas.net/traducoes/2004_Inanna_H_Barbas.pdf
14- ARMSTRONG, Karen. Breve História do Mito. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 45
15- idem, ibidem. p. 38
16- idem, ibidem. P. 44-45
17- CAMPBELL, Joseph. O Heroi de Mil Faces. São Paulo: Cultrix, 1995. p. 22; CAMPBELL, Joseph. O Heroi de Mil Faces. São Paulo: Cultrix, 1995. p. 22, idem, ibidem. P. 44-45

Autor: Leonardo Veloso Pin
Editor: Guilherme Balan
Fonte: Bule Voador [link morto]