segunda-feira, 14 de agosto de 2023

Sexo e gênero não são sinônimos

You and me baby ain't nothin' but mammals
So let's do it like they do on the Discovery Channel.
- Bad Touch, banda Bloodhound Gang.

Autor: Filipe Vilicic.

Em seu último livro, Diferentes, o primatólogo holandês Frans de Waal, autor de obras de referência sobre temas como empatia, solidariedade e competição, apoia-se em quase cinco décadas de observações e pesquisas com chimpanzés, bonobos e humanos para mostrar os últimos avanços científicos, assim como seu próprio entendimento sobre os debates e as questões contemporâneas acerca de sexo e gênero.

"As pessoas têm comumente usado as palavras sexo e gênero como se fossem sinônimos", afirma Frans de Waal à BBC News Brasil.

"São termos não só distintos, mas que mudaram de significado ao longo dos últimos vinte anos, assim como devem ser vistos de outra forma daqui mais vinte anos."

Em Diferentes, lançado em junho no Brasil, o autor apresenta uma página com um glossário com explicações, pelo ponto de vista da biologia e da primatologia, para "sexo", "gênero", "papel de gênero", "identidade de gênero", "transgênero", "transexual" e "intersexo".

"O sexo é biológico, já o gênero, cultural, pois é o papel de cada sexo na sociedade. A identidade de gênero tem fator biológico e por isso que se pode nascer com um sexo, dependente do seus cromossomos, mas com outra identidade de gênero. É o que mostra a Ciência e, também, as observações de primatas – e, para mim, humanos são primatas – na natureza", diz de Waal à BBC News Brasil.

A narrativa do primatólogo segue a tradição de relatos de naturalistas, como os do alemão Alexander von Humboldt (1769-1859) em seus textos sobre explorações nas Américas, os do inglês Charles Darwin (1809-1882) em seu clássico A Origem das Espécies (1859) ou como tem sido o trabalho da inglesa Jane Goodall desde os anos 1960, observando chimpanzés.

De Waal, hoje com 74 anos, começou suas pesquisas de campo nos anos 1970 e, desde então, publicou dezessete livros sobre suas descobertas.

Alguns deles são best-sellers, figurando em listas de mais vendidos em países como os Estados Unidos. Caso de Chimpanzee Politics: Power and Sex among Apes ("Política dos Chimpanzés: Poder e Sexo entre Primatas", em tradução livre), de 1982, e Our Inner Ape ("Nosso Primata Interior", em tradução livre), de 2005.

Membro da Academia de Ciências dos Estados Unidos e da Academia Real de Ciências e Artes da Holanda, é hoje professor da Universidade de Emory, em Atlanta, nos Estados Unidos, e diretor no centro de pesquisas com primatas Yerkes National Primate, na mesma cidade.

Em 2007, pelo sucesso de seus best-sellers, foi eleito uma das cem pessoas mais influentes do planeta no tradicional ranking anual publicado pela revista americana Time.

Nos seus livros, ressalta-se o estilo de escrita no qual mescla narrativas de experiências que teve com animais, em especial na primatologia, com descrições de descobertas científicas.

Ao longo do livro de quase 600 páginas, o primatólogo trata de diversos aspectos das questões de gênero e sexo, que vão desde como bebês brincam ao feminismo e movimentos de solidariedade entre mulheres, assim como com comparações com fêmeas de bonobos e chimpanzés.

Há também um capítulo inteiro dedicado a, como o autor destaca no título do mesmo, "sexo com o mesmo sexo".

"Outra confusão comum é entre identidade de gênero e orientação sexual. O segundo, que também tem fator biológico, justamente por ser comum em outras espécies na natureza e, então, se nasce assim, é uma questão de por quem se tem atração", diz De Waal à BBC News Brasil.

"Nós, humanos, somos muito categóricos, assim como preconceituosos. Animais, não. Os bonobos, em cativeiro ou na natureza, têm uma vida sexual bem variada, com relações com propósitos de prazer e de vínculos sociais. São formas de estreitar laços, principalmente entre as fêmeas", afirma de Waal.

Para o primatólogo, a transexualidade, por exemplo, também teria origem biológica. Além de histórias vinculadas às suas pesquisas, como a sobre a chimpanzé Donna, no livro ele compila estudos científicos de outros campos do conhecimento.

Cita-se, por exemplo, um que se tornou referência para a área, publicado em 1995, no periódico científico Nature, e liderado pelo neurocientista Dick Swaab, do Netherlands Institute for Brain Research, em Amsterdã.

Nele, descobriu-se que uma área do cérebro conhecida como núcleo leito da estria terminal é duas vezes maior no homem do que na mulher, sendo que essa diferença é replicada em pessoas transgênero, de acordo com o gênero com a qual se identificam.

"Existe essa mesma diversidade no reino animal, sendo registrada em diversas espécies", afirma de Waal. "Mas só a nossa espécie, a humana, apresenta preconceitos. Pois nada disso é um problema na natureza".

Fonte, citado parcialmente: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cllgv58nmq6o
Nota: mais uma vez, a ciência e a natureza mostrando que o discurso do conservadorismo e do fundamentalismo cristão sobre sexo e gênero está errado.

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