O titulo desta conferência alude à observação do grande estudioso das religiões M. Eliade respecto da pobreza das línguas modernas, nas que para a experiência do sagrado só contamos com a palavra religião.
Desde esta perspectiva desprende-se a possibilidade de propor uma experiência não religiosa do sagrado - isto é não determinada pelas práticas, dogmas, crenças de nenhuma das religiões oficiais.
Convoca-nos antes de mais nada a pergunta a respeito das condições de possibilidade de uma sacralidade atual e efetiva - não uma discussão arqueológica - a respeito dos depoimentos da religiosidade helênica.
Digamos antes de mais nada - como esclarecimento metodológico - que não enfrentamos neste momento o problema teórico de que é o sagrado, e para isso referimos à obra de Eliade, como uma aproximação; e se em todo caso tomamos uma síntese da noção do sagrado, este aparece na experiência como plenitude de significado e de intensidade.
Agora, tratar do espírito religioso dos gregos em termos contemporâneos precisa de um esclarecimento. Em primeiro lugar porque nenhuma da religiões vivas, actuais, oficiais, organizada, de nenhum país, mantém, por verdadeiro, os cultos e crenças da antiga Grécia.
Mas como segundo ponto e em oposição a este primeiro que mostra a ausência de uma prática de “cultos pagãos”, de culto de deuses gregos - sustentamos que a antiga experiência grega e latina - a dos chamados pelos cristãos de pagani - foi e é, uma fonte permanente do modo em que os ocidentais, em tanto indivíduos, temos vivenciado ou tentado vivenciar o sagrado: como arte, como mistério do universo e exuberancia da natureza, como erotismo, como realização heroica do destino pessoal. Todos estes elementos foram plasmados desde a construção civilizatoria do mundo helênico.
O Ocidente é a reunião e a luta permanente entre dois espíritos opostos de difícil conciliação, o levantino (semita, mágico) e o grecolatino e clássico. Nossa religiosidade judaicocristã, levantina, soterrou a essa antiga sensibilidade pagã, mas trata-se de uma dimensão em que nada morre mas que se submerge na latência, para retornar com mais impulso. A direção das ciências, da arte e da filosofia, sempre reconheceram sua origem na Grécia. O Renacimiento, a Modernidade, são a continuação, em grande parte, de elementos helênicos e não de judaicocristãos.
Há que diferenciar a religião da experiência do sagrado. Entre os gregos não há uma, senão várias palavras, para dizer religião. Existe por exemplo a palavra sebas, que indica temor, veneração. A palavra sebas é habitualmente traduzida ao latim por pietas. Também religião, em grego, se diz eulábeia. Eulabeia é o correlato especifico do termo latino religio, que significa originariamente atenção, recogimiento, cuidado, precaução. E esta atenção cuidadosa dá-se a respeito das manifestações mesmas do kosmos, que é divino. Também religião em grego se diz threskeia, como o conjunto de atos rituais, de normas, da especificidade das práticas de culto da colectividade. Também, em verdadeiro sentido, a palavra theoría, de onde deriva teoria, é uma palavra do grupo semântico da religião. A palavra theoria - da mesma raiz de théatron, teatro - tem como significado básico contemplar e designa a festividade, o tempo especial em onde o sagrado realiza sua manifestação.
E nesta direcção é mister assinalar que, em termos da visão antiga do mundo, o sagrado inunda muitos aspectos que pareceriam profanos no ponto de se identificar com a cultura em seu conjunto. Em todas partes onde religião e cultura se encontram ainda com sua força original, religião e cultura são no fundo uma mesma coisa, a religião não é um valor que se agregue aos bens culturais, senão mais bem, a mais profunda revelação em seu conteúdo e essência.
Esta união indivisivel entre religião e cultura não é uma interpretação filosófica, senão um atestado de um ato concreto. No mundo antigo, antes da irrupção do Cristianismo, religião é sinônimo de cultura, pois só desde o Cristianismo se acede a uma religião de índole universal, a uma religião que trascende justamente os elementos específicos de uma cultura particular.
Há que partir da conhecida característica essencial da religião grega, o que se denomina religião epifânica. A palavra epifanía vem da raiz phan que significa se manifestar. Falar de uma religião epifânica significa que os deuses se manifestam continuamente no mundo, que o mundo mesmo, como cosmos eterno, é uma contínua epifanía. Isto é, os deuses gregos, todo o conjunto do panteão, não são deuses trascendentes, não são deuses fora do mundo. Todos os deuses representam aspectos sagrados deste mundo.
Neste sentido, respecto de certas afirmações a respeito dos deuses como elementos sobrenaturales no mundo antigo, interessa-nos enfatizar que a palavra sobrenatural é incorreta e anacrônica a respeito dos gregos, porque é de criação cristã. Para os gregos não existe nada, ou digamos assim, hyperphýsios, sobrenatural, para além da physis. Todo o universo, todo o que é a physis, é sagrado. Não existe a concepção de algo sobrenatural.
Por esta mesma razão há que dizer, como parte destas mesmas características da religião grega, que coerentemente não se propõe no mundo antigo o problema da fé. Isto é, não existe a dimensão da fé em algo do que não se tem experiência. O ter presente aos deuses caracteriza a um ser humano que vive na esfera do sagrado. Em troca, nossa sociedade moderna é o lugar do que os deuses têm fugido.
Autor: L. Pinkler Ponencia.
Fonte: Odinismo
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