sábado, 19 de outubro de 2024

Examinador precisa de exame

Por Duda Quiroga e Maíra Santafé.

Qual a função de um concurso público? Quando um edital é preparado, que perfil de profissional está sendo buscado? As questões de uma prova conseguem desenhar o tipo de profissional que será contratado para aquele município, estado ou órgão público? O que dizer, então, do concurso que aconteceu no dia 13 de outubro no município de Macaé?

A prova era para professores e professoras e apresentou uma série de questões carregadas de misoginia, além de preconceitos que reforçam um estereótipo de mulher antiquado, retrógrado e inaceitável em pleno século XXI.

É necessário denunciar ao Ministério Público o que se passou nessa prova. É inacreditável pensar que uma instituição como a Fundação Getúlio Vargas possa fazer provas de concurso público e apresentar questões como essas.

É preciso que haja uma investigação e uma proibição de novas provas como essa para qualquer certame.

A mais agressiva de todas as questões certamente é a que, no enunciado, diz:

Módulo “conhecimentos básicos da língua portuguesa”

“Assinale a frase que não contém uma crítica ao fato de a mulher falar demais”

Respostas:

Há mulheres que, quando mentem, dizem a verdade.
A língua é a última coisa que morre em uma mulher.
Há mil invenções para fazer as mulheres falarem, e nem uma só para as fazer calar.
A língua da mulher não cala nem depois de cortada.
Gosto de mulheres jovens, suas histórias são menores.

Imagine se uma de nós, mulheres, está fazendo a prova e se depara com uma questão dessas. Revolta? Repulsa? Como conter a indignação e seguir fazendo a prova, afinal, há um objetivo maior: passar no concurso e lecionar na rede municipal. Mas aí você se depara com uma nova questão:

“As frases a seguir mostram uma comparação. Assinale aquela em que a comparação é explicada.”

As mulheres são como robôs: têm no cérebro uma célula a menos e, no coração, uma célula a mais. A mulher é como um defeito da natureza.

Que tipo de profissional se espera selecionar com uma questão dessas?

Infelizmente, não parou por aí as questões que procuram coisificar as mulheres, reduzindo-as quase a objetos. Veja outro exemplo:

“Assinale a frase que mostra um jogo de palavras em sua construção.”

Uma das respostas:

Há dois tipos de esposas: a que arruma a casa e a que se arruma.
Já seria inaceitável para qualquer concurso, mas a FGV e a prefeitura de Macaé foram ainda mais longe: aplicaram uma prova com questões misóginas para pessoas que vão lecionar.

A prova não desvalorizava apenas nós, mulheres, mas a própria profissão de professor(a). Certamente todo profissional da educação que se preza luta pela valorização do magistério. Qual não deve ter sido a frustração de encontrar, numa prova, a desconstrução da carreira, como em uma das respostas de outra questão da prova, veja a seguir:

“As frases a seguir mostram um termo na forma diminutiva. Assinale a frase em que esse diminutivo tem o valor de intensidade.”

Uma das respostas:

O melhor método de educação para uma criancinha é arranjar-lhe uma boa mãe.

Segundo publicação na página do Superior Tribunal de Justiça (STJ), “as provas buscam não apenas aferir o conhecimento individual, mas também permitir que a administração selecione aqueles que se mostrarem mais qualificados para assumir determinada função pública”.

Na mesma publicação, o STJ enfatiza que, pelo grau de relevância e em respeito ao princípio da isonomia, “a prova não pode ser realizada de forma livre e indiscriminada pela banca examinadora, devendo seguir, em especial, as regras e o conteúdo previstos no edital do concurso”.

Se a prova é construída por diversas pessoas e deve seguir o edital, a situação é ainda mais grave. Como questões como essas passaram pelo crivo da banca examinadora da FGV?

Diante disso, é fundamental que haja uma investigação sobre como esta prova foi construída, inclusive para que não exista a possibilidade de mais provas com esse tipo de conteúdo misógino ou com outros preconceitos serem aplicadas, seja em concursos públicos, seja nas salas de aula.

Nossa luta é todo dia.

Fonte: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/prova-da-fgv-em-macae-e-repleta-de-misoginia/

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