Por Fernando Nogueira da Costa.
A chamada “revolução conservadora”, iniciada a partir dos anos 1980, marcada pela ascensão do neoliberalismo, foi uma reação contra o avanço da história? Parece-se ter sido reacionária por se colocar contra a queda da desigualdade ocorrida desde a I Guerra Mundial.
No entanto, ela não foi contra a história, porque foi consequência de uma série de crises econômicas, sociais e políticas emergente nas décadas anteriores. Ela trouxe transformações no paradigma econômico global ao ser abandonado, em grande parte, os pressupostos do keynesianismo em favor de políticas de livre-mercado. Pior para a esquerda, captou os sentimentos de ambição individualista de ascensão social.
As principais causas desse movimento em direção à direita podem ser lembradas. Primeiro, a simultaneidade de inflação alta e crescimento econômico estagnado, nos anos 1970, contrariou o registro econométrico da Curva de Phillips – quando a taxa de desemprego é alta, a taxa de inflação é baixa, e vice-versa. Colocou em dúvida a eficácia das políticas keynesianas, desde os anos 30 até então dominante no pensamento econômico. Essa crise expôs limitações no modelo de regulação estatal da economia.
Os aumentos abruptos dos preços do petróleo, feitos pelo cartel da OPEP, em 1973 e 1979, impactaram os custos de produção e geraram inflação global. Aprofundou a percepção de o modelo de Estado intervencionista ser incapaz de lidar com crises externas.
A reciclagem dos petrodólares com endividamento dos países para equilíbrio do balanço de pagamentos levou à crise da dívida externa nos anos 80s. Em todos os países, o aumento do gasto público financiado por dívida pública crescente começou a ser visto como insustentável e levou à busca de alternativas de modo a priorizar a redução do papel do Estado.
A ascensão de ideias econômicas conservadoras pró livre-mercado se aproveitou da crítica ao keynesianismo. Economistas como Friedrich Hayek da Escola Austríaca e Milton Friedman da Escola Monetarista criticavam o intervencionismo estatal por gerar ineficiências, distorções nas alocações de mercado e crises inflacionárias.
O monetarismo, com uma orquestração midiática arquitetada, ganhou destaque e pregava – aliás, até hoje – o controle da inflação deveria ser a prioridade das políticas econômicas. Apoderou-se da política monetária do Federal Reserve (Banco Central dos Estados Unidos), com o choque de juros, em 1979, provocando a citada crise da dívida externa no Terceiro Mundo.
Grassou a ideologia do livre mercado. As teorias neoliberais enfatizaram a eficiência alocativa dos mercados e defenderam políticas de desregulamentação, privatização e redução do Estado.
Em paralelo, ocorreram as mudanças políticas para governos conservadores. A eleição de líderes como Margaret Thatcher no Reino Unido (1979) e Ronald Reagan nos EUA (1981) simbolizou o início da implementação prática do neoliberalismo. Ambos defendiam um Estado mínimo, liberalização econômica e desregulação dos mercados.
Era uma reação das elites contra o Estado de bem-estar social. Nos países desenvolvidos, as críticas era ele provocar os gastos sociais elevados e os impostos altos. Ambos inibiam o crescimento econômico e a competitividade.
A liberalização financeira surge com a crise do sistema de Bretton Woods, O colapso do sistema de câmbio fixo e o abandono do padrão-ouro nos anos 1970 levaram à desregulamentação das finanças globais. A globalização dos mercados financeiros se acelerou, facilitando fluxos de capital, mas também criando inovações financeiras como derivativos para lidar com o câmbio flutuante.
Cresceram as pressões por desregulamentação. As economias avançadas buscaram liberalizar o sistema financeiro para aumentar a competitividade e atrair investimentos. As instituições financeiras multilaterais condicionaram seus empréstimos ao encerramento do período de “repressão financeira” como os controles de juros e capital dos bancos e o crédito direcionado para setores prioritários. No Brasil, houve a privatização dos bancos estaduais.
A abertura comercial e a globalização permitiram a ascensão dos países asiáticos. Economias emergentes na Ásia (como Japão, Coreia do Sul e mais adiante a China) começaram a competir diretamente com indústrias ocidentais, levando à desindustrialização ocidental. O ocidente busca maior eficiência por meio da liberalização e terceirização, isto é, expansão dos serviços urbanos e tecnológicos.
A urbanização crescente e a revolução tecnológica deslocaram o eixo da economia para os setores de tecnologia, finanças e serviços, em detrimento da indústria pesada.
Houve a erosão do protecionismo. Acordos comerciais e organizações como o GATT (mais tarde substituído pela OMC) promoveram a liberalização do comércio internacional e levou ao declínio do protecionismo em favor de mercados internos.
Entre as transformações estruturais no capitalismo ocidental, destacou-se a desindustrialização. Nos países ocidentais, a transferência de indústrias para países com mão de obra mais barata acelerou o processo de desindustrialização e a ascensão de economias de serviços urbanos. Essa reestruturação enfraqueceu sindicatos e as bases políticas do keynesianismo.
No fim dos 80s e início dos 90s, alterou-se o contexto ideológico e geopolítico com a crise do socialismo realmente existente. A percepção de falhas nos modelos econômicos socialistas e a crise econômica em países como a URSS e outros do bloco socialista enfraqueceram alternativas ao capitalismo liberal.
Enfim, houve o triunfo ideológico do Ocidente com o colapso do bloco soviético e a consolidação da hegemonia do neoliberalismo como ideologia dominante. Foi reforçada pela “doutrina do fim da história” de Francis Fukuyama. Ledo engano…
Portanto, a revolução conservadora dos anos 1980 gerou profundas mudanças globais, entre as quais, a redução do papel do Estado nas economias, privatizações em massa, crescimento da desigualdade social e concentração de riqueza, vulnerabilidades econômicas associadas à desregulação financeira e crises cíclicas. Esse movimento, no entanto, também gerou resistências e críticas.
Levaram à busca por novos paradigmas híbridos nas décadas seguintes, como o social-desenvolvimentismo em economias emergentes e os debates contemporâneos sobre o papel do Estado em crises como a de 2008 e a pandemia de COVID-19.
Diante da revolução conservadora, as vitórias eleitorais da extrema-direita neofascista a partir da propagação das redes de ódios ainda requerem um enfrentamento político com ações coletivas à altura do desafio. A esquerda necessita rever seus conceitos tornados anacrônicos perante esse novo quadro.
Segundo Thomas Piketty, em seu livro “Uma Breve História da Igualdade”, se a revolução da Era Reaganiana-Thatcherista teve tamanha influência a partir dos anos 1980, não foi apenas por ter se beneficiado de um largo apoio por parte das classes dominantes e de uma poderosa rede de influência por meio da mídia, dos think tanks e de financiamentos políticos, apesar desses fatores terem evidentemente contribuído. “Foi também devido às fraquezas da coalizão igualitária sem conseguir se apoiar em uma narrativa alternativa e em uma mobilização popular suficientemente forte em torno do Estado social e do imposto progressivo”.
Piketty acredita “o ponto mais importante nesse estágio é tentar reconstruir tal narrativa e mostrar como o Estado social e o imposto progressivo constituem de fato uma transformação sistemática do capitalismo. Com uma lógica levada às últimas consequências, essas instituições representam uma etapa fundamental para uma nova forma de socialismo democrático, descentralizado e autogestionário, ecológico e diversificado, permitindo estruturar um outro mundo, mais emancipador e igualitário diante o atual”.
Historicamente, o movimento comunista se formou em torno de uma plataforma diferente com a propriedade estatal dos meios de produção e o planejamento centralizado. Fracassou e nunca foi de fato substituída por uma plataforma alternativa. Com despeito, criticam os reformistas defensores do Estado social e sobretudo o imposto progressivo como formas “frouxas” de socialismo, incapazes de contestar a profunda lógica do capitalismo.
Os marxistas dogmáticos são céticos diante de uma reforma capaz de se contentar com a redução das desigualdades produzidas pelo sistema capitalista sem mudar as relações de produção. Temem, por isso, “o risco de anestesiar a marcha dos trabalhadores rumo à Revolução proletária”. Quem não deve, não teme…
Fonte: https://jornalggn.com.br/artigos/revolucao-conservadora-por-fernando-nogueira-da-costa/
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