Por mais de 2 mil anos, Jezebel foi reputada como a menina má da bíblia, a mulher mais iníqua que existiu. Reabilitar a reputação manchada de Jezebel é uma tarefa árdua pois ela é uma mulher difícil de se gostar. Ela não é uma figura heróica como Débora, uma irmã devotada como Míriam ou uma esposa preciosa como Rute. Jezebel não pode sequer ser comparada com as outras ‘meninas más’ da bíblia como Dalila e a esposa de Potifar.
Existe muito mais nesse complexo personagem do que a interpretação comum permite. Encaixando as peças do mundo onde Jezebel viveu, surge uma imagem mais ampla dessa mulher fascinante. Não é uma estória bonita e muitos ainda ficarão perturbados com o mito de Jezebel.
A estória de Jezebel é recontada em trechos do Livro dos Reis, atribuído a um autor ou grupo de autores coletivamente chamados de Deuteronomistas. Um dos principais propósitos dos Deuteronomistas é explicar o destino de Israel por causa de sua apostasia. Quando os Israelitas chegaram na Terra Prometida, o ‘povo escolhido de Deus’ insistia em se desviar. Eles pecavam contra Yahveh de diversas maneiras, a pior delas era adorar divindades estrangeiras. Quando Jezebel entra em cena, ela providencia uma oportunidade perfeita para os Deuteronomistas ensinarem uma lição moral sobre os efeitos danosos da idolatria, pois ela foi uma estrangeira idólatra que parecia ter poder sobre o marido. Do ponto de vista dos Deuteronomistas, Jezebel encarna tudo que deve ser eliminado de Israel para que a pureza do culto de Yahveh não seja mais contaminado.
O antagonismo vem primariamente da religião de Jezebel. Jezebel, como filha do rei Etbaal, deve ter servido como sacerdotisa de Baal e Astarte. Quando Jezebel chegou em Israel, ela trouxe seus Deuses e Deusas. Ela deve ter afetado seu marido, o rei Acab, que construiu um santuário de Baal na Samaria. Jezebel não aceitou Yahveh, mas conduziu o rei a tolerar Baal. Este foi o motivo pelo qual ela foi difamada pelos Deuteronomistas, cujo objetivo era varrer o politeísmo. Ela representou uma visão feminina oposta à exaltada em personagens como Rute. Jezebel permanece determinada em suas crenças. O casamento de Jezebel com Acab foi uma aliança política, mas embora pareça ser um assunto de política externa, era intolerável aos Deuteronomistas por causa da idolatria de Jezebel.
A bíblia não conta o que a jovem Jezebel pensava sobre casar com Acab e mudar-se para Israel. Os sentimentos dela não são interessantes dos Deuteronomistas nem eles estavam interessados nos propósitos didáticos da História. Não sabemos sequer se Etbaal consultou sua filha, se ela deixou a Fenícia com apreensão ou entusiasmo, ou o que ela esperava de seu papel como rainha. Como todas as outras mulheres aristocráticas de seu tempo, Jezebel foi provavelmente um instrumento, embalado para o maior comprador.
Os costumes de Israel era bem diferentes da terra natal de Jezebel. Ao invés da abundante garoa litorânea, ela encontraria uma nação árida e deserta. Além do mais, a Torah mostra os Israelitas como um povo etnocêntrico e xenófobo. Nas narrativas bíblicas, estrangeiros não erma bem-vindos e preconceito contra casamentos interraciais eram vistos desde que Abraão procurou uma mulher de seu povo para casar com seu filho Isaque. Em contraste com os Deuses e Deusas familiares a quem Jezebel estava acostumada a adorar, Israel era a terra de uma religião estatal de um solitário deus masculino. Talvez Jezebel acreditava, otimista, que ela poderia encorajar a tolerância religiosa e dar legitimidade à adoração de Baal que existia em Israel. Talvez Jezebel se via como uma embaixadora que poderia unir os dois povos e trazer pluralismo cultural, paz regional e prosperidade econômica.
De acordo com os Deuteronomistas, o desejo de Jezebel não era conquistar a igualdade étnica ou religiosa. Ela parecia estar obcecada a eliminar os fiéis servos de Deus de Israel. Ao contrário de muitas viúvas e concubinas mudas da bíblia que nos mostram a submissão feminina no antigo Israel, Jezebel tinha uma língua. Enquanto sua rudeza verbal mostra que ela mais ousada, esperta e independente do que muitas mulheres de seu tempo, suas palavras devastadoras também demonstram sua pecaminosidade. Jezebel transformou o precioso instrumento da linguagem em um maligno objeto para blasfemar contra Deus e desafiar o profeta. Elias ficou tão apavorado com as ameaças de Jezebel que ele fugiu para o monte Sinai, a despeito do que ele testemunhou no monte Carmelo.
Não há qualquer evidência na bíblia que Jezebel era infiel ao seu marido. Na verdade, ela foi mostrada como esposa leal e auxiliadora, embora sua assistência foi deplorada pelos Deuteronomistas. Enquanto os estoriadores bíblicos querem dar uma imagem final de Jezebel como uma adúltera ousada, uma interpretação mais simpática de seu comportamento tem mais credibilidade. Quando tudo que uma pessoa deixa na vida é a forma como ela encara a morte, sua ação final mostra seu caráter. Jezebel deixou este mundo como uma rainha. Como filha, esposa, mãe, sogra e avó de reis, Jezebel entendia a política da corte bem o suficiente para perceber que o rei Jeú tinha mais a ganhar matando-a do que mantendo-a viva.
Os Deuteronomistas usaram todo tipo de argumento para criar um caso contra ela. Alguém deveria levar a censura dos autores contra a apostasia de Israel e Jezebel foi escolhida para esse trabalho. Cada palavra bíblica a condena: Jezebel era uma mulher eloqüente em um tempo em que as mulheres tinha status menor e poucos direitos; era uma estrangeira em uma terra xenófoba; uma idólatra em um local com uma religião baseada em Yahveh e sustentada pelo Estado; uma homicida e intrometida nos assuntos políticos em uma nação intensamente patriarcal; uma traidora em um reino onde nenhum soberano está acima da lei e uma leviana em um território onde os Dez Mandamentos originaram.
Sim, há muito a admirar esta antiga rainha. Em uma análise amigável, Jezebel emerge como uma pessoa ardente e determinada, com uma intensidade apenas comparável a de Elias. Ela foi sincera com sua religião e costumes nativos. Ela foi muito fiel a seu marido. Em seu reinado, ela exercia brutalmente o poder que tinha e, no fim, tendo vivido sua vida em seus próprios termos, Jezebel encara a morte certa com dignidade.
Nota: por falar em 'livros sagrados' e mulheres, a bíblia também tem um problema. Quando um personagem feminino age de acordo com as espectativas da elite sacerdotal, ela é elogiada e santificada, como a prostituta Rahab. Quando ela não é submissa, é difamada e demonificada, como a rainha Jezebel.
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