Devemos dizer os sabás. Esta palavra evidentemente designou coisas muito diversas, segundo a época. Infelizmente, só temos as descrições detalhadas já muito tarde (do tempo de Henrique IV). Não passava, então, de uma grande farsa libidinosa, a pretexto de feitiçaria. Mas mesmo nessas descrições de algo tão abastardado, alguns vestígios bem antigos testemunham idades sucessivas, formas diferentes pelas quais passara.
Pode-se partir da idéia muito segura de que, durante vários séculos, o servo levou a vida do lobo e da raposa; foi um animal noturno que durante o dia agia o menos possível, só vivendo verdadeiramente à noite.
Até o ano 1000, enquanto o povo faz seus santos e suas lendas, a vida do dia não é desprovida de interesse para ele. Seus sabás noturnos não passam de leve resquício de paganismo. Ele reverencia e teme a Lua, que influi sobre os bens da Terra. As velhas lhe são devotas e queimam pequenas velas a Dianom (Diana-Lua-Hécate). O lupercal continua perseguindo as mulheres e as crianças, é verdade que sob uma máscara, o rosto negro da alma do outro mundo, o Arlequim. Festeja-se exatamente a pervigilium veneris (em 1º de Maio). No dia de São João mata-se o bode de Priapo-Baco Sabasius, para celebrar as sabásias. Não há nenhum sarcasmo nisso, é um inocente carnaval do servo.
Mas, por volta do ao 1000, pela diferença das linguas, a Igreja quase lhe fecha as portas. Em 1100, os ofícios tornam-se ininteligíveis para ele. Dos mistérios que são representados nas portas das igrejas, o que ele retém melhor é o papel cômico, o boi e o burro, etc. Compôe cânticos com esses temas, mas cada vez mais sarcásticos.
Não poderíamos crer que as grandes e terríveis revoltas do século XII tivessem deixado de influenciar esses mistérios e essa vida noturna. As revoltas podem ter começado muitas vezes nessas festas noturnas. As grandes comunhões de revolta entre servos podem ter sido celebradas no sabá.
Mas o túmulo foi fechado em 1200. O papa sentado em cima, o rei sentado em cima, com enorme peso sepultaram o homem. Que acontece então com sua vida noturna? Torna-se mais intensa. As velhas danças pagãs tornam-se mais frenéticas. Assim também o servo. Mas, às danças, devem se ter misturado brincadeiras de vingança, farsas satíricas, zombarias e caricaturas do senhor e do padre. Toda uma literatura da noite, que não levava em conta uma só palavra do dia, pouco considerando até mesmo os burgueses.
Este é o sentido dos sabás antes de 1300. Para que tomassem a forma espantosa de uma guerra declarada ao Deus daquele tempo, ainda era preciso muito mais. Duas coisas eram necessárias: não só que se descesse ao fundo da desesperança, mas que se perdesse todo respeito.
Isso só acontece no século XIV, sob o papado de Avignon e durante o Grande Cisma, quando a Igreja, com duas cabeças, já não parece a Igreja, quando toda a nobreza e o rei, vergonhosamente feitos prisioneiros dos ingleses, exterminam o povo para lhe extorquir seu resgate. Os sabás assumem então a forma grandiosa e terrível da Missa Negra, o ofício às avessas, em que se desafia, se pede a Jesus que fulmine com raio, se for capaz. Esse drama diabólico teria sido impossível ainda no século XIII, quando teria horrorizado. Mais tarde, no século XV, quando tudo estaria desgastado, até a dor, tal jato não teria brotado. Não se teria ousado essa criação monstruosa. Ela pertenceu ao século de Dante.
Tudo aconteceu, acredito, de um jato. A explosão de uma fúria genial elevou a impiedade à altura das cóleras populares. Para compreender o que eram essas cóleras, é preciso lembrar que o povo, educado pelo próprio clero na crença e na fé do milagre, bem longe de imaginar a fixidez das leis de Deus, durante séculos havia esperado um milagre e ele nunca viera. Em vão clamava por ele no dia desesperado de sua necessidade suprema. A partir de então, o céu lhe pareceu como que o aliado de seus carrascos ferozes, ele mesmo um feroz carrasco. Por isso a Missa Negra e a Jacquerie.
A Missa Negra, em seu primeiro aspecto, pareceria ser essa redenção de Eva, maldita pelo Cristianismo. A mulher desempenha todos os papéis no sabá. Ela é a sacerdotisa, é o altar, é a hóstia de que todos comungam. No fundo, não será ela o próprio Deus?
Eu não hesitaria em acreditar que o sabá, na forma de então, foi obra da mulher. Ela vê, no século XIV, abrir-se à sua frente sua horrível carreira de suplícios; trezentos, quatrocentos anos iluminados pelas fogueiras! A audácia é fomentada pelo próprio perigo. A feiticeira pode aventurar tudo. Fraternidade humana, desafio ao céu cristão, culto perverso do deus natureza - eis o sentido da Missa Negra.
Naqueles tempos miseráveis, o grande milagre é que na cena noturna se encontrasse fraternidade, o que não seria encontrado de dia. Não sem correr perigos, a feiticeira obtinha a contribuição dos mais abastados, recolhendo suas oferendas. Para a refeição comum da noite, roubava-se durante o dia a própria refeição.
No fundo, a feiticeria erguia seu Deus, um grande deus de madeira, negro e peludo. Pelos cornos e o bode que lhe ficavam próximos, teria sido Baco; mas, pelos atributos viris, era Pã e Príapo. Para uns era puro terror; outros se emocionavam com o orgulho melancólico em que parecia absorto o eterno exilado.
As pessoas chegam, em fila, tomavam a purificação na água lustral, para então chegar a noiva do deus natureza. Rendem-se homenagens ao novo Senhor, o beijo feudal como nas igrejas, mas beijando-se as nádegas.
Cabe a ele sagrar sua sacerdotisa. O deus de madeira a colhe como outrora Pã e Príapo. Conforme a forma pagã, ela se entrega a ele, senta-se um momento sobre ele, como a Délfica no tripé de Apolo. Recebeu seu sopro, a alma, a vida, a fecundação simulada. Depois, com igual solenidade, ela se purifica. A partir desse momento, ela mesma é o altar vivo.
No momento em que a platéia sentia-se um só corpo, depois do banquete, do festim e da dança, apareciam hóstia e altar. Quais? A própria mulher. De seu corpo prostrado, de sua pessoa humilhada, ela, a orgulhosa Proserpina, se oferecia. Sobre seus rins se oficiava, se dizia o credo, se fazia o ofertório.
Todos se emocionavam quando, sobre a criatura devotada, humilhada, que se dava, faziam a prece e a oferenda pela colheita. Oferecia-se trigo ao Espírito da Terra que faz crescer o trigo. Pássaros alçavam vôo e levavam ao deus de liberdade o suspiro e o voto dos servos. Que pediam eles? Que nós outros, seus descendentes longínquos, fôssemos libertos.
Que hóstia ela distribuía? A confarreatio, a hóstia de amor, um bolo cozido sobre si, sobre a vítima que amanhã podia ser, ela mesma, levada ao fogo. A hóstia era sua vida, sua morte, o que se comia. Ali depositavam sobre ela duas oferendas de carne, dois simulacros, representando o último nascido e do último morto da comunidade. Eles participavam do mérito da mulher, altar e hóstia e a assembléia comungavam de um e de outro. Triplice hóstia, toda humana. Sob a vaga sombra do deus, era somente o povo que o povo adorava.
Este era o verdadeiro sacrifício. Estava consumado. A mulher, tendo se dado como alimento à multidão, terminara sua obra.
Texto composto a partir do livro "A Feiticeira" de Jules Michelet, pg 121-127.
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