quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

O nada e a foto

Jonathan Pearse escreve, em Tippling Philosopher, em Non Religious, do Patheos:

Por que há algo ao invés de nada?

Eu escrevi:

Falando como acadêmico e conhecedor do método científico, o nada, o zero, é uma abstração, uma permissão racional, tendo por base a exclusão, a ausência, a inversão. Mesmo sem provas ou evidências, filósofos gregos antigos afirmavam que o mundo era formado de átomos e de vazios. Através da observação da natureza é possível ver que objetos ocupam determinado espaço e existe um interstício entre eles. Portanto, se existe um todo, há um nada, que é caracterizado por esta ausência de algo. [Ensaio Sobre o Nada, 06/05/2015]

Então é uma premissa enganada ou falsa quando se coloca uma confrontação entre algo versus nada. Ao observar o universo, o nada e o algo coexistem. O “nada” é evidenciado por uma comparação ao “algo” e pela constatação de que há um espaço, um interstício, portanto, um “nada”.

Evidente, o ateu, quando critica a religião, se atém apenas no Cristianismo e no modelo de Deus dos cristãos, portanto, suas críticas e analogias são restritivas, falhas e pobres.

Isso me leva a Bob [provavelmente Robert, meu chará] Seidensticker que republica, no Cross Examiner, em Non Religious, no Patheos, uma postagem de 2017 [que eu devo ter comentado, mas para o bem ou mal, o comentário está perdido]:

Sabe a foto que vem com sua carteira? Deus é igual a isso.

Carteiras novas vêm com fotos de amostras nas capas de plástico transparente. Suponha que eu guarde a foto da modelo feminina e diga que ela é a minha namorada. Afinal, a foto dela está na minha carteira, eu ficarei feliz em mostrá-la à você.

Ele cita até o trecho de um filme para ilustrar a analogia dele. E com a ajuda do roteiro de um filme cujas personagens não têm evidência de sua existência [como os ateus tanto exigem, o que é uma ironia], Bob segue com suas comparações:

Os cristãos são como [x], quando se gaba das propriedades, realizações e habilidade de Deus. Sempre que você chega perto demais de expor a fraude, ele muda o assunto.

E ele segue com o mesmo discurso que eu conheço bem, quando o ateu critica o Cristianismo, esquecendo que esta é apenas uma das muitas religiões existentes e esquecendo que o Deus Cristão é apenas um modelo/conceito entre muitos.

Então vamos lá, voltando ao começo, onde falamos que não há confrontação entre o algo e o nada. Eu devo avisar que o cristão não tem razões para afirmar que o “algo” que explica o “nada” seja o Deus dele. Simplesmente porque inúmeros outros Deuses antecedem o Deus Cristão. Simplesmente porque o modelo científico parte de evidências mensuráveis e comprováveis. Como, por exemplo, a foto na carteira do Bob.

Ela está lá, ainda que tenha vindo da fábrica. Provavelmente foi recortada da propaganda de alguma revista ou foi produzida por alguma agência de modelos. Então nós temos uma pessoa, uma mulher e vários profissionais envolvidos na produção desta foto. Então nós temos várias testemunhas que podem “provar” [como os ateus tanto gostam] que essa pessoa existe.

Voltemos para Bob e sua crítica e os cristãos. Sim, eu conheço bem os cristãos [e os ateus] e eu sei que aquilo que eles costumam falar do Deus deles costuma ser enganoso, senão ilusório e eles [realmente] costumam mudar de assunto quando a fraude corre o risco de ser exposta. Mas isso pode ser usado como prova de que o conceito que o cristão tem do Deus dele é falso, não que o Deus Cristão não existe.

Eu sei que isso vai deixar o ateu contrariado. Absolutamente todas as críticas dos ateus contra o Cristianismo são boas premissas contra a doutrina contida no Cristianismo, isso realmente abala o núcleo da crença cristã, baseada inteiramente na certeza de que as escrituras sagradas [a Bíblia] contém a mais absoluta e completa Verdade, porque vem [ou é inspirada] por Deus, o Único e Verdadeiro “Deus Vivo”. Mas o “pecado” da necessidade da certeza está também dentro do ateísmo, por isso que o ateísmo é paradoxalmente considerado uma “crença”. Por isso que a minha conclusão é a de que a crítica do ateu apenas prova que o cristão está enganado quanto ao conceito que este tem deste Deus, não é uma prova que este não existe.

O cristão [eventualmente um ateu] poderá me confrontar dizendo: se você acredita que Deus [o cristão] existe, então você está se contradizendo.
Não exatamente. O Deus dos cristãos, ainda que exista, é indiferente e inócuo para o pagão moderno. O Deus dos cristãos é como o Ronald McDonald, apenas o personagem de uma multinacional. Existem outras empresas na Indústria da Fast Food e seus personagens. Você pode comer em qualquer lanchonete, sem qualquer crise existencial.
O Deus dos cristãos é tão relevante para a minha vida quanto um time de futebol. Eu prefiro artes marciais, mas isso não serve como prova que o futebol não existe, que times de futebol não existem, que campeonatos de futebol não existem, que jogadores de futebol não existem.

Portanto, Bob, pouco me importa com as alegações que você faz para a foto que está em sua carteira. Suas alegações são absolutamente irrelevantes para a minha vida e a de milhões de outras pessoas, você só está alimentando suas ilusões. O problema só começa quando essa ilusão se torna coletiva e um grupo de pessoas começa a impor suas ilusões no mundo inteiro. Então o que devemos combater são as doutrinas e as organizações religiosas que lucram com isso, não a crença, a religião ou a espiritualidade. Refutar os argumentos doutrinários livram as pessoas da doutrinação, não servem como provas da inexistência dos Deuses.

Grato pela atenção. A próxima rodada de milk-shake é por sua conta.

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