domingo, 2 de fevereiro de 2025

O Deus dos detalhes

Análise crítica do texto “Só Jesus e Iemanjá na causa”.
Por Eduardo Affonso.

Citando:

No Rio Grande do Sul, colocaram um Jesus afeminado, de fio dental, rebolando sensualmente, trepado numa árvore, num bloco de carnaval. Um representante da galera que diz defender a liberdade de expressão formalizou denúncia no Ministério Público Federal por vilipêndio (humilhação, ofensa) e racismo religioso.

— Não vamos aceitar que o cristianismo seja desrespeitado no país — bradou um parlamentar, como se os que não professam uma fé tivessem a obrigação de se comportar como os crentes, ou mesmo os crentes se portassem todos da mesma forma.

Na falta de jurisprudência que lhes faculte tostar hereges na fogueira, os inflamados defensores de que todos possam se expressar livremente nas redes sociais (sem interferência do Estado) querem que o Estado interfira na livre expressão de um grupo de foliões. Chegaram a pedir a cabeça de uma suposta professora cujo crime teria sido filmar e compartilhar a cena numa rede social (aquela mesma rede em que não querem censura...).

Enquanto isso, na Bahia, a cantora Claudia Leitte adaptou a letra de uma música, substituindo Iemanjá por Yeshua (equivalente a Jesus). O Ministério Público (sempre ele!) abriu inquérito sobre “os impactos de ações dessa natureza para a honra e dignidade dos povos de terreiros, bem como para a proteção do patrimônio histórico e cultural envolvido”. É a galera progressista —aquela que não vê problema em caracterizar Jesus Cristo como gay, comunista ou palestino — se encrespando com uma intertextualidade musical.

Claudia Leitte não desrespeitou ou atacou a fé de ninguém — só reafirmou a sua. Não mandou chutar a santa, não incitou ódio com um “chuta que é macumba”. A única intolerância nessa história é a de quem vê qualquer apropriação cultural como roubo. Isso num Estado laico, em que questões desse tipo só deveriam ser judicializadas se envolvessem danos concretos, físicos ou morais.

É nas teocracias que adorar outros deuses — ou ser irreverente à divindade oficial — configura crime. É nos regimes tacanhos que crenças pessoais viram dogmas — e se proíbem releituras como “Je vous salue, Marie” e se cria caso com obras-primas como “A última tentação de Cristo”.

Deixemos o Bloco da Laje tirar Jesus da cruz (epa babá, Jesus!) e Claudia Leitte louvar Yoshua (rogai por nós, Iemanjá, na véspera do seu dia). Deus não mora nesses detalhes.

Retomando.

Eduardo Affonso é, na definição dele mesmo, um isentão. Tipo Luciano Huck, que usa sapatênis, farialimer, apregoa o Livre Mercado e curtiu o deboche do Elon Musk diante das críticas ao seu gesto nazista.

O colunista (ou colonista, como diria o saudoso Paulo Amorim) deve achar que focinho de porco é tomada.

Que os talibãs cristãos reajam diante de um Jesus de tanga, com trejeitos homossexuais, era de se esperar. Essa é uma manifestação da homofobia latente nessa gente.
Cristo seria crucificado por quem diz segui-lo se reencarnasse nos dias de hoje, como mulher, negro, imigrante, homossexual ou transgênero.
O que é curioso é a hipocrisia. Afinal, o cristão é o que mais desrespeita e vilipendia, quando a crença professada ou expressa não configura um espelho de suas próprias crenças. Em pleno século XXI, ainda existe perseguição às crenças de matriz africana.
Bruxaria, Wicca e Paganismo Moderno?
Heresia. O Santo Ofício continua funcionando nas redes sociais.

Esse é o detalhe que escapou do isentão. Pessoas são perseguidas e mortas por causa que não são espelhos da crença majoritária.
Claudia Leitte fez sucesso com a música que tem Yemanjá. Trocou por Yeshua achando que a letra era de sua propriedade.

Diz a história do rock que The Doors foi constrangido a mudar a letra da música. Não mudou e foi expulso (banido) do show do Ed Sullivan.

Eu escrevi aqui em algum lugar. Se a crença atual da Cláudia Leitte é de adorar apenas um único Deus, ela não pode cantar mais esta música. Nem ser cantora de axé. Que se torne cantora gospel. A troca de nome, de letra de música, é um aceno que ela apóia a intolerância religiosa. Várias notícias mostram terreiros sendo invadidos e depredados.
Isso não é “apropriação cultural”, mas genocídio cultural.

Interessante que o autor cita duas obras primas do cinema. Censuradas pela Igreja.
O autor não lembra da gritaria dos cristãos fundamentalistas quando Viviani Beleboni desfilou como Cristo Crucificado para denunciar a violência que os cristãos cometem todo santo dia contra a comunidade LGBT?

Seja qual for este Deus, seus seguidores fazem muita questão destes detalhes. Um Deus que, segundo uma página direcionada aos evanjegues, está ocupado queimando Los Angeles, por causa da zombaria. Enquanto fecha os olhos para o genocídio em Gaza.

Mas seria demais querer que esse bolsonarista enrustido soubesse ver a diferença.

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