sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Ato histórico contra extrema direita

Por Ivan Longo.

De BERLIM | Os alemães voltaram a fazer história com manifestações gigantescas contra a ascensão do nazi-fascismo no país. Uma semana após atos massivos, centenas de pessoas retornaram às ruas neste domingo (2) para protestar contra a quebra do "Brandmauer", o "muro de fogo" ou "cordão sanitário", acordo que perdura desde o fim da Segunda Guerra Mundial que impedia qualquer articulação entre partidos tradicionais com legendas de extrema direita.

Na capital Berlim, mais de 200 mil pessoas se reuniram no protesto que já é considerado histórico por ter sido um dos maiores contra o extremismo de direita já registrados no país. O ato foi motivado pelo recente alinhamento do partido conservador CDU, favorito nas pesquisas para as eleições gerais de 23 de fevereiro, com a legenda ultranacionalista AfD, que possui ligações comprovadas com grupos neonazistas. As manifestações ocorreram também em diversas outras cidades da Alemanha.

Sob o lema "Aufstand der Anständigen – Wir sind die Brandmauer!" ("Levante dos Decentes – Nós somos o muro de fogo!"), os manifestantes percorreram as ruas do centro de Berlim, indo do Reichstag, sede do Parlamento alemão, até a sede nacional do CDU, na Konrad-Adenauer-Haus. De acordo com a polícia, cerca de 160 mil pessoas participaram do ato, mas os organizadores 250 mil participantes, um número bem acima dos 20 mil esperados inicialmente.

O protesto se intensificou ao chegar à sede do CDU. Manifestantes iluminaram a região com lanternas de celulares enquanto vaiavam Friedrich Merz, líder do partido e candidato conservador ao cargo de chanceler. Gritos de "Wir sind die Brandmauer!" se espalharam pela multidão, reforçando a pressão para que Merz rejeite qualquer cooperação com a AfD. Placas exibiam mensagens como "São cinco minutos para 1933", alertando para o risco de retrocesso histórico em relação à ascensão do nazismo.

A indignação popular tem como estopim a decisão recente de Merz e do CDU de votarem, no Bundestag, ao lado do AfD em uma proposta para endurecer as regras de imigração. A decisão representa a quebra do chamado Brandmauer – o "cordão sanitário" que impedia alianças entre partidos democráticos e a legenda extremista. O episódio acendeu o alarme entre lideranças políticas e organizações da sociedade civil, que veem no movimento um sinal perigoso para uma futura coalizão de governo com o AfD.

A moção, que não tem força de lei, mas serve como diretriz para futuras decisões governamentais, propõe a rejeição sistemática de imigrantes sem documentos nas fronteiras alemãs e reforça políticas de deportação. O projeto foi apresentado pelo bloco conservador CDU/CSU e obteve 348 votos a favor, 345 contra e 10 abstenções, sendo que o apoio do AfD foi decisivo. 

O jornalista Michel Friedman, que renunciou à sua filiação ao CDU em protesto, criticou duramente a legenda, chamando a AfD de "partido do ódio" e afirmando que a parceria foi um "erro imperdoável". O líder religioso Heinrich Bedford-Strohm também condenou o gesto, dizendo que "nunca mais deve haver colaboração com aqueles que pisoteiam a dignidade humana".

A manifestação em Berlim foi organizada por um amplo leque de grupos, incluindo o movimento ambiental Fridays for Future, grupos ativistas como o "Campact" e o "Pais contra a direita", sindicatos, partidos de esquerda e organizações de direitos humanos.

Outras cidades alemãs também registraram grandes protestos. Em Hamburgo, Cottbus, Bremen e Jena, dezenas de milhares de pessoas tomaram as ruas no sábado (1). Em Potsdam, cerca de 2.500 manifestantes participaram de um ato no centro da cidade. No total, foram centenas de milhares de pessoas mobilizadas em todo o país contra o crescimento da extrema direita e a potencial normalização do AfD na política alemã.

A presença massiva de manifestantes pelo segundo fim de semana consecutivo é vista como um recado claro da população alemã: não há espaço para conivência com a extrema direita. Com a aproximação das eleições, a pressão sobre o CDU e seu líder Friedrich Merz tende a aumentar, enquanto os protestos devem continuar em todo o país.

O chanceler alemão Olaf Scholz, do Partido Social-Democrata (SPD), se pronunciou através das redes sociais sobre as manifestações contra a extrema direita, declarando apoio ao movimento. 

Scholz, que perdeu recentemente um voto de confiança no parlamento alemão em meio à crise política que assola o país, tentará um novo mandato como chanceler nas eleições de 23 de fevereiro. 

"Nunca com a extrema direita. Concordo plenamente com essa mensagem de centenas de milhares de cidadãos e cidadãs em todo o país. Ela também vale para mim. Obrigado a todos que se empenham tanto pelos nossos valores. Isso é um forte sinal para nossa democracia", escreveu.

As pesquisas eleitorais apontam o CDU de Merz na liderança, com cerca de 30% das intenções de voto, seguida pelo AfD, que ultrapassa os 20%. O SPD de Scholz e seus aliados Verdes aparecem com cerca de 15% de apoio. 

Diante desse quadro, o gesto de Merz ao votar com a extrema direita pode ser mais do que uma manobra parlamentar momentânea – sinaliza um prenúncio de alianças futuras. O CDU, que historicamente rejeitava qualquer aproximação com o AfD, agora indica que pode romper esse pacto não apenas no Bundestag, mas também na formação de governo.

Se esse caminho se concretizar, a Alemanha poderá viver seu governo mais à direita desde a Segunda Guerra Mundial, com um partido que tem membros investigados por neonazismo participando de decisões estratégicas do país.

A Alemanha vive uma crise política que vem sendo um prato cheio para a extrema direita, representada pelo AfD, partido com claras aspirações neonazistas e que possui ligações comprovadas com grupos extremistas. 

Fundada em 2013, a legenda conseguiu uma cadeira no parlamento alemão, pela primeira vez, em 2017 - hoje, já são 77 deputados.

Trata-se de uma organização ultrarradical que abriga os membros mais extremistas da Alemanha. O AfD defende abertamente ideias xenofóbicas, racistas, segregacionistas e violentas. A principal plataforma política da sigla são os projetos anti-imigração, permeada de retóricas ultranacionalistas que remetem ao nazismo. Diversos membros do partido, inclusive, já tiveram comprovadamente relações com grupos neonazistas e fizeram falas com tal teor.

Desde 2021, o AfD é monitorado pelo serviço de inteligência interno da Alemanha, o BfV, por tentativa de enfraquecer a constituição democrática do país.

Em 2024, o partido foi o mais votado na eleição regional da Turíngia – a primeira vez que uma legenda de extrema direita vence um pleito estadual desde o regime nazista – e garantiu a segunda maior bancada no parlamento da Saxônia. Situação parecida se deu em Brandemburgo, onde o AfD também ficou em segundo lugar e, por pouco, não vence o pleito.

O crescimento do AfD está intimamente ligado à atual crise política que abala o governo de Olaf Scholz. Com uma série de impasses internos e a falta de consenso entre os partidos da coalizão, temas como economia, inflação e política migratória vêm gerando insatisfação entre os eleitores, que enxergam na legenda extremista uma resposta à instabilidade governamental.

A postura crítica do AfD em relação à União Europeia e ao euro também ganha força em meio às dificuldades econômicas que impactam a população alemã. Neste sentido, a sigla se aproveita do descontentamento generalizado, apresentando-se como alternativa para eleitores que veem no partido uma maneira de protestar contra o status quo e a paralisia do governo Scholz.

O CDU, partido que lidera as pesquisas para as eleições de fevereiro, garantiu em diversas ocasiões que não aceitaria formar um governo com o AfD, mas o fato de Friedrich Merz ter aceitado o apoio partido extremista no projeto anti-imigração vem gerando preocupação.

Na Alemanha, o sistema parlamentar exige que o partido vencedor das eleições atinja a maioria absoluta para formar um governo sozinho. Caso contrário, é necessário buscar uma coalizão com outros partidos para alcançar a maioria no parlamento e, assim, indicar o chanceler.

Fonte: https://revistaforum.com.br/global/2025/2/3/alemanha-centenas-de-milhares-voltam-s-ruas-em-ato-historico-contra-extrema-direita-173420.html

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