Agora, o Brasil dá um passo significativo nessa trajetória com a criação de um Grupo de Trabalho (GT) Intersexo no Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania. A iniciativa busca formular políticas públicas específicas e combater práticas históricas de violência, como cirurgias "normalizadoras" realizadas sem o consentimento da pessoa afetada.
“Por muito tempo, o corpo intersexo foi tratado como um erro a ser corrigido. Hoje, lutamos para que ele seja reconhecido como uma variação legítima da experiência humana”, afirma Vidda Guzzo, ativista e integrante da rede Intersexo Brasil.
A urgência do debate - Estudos apontam que a ocorrência de variações intersexo é tão frequente quanto o nascimento de pessoas ruivas. Ainda assim, o tema permanece cercado de silêncio e desinformação. Por décadas, crianças intersexo foram submetidas a intervenções cirúrgicas e hormonais precoces para adequá-las às expectativas binárias de gênero – procedimentos que frequentemente deixaram sequelas físicas e psicológicas profundas.
O médico e psicólogo John Money, conhecido por seus experimentos controversos com crianças intersexo, marcou uma era de práticas invasivas ao afirmar que “é mais fácil cavar um poço que subir um poste” – uma frase que sintetiza a lógica de transformar meninas em meninos na ausência de um pênis funcional. Hoje, a adoção do termo intersexo com “o” final – e não com “a” ou formas neutras – é um gesto político que confronta essa herança de violência e patologização, foi isso que escrevi e vivi na escrita da dissertação de mestrado (York, 2020) e no tecer do livro "Jacob(y), Entre sexos e cardiopatias, o que o fez anjo" publicado pela Editora Scortecci também em 2020.
Políticas públicas e desafios - O GT Intersexo brasileiro tem como meta revisar protocolos médicos, eliminar termos estigmatizantes como “hermafroditismo” e propor linhas de cuidado específicas no Sistema Único de Saúde (SUS). Entre as recomendações estão a criação de comitês intersetoriais, programas de educação permanente para profissionais de saúde e medidas de reparação para vítimas de cirurgias não consentidas.
“Estamos construindo um país onde as pessoas intersexo terão o direito de existir sem que seus corpos sejam normatizados à força e para atender ao mercado”, defende Carolina Iara, co-vereadora em São Paulo e referência nas lutas por diversidade corporal.
Mas o caminho não é livre de obstáculos. Ainda há resistência dentro de setores conservadores, além da necessidade de maior conscientização pública sobre a realidade intersexo. Para Caia Coelho, outra liderança do movimento, “o maior desafio é superar o binarismo profundamente enraizado na forma como a gente organiza nosso pensamento sobre sexo e gênero, natureza e cultura, no ocidente”.
Próximos passos e o papel da mídia - A Intersexo Brasil, organização que reúne ativistas e especialistas, já articula a participação na próxima Conferência Nacional de Direitos Humanos para consolidar essas pautas. O objetivo é inserir a questão intersexo como prioridade estratégica nos planos plurianuais de governo.
A visibilidade do tema, no entanto, depende também da atuação da mídia. É preciso falar mais sobre corpos intersexo de forma ética, responsável e respeitosa – combatendo o estigma e promovendo o conhecimento científico e social.
Um convite à reflexão e ao diálogo - Para aprofundar o debate, a TVBrasil247 exibe nesta terça-feira, às 14h, o programa “Intersexo”, com direção de Sara Wagner York. A produção traz relatos potentes de pessoas intersexo, especialistas e ativistas, abordando tanto a trajetória histórica quanto os desafios contemporâneos.
“Esse programa é um arquivo vivo das nossas lutas e sonhos. Precisamos ocupar o espaço público com nossas vozes”, conclui Amiel Vieira, artista e ativista presente no episódio.
Fonte: https://www.brasil247.com/blog/brasil-avanca-na-protecao-dos-direitos-intersexo
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